quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Eduardo Guimarães: "5 Poemas"

DE PROFUNDIS CLAMAVI

Desse profundo horror, de esplêndida memória,
ouve, Senhor, o brado unânime e maldito
que aos céus, vibrando, sobe! Ouve o sinistro grito
que é toda a angústia humana e toda a humana glória!

Ouve o que diz a boca exangue e merencória,
de amor gemendo! E o lábio ardente do precito
que em vão interrogou a sombra do infinito!
E o que sorveu, calado, a lágrima ilusória!

Ouve, Deus de Sinai que tens o raio ao seio!
Nós clamamos a ti pelos perdões supremos
pela suprema paz ao nosso eterno anseio!

E queremos saber por que nos torturamos!
E clamamos a ti do Éden em que sofremos!
E clamamos a ti do Inferno em que gozamos!



SOB OS TEUS OLHOS SEM LÁGRIMA
Une rose Dan lês ténèbres
Stéphane Mallarmé

Não porque a noite, de astros pura,
traga ao meu riso este ar dolente
de um trovador convalescente,
lembro-te, calmo e sem tortura.

Mas, porque à luz que se transfigura
constantemente, eternamente,
esta paisagem da alma ardente,
outra surgiu mais lenta e obscura.

Outra surgiu que mostra em cada
canto uma planta misteriosa,
um lírio negro, uma flor tristonha:

E esta dor mortal e sagrada
que floresceu, como uma rosa,
da mais profunda do meu sonho!



NOVILÚNIO

Novilúnio de outubro. É primavera. Sente!
Que silêncio! Não move uma só brisa. Odor
a jasmins. Larga e verde, a água-morta jazente.
Nela ao fundo azulado o céu. Nenhum rumor.

São como aparições as árvores. Que mágoa,
a destes salgueiros! Ó vastas solidões!
Pânica encenação da sombra à beira d´água
que reflete ao luar a copa dos chorões!

Desfaz-se a mancha azul do cerro que se obumbra.
E eis que, a espátula, a treva o quadro singular
pinta: e por tudo cria efeitos de penumbra...
ouve-se o coração das cousas palpitar.

Nada turba entretanto a música divina
do silêncio, nem mesmo a orvalhada a cair
da altura e a marejar duma geada fina
e límpida os botões das rosas por abrir.

Novilúnio de outubro. É primavera. Sente:
que aroma, o dos jasmins! Dorme tudo ao redor.
Nenhum rumor que se ouça — o dos sapos somente
que faz mais calma a noite e o silêncio maior.



DESEJO

Desejo, desejo vago
de ser a tarde que expira,
ser o salgueiro do lago,
onde a aragem mal respira.

Ser a andorinha que voa
e vai, ser o último raio
de sol... e o sino que soa.
Ser o frescor do ar de maio.

Ser o eco da voz distante
que além se extingue dolente
ou essa folha que, errante
ao vento, cai dormente...

Ser o reflexo disperso
dum ramo n'água pendido,
fluído e belo como um verso
que cante mas sem sentido!

Ser o silêncio, esta calma.
Breve momento impreciso.
Ser um pouco da tua alma...
um pouco do teu sorriso.



POENTE LAGUNAR

Sopra o vento frio...
Sopra o vento sul.
Brilha o céu azul
como um céu de estio.

Per de a relva a cor,
seca, amarelece.
Da luz, que esmaece,
mal fica o palor.

Bate agora um sino.
Vibram ondas no ar...
Não tarde o luar
e o céu é divino.

Nuvens de marfim,
ouro, cinza e rosa.
E a orla sinuosa
do horizonte, ao fim.

Último poente.
Sem sofrer, sutil,
agoniza abril
catolicamente.

Por flores, lilás...
Um responso – a calma...
Não há formas: há alma...
Baixa a noite, e a paz.

No silêncio, quando
subir o luar,
águas a brilhar...
Sombras sonhando!

Vão-se as aves... Tem
uma estrela a altura,
que, só, refulgura.
Breve, a noite vem.

Uma asa flutua,
há como um clarão...
E os charcos estão
à espera da lua.

No silêncio, quando
subir o luar,
águas a brilhar!
Sombras caminhando...

Vão-se as aves. Tem
uma estrela a altura
que, só, refulgura...
Breve, a noite vem.

Uma asa flutua.
Há como um clarão...
E os charcos estão
à espera da lua.

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