SEO DOUTOR
A papai, de todo o coração.
Quando na fazenda se soube que
Valdóro ia aos estudos, não houve quem não fechasse muxoxo e não levantasse
ombreira, porque ninguém quis acreditar: um tal dizia que menino assim, que
até os catorze
anos não tomou
tenência e é
reinador e mexerendengo,
foge das coisas sérias
da vida, como o demo
da cruz; outro
afirmava que já
havia visto resoluções semelhantes, as quais em breve
tempo se desfizeram, como as borbulhas d’água que a capivara faz no
açude, ao escapar
de uma perseguição;
outro, enfim, malvado
a mais não
poder ser, afiançou que o filho
da patroa não deixaria a santa terra, por andar de velho derriço com a
Isa, filha de nhá Marcolina.
Por este teor e forma, foram levando a conversa os diabos dos caboclos. Deu-lhes a
notícia o Baltazar, o mais arteiro sujeito que o céu cobre, e criticou-a
a seu bel-prazer: e desde que ele puxara
a fieira, os
demais agarraram direito
no diz-que-diz-que. Entrecontaram-se façanhas de arrepiar os
cabelos: o andar Valdóro pelos grotões, a campear ninhos de urus, o armar-se de
bodoque para martirizar os guaxes no laranjal, o judiar dos poldros e o
perseguir os piriás pelos brejos. Tudo lhes veio à retentiva,
aumentado por ûa memória que sofria os calores da imaginação: que o menino, em
resumo, não era tão ruim peça como eles queriam, lá isso não era, decerto...
O Baltazar, que os encontrara no
terreiro da casa da máquina, disse também cobras e lagartos à conta do
patrãozinho: e a maledicência, então, por momentos, ocupou quase todas as bocas
do grupo. O Marcolino saiu-se com esta:
− Vocês têm reparado nos meus garnizés?
São muito lindos, mas mesmo muito... Pois não é que Valdóro às vezes cai na
maluquice de vir atirar pelotas no galinheiro e os aniquila sem dó nem piedade?
Aquilo é um precipício!
Depois teve a mão o Demétrio:
− Você ainda não sofreu nada. Que diria se lhe acontecesse o que me
aconteceu! Não faz tempo grande,
eu estava transplantando umas
couves na horta,
sossegado, sossegado, e recebo na cabeça uma pancada terrível. Sabe
o que tinha sido? Um terrão duro que o bruto me
apinchou.
Em seguida fez-se ouvir o
Teófilo:
− Isso prova que ele é deveras
endemoninhado, não há dúvida, e portanto não terá jeito para a vida das leituras. Mas, se não creio
que ele se vá embora, é por diverso motivo: um dia destes
− olhem que
até foi domingo
derradeiro − vi
resvalar dois vultos
no jardim, que
andavam no seguimento
de uma rolinha
chumbeada. Por fim
pegaram a rolinha
e muitos beijos lhe correram pelas penas: mas a maior
parte dos beijos sobejava do pássaro e ia de um
vulto ao companheiro.
Não preciso botar
mais nada na
carta: a Isa
e o Valdóro
contarão o resto...
− Ora que dois! − admirou-se o
Martinho.
− Há cada história! − o Teófilo
rosnou, com semblante enigmático.
− Venha daí mais uma! − pediu o
Demétrio.
Mas o Teófilo conteve-se: os
parceiros bem sabiam que ele não gostava de tesourar a humanidade.
Se narrara aquele
fato, aliás com
serenidade o fizera,
porque não via mal no
simples passeio que
duas crianças dão
pelo jardim. E,
atenuando o acre
da narração, mais
ainda, concluiu:
− Rapazinho de entendimento está
ali! Vocês hão de ver, se ele for mesmo! Sou muito gente para apostar este meu dedo em como o
dando faz carreira. Vocês hão de ver!
Os outros,
contudo, continuavam a
fechar muxoxos, murchos
duma vez, e
alevantar ombreiras significativas de
funda incredulidade. E
nem bem o
Teófilo de por
findo o seu
discurso, já o mundico levou por diante a forte teima:
−
Ele, voltar doutor
em leis? Capaz!
Com estes meus
olhos que aterra
há de comer,
tenho visto tanta
coisa feia praticada
pelo tal maganão,
que não posso
receber esta notícia
com bastante fé.
Pois então, um
tipo que é amigo
de atacar as
chilenas aí nesses
infelizes cabritos, passar o
pialo nos novilhos, prender os alcaides com varas de visgo e os jaós com urupucas, terá coragem de queimar as pestanas
em riba dos livros? Capaz!...
Na verdade,
não havia quem
assim não pensasse.
Houve, porém, no
meio daqueles caboclos, alguns que se quedaram à escuta,
sem nada aventurar que aumentasse os rigores da
crítica. Esses, se porventura fossem novidadeiros, dariam à trela no
sentido de contar que o rapazinho
chegara ao ponto, numa passada noite, de ir cantar trovas de amor inflamado sob
a janela da Isa: e a galante menina,
apesar da alta hora, havia assomado à janela e deixando cair sobre a cabeça do cantor um punhado de
pétalas de flores...
Duvidaram sem razão, supondo
impossível a partida. Pois o dia que se marcara para a mesma
alvoreceu enfim, vindo
encontrar prontos os
preparativos da viagem.
Valdóro, logo que lhe entreluziu a manhã pelo teto de
palhinha, acordou e soltou da cama, num movimento resoluto; e, enquanto banhava o rosto, às
pressas, a Felipa monologava na cozinha, arrumando o café. Pombos arrulhavam no telhado,
passeando por certo à roda das pombas, e as asas, que se
lhes estendiam todas
em sinal de
cortesia, começavam de
rugir com insistência
entre os oitões e as telhas.
Da banda de fora do terreiro, o
Pedrinho da Faxina gritou:
− Seo Valdóro, alevante-se, que
as juntas já estão nas cangas e tudo se acha preparado: a da guia pintou a manta, mas concordou
comigo, e aqui está de olhos virados pro chão.
− Sempre essa junta da guia foi
teimosa e contadeira de história, −
disse Valdóro, e mudou logo de tom − :
ó, Pedrinho, você quererá tanto bem aos meus carneiros como eu lhes quero e tomará conta deles como se fosse eu
mesmo?
− Sossegue que assim será!
Valdóro saiu.
Ao pôr o
pé na taboa
de junto à
porta, a taboa
deu de si
em toda a
extensão, e gemeu
como um escoroçadouro
ou como uma
pessoa atormentada de
dores ocultas: e o menino, que
por sinal nem vinha pensando em coisas magoadas, perguntou entre si
se aquilo não
seria na realidade
uma lástima pela
sua negra sorte.
Pulou os degraus
da escadinha, chegou
ao terreiro, tomou
uma das varas
e começou a
tanger os carneiros
dasanimados. O sol já estava de fora. Contemplando-o, de olhos tristes e
semblante brusco, Valdóro como já sentia
no coração as primeiras lançadas da saudade: o que lhe amargurava era um sentir nunca sentido, uma apertura
esquisita que mal se podia explicar; parecia que uma
corda lhe arrochava
metade do coração,
ficando a outra
metade vazia e
com friura de
geada.
A
neblina da manhã
não se afastava
ainda de sobre
os morros: apenas,
de longe a
longe, quenturas de
sol a mordiam,
dourando-a; e a
estrada, que o arrebol abria
naquele flanco, era estreita e
pequenina. Valdóro, atentando
nas brumas, falou,
como se fosse
num solilóquio:
− As minhas aspirações também são
assim, alvas, mas indecisas... Tempo chegará em
que o sol as ilumine
esplendidamente: as brumas
ir-se-ão dissolvendo, e
acima delas aparecerá o céu, encantado de azul.
O Pedrinho encarou nele, perdendo
a cocha: viu-se em branco, sem dúvida, ao escutar dizeres como os do Valdóro, que se inventaram
para cabeças de entendimento, e não para a de
um rude candieiro
de carro, cuja
lavra principiava ao
amiudar dos galos
e terminava ao
empoleirar das galinhas.
Pelo menos, ia
o pobre candieiro
maturando desta sorte,
amesquinhando-se dentro de
si mesmo, fazendo-se
pequenino em razão do
nhonhô patrãozinho já se ir
fazendo grandes: amigos deste volume poucos se encontram, por certo, neste mundo, em que cada qual, ao crescer
quer que os demais se lhe desmereçam e atrofiem
à sombra...
O carro, entretanto, movia-se com
vagar pela estrada que o sereno da noite molhara: com vagar, que conduzia uma
alma desafortunada, e almas, que tal modo se vêm, parecem até arroubar-se
na própria amargura
e demoram-se a
contemplar o quadro
negro que os
pensamentos lhe estão a traçar lá dentro. A intercadências, uma ramada
úmida vascolejava-se ao toque os
fueiros: e os dois piás, que iam sentados na mesa, recebiam nas faces o
orvalho frio, − tão absortos que nem se
furtavam às vergastadas de todo minuto. E as rodas, dando de encontro aos barrancos, soltavam gemidos
fracos.
As despedidas
(aquilo não passava
de uma viagemzinha
de despedida) começaram
pelo Demétrio, que assistia mesmo ao fim do pomar. Embora fosse tão
cedinho, já ele estava á porta da
palhoça, arredando um cavalo pedrez. Ia botar a carona, quando Valdóro o
chamou:
− Ó seu Demétrio?
− Bom dia, patrãozinho; que
ventos o trazem? – perguntou ele.
− Venho receber as suas ordens:
lá me vou.
− Resolve-se então duma vez?
− Duma vez.
− E não acho que pode não se
acostumar?
− Não acho. Pelo contrário.
− Pois eu desejo que nhonhô seja
muito feliz.
− Deus lhe pague. E se nalguma ocasião o ofendi,
desculpe, que me arrependo.
− Ah! Isso nunca! Vosmecê é que
há de prender alguma falta.
− Adeus, Demétrio.
− Adeus, seu Valdóro. Volte logo, ouviu? Mas nem tomou uma
canequinha de café com a gente...
− Obrigado, obrigado: não tenho
tempo. Adeus!
− Bons ventos o levem e melhores
o tragam!
Quem é que seria capaz de
calcular que Demétrio ia ficar de olhos aguados, que é? Pois ele, que tinha tantas queixas contra o
rapazinho, sentia assim a partida? Sentia, sentia, porque
uma coisa é
falar e outra
é pensar: e
mau grado a
trampolinagem do Valdóro,
o Demétrio tinha-o em alta
estima, vendo-o crescer ali na fazenda, alegre e sem luxo com os pobres.
Fora ele até
que ensinara ao
menino a moda
do marimbondinho a
uma porção de
castigas e tiranas: chegara a esse ponto de paciência.
Um por um, todos os agregados
tiveram a visita. Os carneiros, ao chegarem junto às portas, já respiravam a custo e com
afrontação. Mas era preciso que ninguém lhe esquecesse, e
Valdóro procurava todos.
Quem mais dissera
mal, mais se
entristecia com a
retirada: e causava
dó ver como
ficavam murchos os
crilinhas e as
pequenas caboclas do
tempo de esconde-esconde e
do que-pau-é-este. O
Teófilo, o Mundico,
o Baltazar, o
Martinho e os
outros roceiros auguravam-lhe venturas no colégio, como diziam. O Lico
da Benvinda (um dos que haviam ficado
quietos, quando os demais batiam caixa no nome do Valdóro), assim que o viu, veio logo limpando as lágrimas: e
abraçou-o tanto, com tanta amizade, com tanta
tristeza, que o corpo do amigo pegou a doer.
A
derradeira pessoa visitada
foi Isa. Mas
para essa não
se tornou necessário
que os carneiros
parassem à porta
da casa. Enquanto,
só, o Pedrinho
dirigia o carro,
Valdóro foi esperá-la à beira do ribeirão, no mesmo lugar
em que outrora havia armado um mundéu. O sol
já estava de queimar. As borboletas e lavandeiras sentavam perto da
água, movendo as asas com uma
vagareza que era
cheia de preguiça.
E o folhudo
ingá da margem,
debruçando a ramaria
por sobre o
tronco, tinha ao
fundo do leito
uma imagem quase
misteriosa, de tão
sombria. Mal que
viu o vulto
do namorado, a
Isa disparou a
chorar: o se
Valdóro não começasse a beijá-la, jurando-lhe mil coisas,
não era difícil que a afligida criatura chorasse choro de sangue. Isso mesmo ela falava, no
entretempo das carícias: e com forte convicção,
que o companheiro
deu de olhá-la
a fito, afim
de ver se
daqueles amados olhos
poderiam brotar mágoas vermelhas.
Despediram-se enfim! Ele saiu de sopetão, suando frio e com um nó na garganta, que lh’a apertava tenazmente:
e ela, desvairada pelo pesar, nada mais pôde
fazer que cair meio sem sentidos junto à raiz do ingazeiro. Os
capixingüis e cambarás-de-lixa
permaneciam imóveis, como se a imensa dor da pobre os tivesse comovido.
À hora em que a comitiva saiu,
numerosa e barulhenta, a mãe de Valdóro encostou-se à janela da varanda: ficou a olhar a poeira
que a cavalgada levantava ao ar, quando já não podia ver filho muito querido; através do
sofrer que a pungia, brilhava a esperança no futuro, e ela como
que se via
mais refrigerada, ao
antever a volta
daquele estremecido caboclinho
feito doutor. O pai de Valdóro acompanhava a espaços os cantos da boca.
Mas os sentimentos dos pais são coisas que não se descrevem...
Dobraram-se seis anos.
Alvoreceu um
dia, como todos
os dias alvorecem,
vermelho para as
bandas do nascente, cor de ouro para as bandas do
ocaso, o qual dia já encontrou meio mundo acordado na fazenda. Havia um reboliço em cada canto a
azáfama pela casa inteira. A mãe de Valdóro,
diligente e risonha, andava dando
ordens na cozinha, na varanda, na sala:
não saísse puxa-puxa a bandeja
de pés-de-moleque, tivessem
bom ponto os
queimados, e não
queimasse o espera-marido! O Benedito, cuja carapinha
como que se avermelhava às lavaredas do forno,
acabava de compor um pernil de porco e um peru recheado: com ar
vitorioso olhava a feitura, e com
tal entusiasmo, que
os frangos, patos,
perdizes e a
paca dantes aviados
não lhe mereciam
sequer um reparo
mais. A Marcelina,
pressurosa como nunca,
varrera tudo e
tal qual como quem varre uma
igreja: podiam-se ver, por gosto, os cachorros do teto, as vigotas e os próprios espigões, porque o asseio era tão
completo que estavam com jeito de novos.
À hora do almoço, ninguém chegou
à mesa: ninguém tinha fome, pois a idéia fixa de todos
era a volta
do doutorzinho. A
caboclada havia resolvido
perder um dia
de serviço e
rodeava o povo da casa, pedindo o que fazer, oferecendo adjutório; um
baldeava água; outro arranjava palmas
de cedro e
ramas de bananeira,
para se enfeitarem
as dependências da
morada; outra catava
flores de caeté,
de lírios, de
espirradeira e de
ipês; outro tentava
uns arcos de triunfo carregados
de fitas, que tremiam ao vento, e os arcos eram muito frágeis, por serem
de cana do
reino; outro, afinal,
mais engraçado ou
mais afetuoso que
os restantes, espalhava pelo pátio e por um longo trecho da
estrada, folhas de manga e de jasmins do cabo.
Foi a essa hora que o pai do moço
tornou do povoado. A primeira coisa que fez foi
mandar ensilhar um
cavalo baio-açafranado, que
era bom demais:
podia-se estar montado
naquele baio com
um copo d’água
na mão, que
a água nem
bulia; passista legítimo,
como aquele, decerto
nunca se viu
numas dez léguas
em roda; então
para levantar as
mãos num terreno
lançante, como ele,
só ele mesmo
– pois um
cavalo braceiro assim
até parecia impossível, tanto que o cavaleiro precisava
ser toco, porque se fosse nervoso, ao tomar com as patas
do animal nos
estribos, caía pela
certa; tinha o
corpo cheio, estava
um torresminho, luzidio que nem enganatico. No açafranado é que
Valdóro havia de vir, e com pouco saiu o
camarada que tinha de acompanhá-lo.
A Felipa do galinheiro escolhia
os frangos maiores para molho-pardo e recheio, não obstante
os que o
Benedito aprontou: porque
à última hora
se viu que
para o povaréu
que aparecia eram
necessárias, pelo menos,
umas vinte cabeças.
A ajudar a
Felipa, rompeu um
peva bulhento, pintando
a saracura: aquilo
pulava no pescoço
ou na canela
dos frangos, e
fugissem! Naquele instante uns pares de parirus vieram beber no
córguinho que passava ao fim do
galinheiro – e a Felipa gritou para dentro da casa que até dava ares de ser de
propósito, virem ali as pombinhas que
Valdóro tanto apreciava, depois de se terem sumido por muitos dias e talvez meses! Não houve quem não
concordasse com a Felipa.
Cantigas encantadoras
se ouviam, cantadas
por um terno
de lavadeiras que
ensaboavam e batiam
roupa nas vizinhanças;
houve um momento
em que uma
delas, a de
peito mais limpo
e de voz
tão entoada que
a gente cuidava
estar escutando o
som de uma
flauta, disse uma
quadra de amores
que acabava trovando
com seu doutor.
E as outras
lavadeiras então se riram; uma das três procurou saber:
− Pois você, Isa, ainda não se
esqueceu do Valdóro? Não pense mais nele: fazendo das prateleiras de riba não a de ser pra nós,
caipiras do mato. Largue mão disso!
− Mas o que hei de fazer – a Isa
contraveio: − se o amor que tenho por ele a modos que cresce cada vez mais com a ausência? Eu
quero esquecer-me: eu quero, mas não posso!
− Pode, é só querer. Você não
sabe a distância que existe entre ele e você, agora que ele volta moço e formado: é um abismo,
criatura!
A
Isa deu de
suspirar: pois não
tinha certeza, mas
como que adivinhava
a impossibilidade de
se amarem um
rapagão dos trinques
e uma rapariga
sertaneja, que não
sabia cumprimentar nem receber uma visita, e falava as palavras todas
trocadas! São voltas que dá o mundo, são
voltas que o mundo dá – é muita verdade o que diz esta trova! – ela cismava assim, - quando, no cume do morro da
fazenda, se levantou a poeira, que havia de
anunciar a chegada da comitiva.
Houve uma
barafunda. A notícia
correu à semelhança
de um vento
do sul, rápida
e rumorosa. O povo aglomerou-se
no terreiro, no pátio, às janelas e às portas: queriam todos ver com vinha o doutorzinho. E logo que ele
apeou, junto à escadinha do casarão velho, e a mãe veio
abraçá-lo, chorando de
alegria, e o
pai, muitas exclamações
se ergueram de
muitas partes:
− Olhai como ele está mudado!
− Como está magro, o pobre!
− Nos estudos a gente fica
pálida: vejam só o rosto dele!
− Era tão risonho e vem tão
sério, já se viu?
− E como vem cresçudo!
A
Isa foi a
última pessoa a
dizer-lhe adeus. Quando ela
lhe apareceu, vergonhosa,
corada, e tremendo, Valdóro perguntou-lhe:
− Então, sou para você algum
desconhecido, Isa? Dantes não era!
Ela aproximou-se,
estendeu-lhe a mão
direita, vexada demais,
e nada pôde
dizer. E parecia que um céu de felicidades se abrira
de novo à coitada, só por ouvir do Valdóro uma
frase amiga como
os do passado.
Afastou-se para um
canto do pátio
em que todos
permaneciam ainda, e pegou a fuxicar as barras dum lenço; as fontes
ruidavam-lhe tanto, e os ouvidos, que
tinha medo de
cair com uma
vertigem. Chegou um
momento em que,
lembrando-se das admoestações
das companheiras de
havia pouco, pediu
a Deus que,
tal acontecesse, antes a fizesse
cair ali mesmo e não alevantasse mais...
Para desmanchar o constrangimento
que se apoderara de quase todos, só mesmo uma
léria do Martinho. E foi realmente o Martinho quem acabou co meia
tristeza que ensombrava o semblante
daquele povo, clamando para o fundo da sua casa, que era perto:
− Repontem esses perus e
marrequinhas pro galinheiro, porque o Valdóro já está na terra, e senão, temos gronga!
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Nota:
Valdomiro Silveira: "Mucufos" (1894-1905). Versão ortográfica do apógrafo de Carmen Lydia de Souza Dias, in: Alexandre de Oliveira Barbosa: "Edição anotada de Mucufos, coletânea de contos inédita de Valdomiro Silveira", da Universidade de São Paulo, 2007
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