A MAIOR DOR HUMANA
Que
imensas agonias se formaram
sob os
olhos de Deus! Sinistra hora
em que o
homem surgiu! Que negra aurora,
que
amargas condições o escravizaram!
As mãos,
que um filho amado amortalharam,
erguidas
buscam Deus. A Fé implora...
E o céu,
que respondeu? As mãos baixaram
para
abraçar a filha morta agora.
Depois um
pai em trevas vai sonhando,
e apalpa
as sombras deles onde os viu
nascer,
florir, morrer! Desastre infando!
Ao teu
abismo, pai, não vão confortos...
És coração
que a dor empederniu,
sepulcro
vivo de dois filhos mortos.
ALMA ATRIBULADA
O' alma
atribulada, corta o laço
da torva
angústia que te cinge à vida!
Vai, foge
para Deus, ou para o espaço...
Ou nada ou
Deus, que importa? eis-te remida.
Não
tiveste na vida um dia escasso
de paz e
de alegria! Escurecida
te foi
sempre a existência, desvalida,
e cortada
de abismos, passo a passo.
Vai! Não
leves saudades do que deixas.
Se a fé em
melhor mundo te preluz,
alma
gemente, por que assim te queixas?
Desprende-te,
a sorrir, da horrenda cruz
em que
tanto penaste! Os olhos fechas?
Abre os
d'alma, e verás que infinda luz.
ANEL
Dá-me um
anel; mas que seja
Como o
anel em que cingida
Tem gemido
toda a minha vida.
Dá-me um
anel; mas de ferro,
Negro, bem
negro, da cor
Desta
minha acerba dor,
Deste meu
negro desterro!
Dá-me um
anel; mas de ferro...
Sempre
comigo hei-de tê-lo;
Há-de ser
o negro elo,
Que me
prenda à sepultura.
Quero-o
negro...seja o estigma,
que
decifre o escuro enigma,
Duma
grande desventura.
Dá-me um
anel; mas de ferro,
Que
resista mais que os ossos
Dum
cadáver aos destroços
Do roaz
verme do pó.
Entre as
cinzas alvacentas,
como
espólio das tormentas
Apareça o
ferro só.
E o teu
nome impresso nele,
Falará dum
grande amor,
Nutrido em
ânsias de dor,
Pelo fel
da sociedade...
Que teu
nome nele escrito,
Nesse
padrão infinito,
Vá comigo
à Eternidade.
O SEGREDO DE SALVAR-ME PELO AMOR
Quem há aí
que possa o cálix
De meus
lábios apartar?
Quem,
nesta vida de penas,
Poderá
mudar as cenas
Que
ninguém pôde mudar?
Quem
possui na alma o segredo
De
salvar-me pelo amor?
Quem me
dará gota de água
Nesta
angustiosa frágua
De um
deserto abrasador?
Se alguém
existe na terra
Que tanto
possa, és tu só!
Tu só,
mulher, que eu adoro,
Quando a
Deus piedade imploro,
E a ti
peço amor e dó.
Se
soubesses que tristeza
Enluta meu
coração,
Terias
nobre vaidade
Em me dar
felicidade,
Que eu
busquei no mundo em vão.
Busquei-a
em tudo na terra,
Tudo na
terra mentiu!
Essa
estrela carinhosa
Que luz à
infância ditosa
Para mim
nunca luziu.
Infeliz
desde criança
Nem me foi
risonha a fé;
Quando a
terra nos maltrata,
Caprichosa,
acerba e ingrata,
Céu e
esperança nada é.
Pois a
ventura busquei-a
No vivo
anseio do amor,
Era
ardente a minha alma;
Conquistei
mais de uma palma
À custa de
muita dor.
Mas estas
palmas tais eram
Que,
postas no coração,
Fundas
raízes lançavam,
E nas
lágrimas medravam
Com frutos
de maldição.
Em ânsias
de alma, a ventura
Nos dons
da ciência busquei.
Tudo
mentira! A ciência
Era um
sinal de impotência
Da vã
Razão que invoquei…
Era um
brado, um testemunho
Do nada
que o mundo é.
Quanto a
minha mente erguia
Tudo por
terra caía,
Só ficava
Deus e a fé.
Lancei-me
aos braços do Eterno
Com o
fervor de infeliz;
Senti mais
fundas as dores,
Mais agros
os dissabores…
O próprio
Deus não me quis!
Depois, no
mundo, cercado
Só de
angustias, divaguei
De um
abismo a outro abismo
Pedindo ao
louco cinismo
O prazer
que não achei.
Tristes
correram meus anos
Na
infância que em todos é
Bela de
crenças e amores,
Terna de
risos e flores
Santa de
esperança e de fé.
Assim
negra me era a vida
Quando, ó
luz da alma, te vi
Baixar do
céu, onde outrora
Te
busquei, mão redentora,
Procurando
amparo em ti.
Serás tu a
mão piedosa,
Que se
estende entre escarcéus
Ao perdido
naufragado?
Serás tu,
ser adorado,
Um prêmio
vindo dos céus?
E eu
mereço-te, que imenso
Tem já
sido o meu quinhão
De
torturas não sabidas,
Com
resignação sofridas
Nos seios
do coração.
Que
ternura e amor e afagos
Toda a
vida te darei!
Com que
jubilo e delírio,
Nova dor,
novo martírio,
De ti
vindo, aceitarei!
Se na
terra um céu desejas
Como o céu
que eu tanto quis,
Se d’um
anjo a glória queres,
Serás
anjo, se fizeres,
Contra o
destino, um feliz.
Faz que eu
veja nestas trevas
Um
relâmpago de amor,
Que eu não
morra sem que diga:
“Tive no
mundo uma amiga,
Que
entendeu a minha dor.
Deu-me ela
o estro grande
Das
memoráveis canções;
Acendeu-me
a extinta chama
Da
inspiração que inflama
Regelados
corações.
Os
segredos dos afetos
Que mais
puros Deus nos deu,
Ensinou-mos
ela um dia
Que de
entre arcanjos descia
Com
linguagem do céu.
Os mimosos
pensamentos
Que, de
mim soberbo, leio,
Inspirou-mos,
deu-mos ela
Recostando
a fronte bela
Sobre o
meu ardente seio.
Morta
estava a fantasia
Que o gelo
da alma esfriou;
Tinha o
espírito dormente,
Só no
peito um fogo ardente,
Quando o
céu me a deparou.
Agora
morro no gozo
De uma
saudade imortal.
Foi ditosa
a minha sorte;
Amei,
vivi: venha a morte,
Que morte
ou vida é-me igual.
Igual,
sim, que o amor profundo,
Como foi
na terra o meu,
Não
expira, é sempre vivo,
Sempre
ardente e progressivo
Em
perpétuo amor do céu”.
Assim,
querida, meus lábios,
Já
moribundos, dirão,
Nas
agonias supremas,
Essas
palavras extremas
Do meu ao
teu coração.
Sabes quem
é, neste mundo,
Quase
igual ao Redentor?
É quem
diz: “Sou adorada
Pela alma
resgatada,
Por mim,
das ânsias da dor.”
COMÉDIA HUMANA
Literatos!
Chorai-me, que eu sou digno
Da vossa
gemebunda e velha táctica!
Se acaso
tendes crimes em gramática,
Farei que
vos perdoe o Deus benigno.
Demais
conheço a prosa inflada, enfática,
Com que
chorais os mortos; e o maligno
Desafeto
aos que vivem… Não me indigno…
Sei o que
sois em teoria e em prática.
Quando o
avô desta vã literatura
Garret,
era levado á sepultura,
Viu-se a
imprensa verter prantos sem fim…
Pois seis
dos literatos mais magoados,
Saíram,
nessa noite embriagados,
Da
crapulosa tasca do Penim.
---
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário