quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Valdomiro Silveira: "Bocó-de-Mola"

BOCÓ-DE-MOLA
  
Bem  se  diz  que  casamento  com  parentage  dá  sempre  mau  resultado.pois  ali  estava  aquele  casal  tão  unido  –  o  Joaquim  Chico  e  nhá  Loriana,  primos  entre  si  −,  que  teve  a  infelicidade de ver no meio dos outros um filho tapera duma vez, a quem deram o nome de  Teófilo.  O  ribeirão  grande  inteiro  tinha  dó  dos coitados,  por  vista  disso:  o  que  não  proibiu  certa gentinha de pouco mais ou menos botar no triste de songa-monga o apelido de Bocó-de-mola.

Ora,  aquilo  pegou  como  bichas,  e  só  com  esse  apelido  é  que  o  conheciam  nas  redondezas. Os catatauzinhos de longe  gritavam, quando o viam: − ó Bocó-de-mola! −  e o  rapaz  irava  que  nem  um  tigre,  chegava  a  enchouriçar  o  pescoço  e  rugir  umas  ameaças  de  abalar  céus  e  terra:    os  catatauzinhos  fugiam  numa  disparada,  se  aquele  vulto  estrangolado  dava  de  correr  pro  lado  deles;  e  se  percebiam  que  a  coisa  estava  com  jeito  de  amargar,  abrandavam a voz e diziam, entreparando:

− Ó Teórfo! Pra que tamanha zanga?

Ele  sustava  a  carreira,  também  com  aqueles  olhos  enormes  granados  nos  provocadores, e vendo que eles não tinham no semblante expressão de caçoada, voltava. Mas  não lhe bulissem mais, em seguida, que então perdia as estribeiras e voava em riba dos tais,  cego e fungando de raiva: e derrubava cada paulada de criar bicho, a ponto de ser necessário,  às vezes, que Joaquim ou nhá Loriana acudisse ao que gemia uns pescoções, caía e levantava- se, recolhia, e ficava a um canto da casa, mudo como um peixe: sabe Deus que craminholas se  remexiam naquela cabeça!

O  Joaquim  Chico,  assim  que  o  menino  agarrou  os  doze  anos,  reinou,  reinou,  para  descobrir um meio de acabar com tanto disparate. Afinal, a paciência dum homem não é de  mesma largura e fundura que o rio pardo, e um dia se esgota: e era preciso dar um paradeiro a  semelhantes  desatinos!  Onde  é  que  já  se  viu  agora  um  manguarão  de  doze  anos  correr  encambulhado  com  os  outros,  vestido  de  camisola  e  mais  vadio  que  bicho-preguiça?  Foi  castigo do céu, decerto, mas pra tudo se dá remédio, menos pra morte −, e o Joaquim, depois  de muito excogitar, descobriu que o remédio ali era a perova e o tala: havia da endireitar o  filho a poder de couro e pancadaria velha.

Se bem pensou, melhor fez. Toda manhã, logo que o sol apontava, ia cutucar o Teófilo  com uma guaçatonga fina, clamada que aquilo não era hora de tamanho bezerro estar no lugar  quente, e se apinchasse do catre e fosse trabalhar, que quem não trabalha tem o que comer.

O Teófilo esbugalhava mais brutos olhos, cujo branco parecia tocada de azul, e pulava  meio caído, quase sempre: engolia às carreiras uma tigela de café com leite misturado com  farinha de milho, e seguia pra um rocio que o pai andava fabricando, dali a umas trezentas  braças: e se seguia, era porque o pai lá o ia repontando.

Os outros, louvado Deus, davam conta do eito, porque tinham bom natural e medo da  guasca: mas o diabo do samonga a modo que cada vez emperrava mais , cada vez ficava mais  perrengue  e  mamparreiro.  O  tala  e  o  pau  cantavam-lhe  em  riba:  qual!  –  aquilo  era  mesmo  castigo  que  viera  do  céu  ao  Joaquim  Chico  e  à  nhá  Loriana,  porque  do  contrário  já  teria  havido alguma  arrumação! – e o rapaz beirava o quinze anos sem que, que melhorasse, ao  mesmo um pouco do juízo, nem tivesse propensão pro serviço. Houve noites áfias que eles  gastaram só em falar no filho e fazer cada lamúria capaz de esmoer o coração da gente que os  ouvisse: e nhá Loriana aconselhava sempre ao marido não batesse tanto no desgraçadinho do  menino, que afinal não tinha culpa de ser assim.

O  Joaquim  concordava,  arrependia-se,  prometia  não  cometer  mais  tão  grande  malvadeza; ao romper do dia tratava de acordar então o Teófilo, porém com toda a brandura,  dava-lhe um cuietê cheio de leite com farinha de moinho (de munho chamada), e entregava-lhe a ferramenta: ele pegava-se, que a tudo uma pessoa se acostuma neste mundo! – troteava  pro  rocio,  tropicando  aqui,  tropicando  acolá,  caindo  mais  longe,  até  que  o  Joaquim  ficava  pelas turinas e já o fazia apresar-se a pontapés e cachações; − e no eito era um nunca mais  acabar! Os outros, bendita fosse a providência! – continuavam destorcidos como dantes.

Malhou  em  ferro  frio  o  Joaquim,  porque  lucrou  tanto  como  coisa  nenhuma:  o  entendimento  do  Bocó-de-mola  parecia  piorar  cada  vez  mais;  ultimamente  se  fizera  no  costume  de  resmungar  pelos  cantos,  abrindo  um  bocão  terrível,  donde  os  dentes  rompiam  chatos  escuros  como  os  de  um  animal  erado:  e  ninguém  podia  compreender  aqueles  resmungos  e  o  que  significava  aquele  abrir  de  boca  com  tamanha  ferocidade.  Tão  feio  se  tornava  ele,  em  tais  ocasiões,  que  a  própria  irmandade  pegava  chão,  quando  o  outro  principiava com semelhante esquisitice.

Aí  então  é  que  o  cacete  trabalhava  ás  deveras.  O  cacete  e  uns  três  metros  de  fumo  dobrado  e  trançado,  pois  chegou  pra  todos  a  convicção  que  o  diabo  entrara  no  corpo  do  sarambé. Morava na ilha grande uma benzedeira por nome a macaca: essa foi chamada, olhou  o sintoma da cara, correu cruzes pelo peito do endemoninhado, de cima pra baixo, de baixo  pra cima e nada conseguiu. O tio Procópio, um negro escangalha que assistia na mumbuca e  tinha fama de meio feiticeiro, passou a mão em quanta veinha havia no Teófilo, e ficou tudo  na mesma, no ora veja.

O Joaquim começou a desesperar. E não era pra menos: um pai de oito famílias, que  precisava fazer hoje o que vestir e comer e beber amanhã, atrapalhado com um imbecil em  casa, que além de imbecil vivia com o rabudo dentro de si, é brinquedo? A coitada da nhá Loriana, essa ajoelhava a nossa senhora da conceição, rezava, chorava, chorava mais, rezava  mais,  puxava  terço,  fazia  promessa,  que  era  até  da  gente  sentir  um  nó  na  garganta  e  uma  quentura nos olhos!

Tentaram todo remédio que lhe aconselharam, toda raiz importante, chás de arruda de  erva-cidreira, infusões de palma benta, beberagens de noz-vômica e de losna: pregavam-lhe  ao pescoço uma penca de rosários e cruzinhas, mãos de coral, orações encobertas, um dilúvio  de miuçalhas! Mandaram-lhe que lavasse de joelhos uma temporada comprida, persignando-se de minuto em minuto, olhando a cruz de nosso senhor morto: e pediam misericórdia por  ele, que não sabia pedir – mas tudo dava em três vezes nada, nada é.

Nhá  Loriana  fez  companhia  ao  marido:  ficou  tão  cheia  de  esperanças  como  um  sapuvuçu bem seco está cheio de folhas... E então era só um chorar aqui e outro chorar mais  além, numa demasia que chegava a ser uma lástima.

Apareceu na vila, por esse tempo, um doutor de quem diziam maravilhas: que tinha  posto são de tudo um caboclo tantã há muitos anos, o Zeca Piramboia, o qual endoideceu p’r amór  da  fugida  da  mulher;  que  curou  os  ataques  bravos  dum  menino  já  deste  porte,  o  Antoninho, filho do Chico Trombeta, que residia em S. Pedro; que tirou o mau olhado duma  criança muito bonita, lá pros lados do criciumal: e uma infinidade de milagres mais.

Foi um próprio buscar o doutor, um dia que rapaz amanheceu mais esquentado e com  os olhos vermelhos. O doutor veio, examinou-o, perguntou se no meio dos tios ou dos avós  não tinha havido nenhuma gente que sofresse de gota-coral ou de convulsões fortes; se ele era   assim desde pequeno: e por último pediu que o fizessem caminhar um bocado, pra ver se não  trocava ou não bambeava as pernas.

Depois o doutor tirou uma carteira do bolso, tirou um quarto de papel, tirou um lápis e  escreveu uma receita com uns nomes arrevesados, uns brometos de potássio e outras drogas  desconhecidas;  ensinou  que  era  preciso  todo  o  cuidado  com  o  doente;  que  o  doente  devia  passear, distrair-se, dormir bem,  ter alimentação direita  e muita vigia em riba dele; porque a  doença não deixava de ser perigosa e nalgum momento podia vir um acesso furioso.

O doutor foi-se embora, gabado como um santo, por mostrar ser tão bom curandeiro,  que até indagava da vida dos outros, dos pais e dos avós dos outros una moda que ninguém  usara  ainda  por  todo  este  matão  desgrenhado.  E  a  esperança,  voltou  cheia  de  fortidão,  alegrando a casa inteira: porque eles, a dizer verdade, queriam bem demais ao Teófilo.

Trato mais bom que o que lhe deram, daí por diante, só no palácio dum rei mouro.  Nem bem ele pulava da cama, já lhe traziam chocolates de agrião, ou gemadas de leite, ou  caldos de mocotós de vaca; no almoço arrumavam-lhe um prato que era una montanha; no  jantar  uma  sopeira  que  era  um  a  lagoa,  e  uma  travessa  mais  empinada  que  a  serra  do  Jacarézinho, e cada pires de doce mais doce que mandaçaia; de noite, uma terrina de leite,  uma dúzia de bolinhos de polvilho, ou um bolão de fubá, ou sonhos de farinha de trigo. Só  vendo!

A princípio, notaram no semblante do rapaz uns toques de sangue, umas cores boas  que  vinham  vindo.  Mas  não  demoraram  muito  as  boas  cores:  apareceram  e  desapareceram  logo. O rapaz afinou e vez de engordar, ficou feito um varapau, de magro; apontaram-lhe por  debaixo  dos  olhos  uns  riscos  azulados,  assim  a  modos  de  florzinha  de  criciúma  já  quase  murcha; os olhos, esses então tomaram um tom sem propósito de olhos de filho de Deus. Já  daí o desespero cresceu novamente no ânimo do pai e no ânimo da mãe: e como cresceu! – rijo e depressa que era mesmo pra matar se não fosse a ajuda do céu!

Nesse  meio  tempo  o  compadre  Joaquim  João  teimou  com  eles  que  doença  daquele  sintoma se cura mas é a varadas de fumo: porque se a coisa é de mamparra, a esfrega esperta   o  sujeito;  se  a  coisa  é  produto  de  artes  do  demônio,  o  demônio  não  resiste  às  pancadas  do  fumo.

Este compadre Joaquim João tinha sido sempre muito amigo da casa: e não é que de  certo  ele  estava  com  a  razão  toda  de  seu  lado?  Assim  pensou  o  Joaquim  Chico,  já  acompanhado por nhá Loriana. Pra encurtar conversas: o doutor o que fez? Contou gronga à  toa,  umas  prosas  bonitas  que  não  deram  resultados!  E  de  prosas  não  se  vive  neste  vale  de  lágrimas.

Foi  o  Joaquim João  falar  e  o  Joaquim  Chico  ouvir  como  quem  ouve  um  pedaço  de  livro santo: no dia seguinte puxou o filho a trambolhões, assim que o dia clareou, pôs-lhe a  ferramenta  na  mão  e  calcou-lhe  pra  experiência  uma  dúzia  de  varadas.  Não,  que  era  necessário  levar  a  tarefa  de  fio  a  pavio,  e  nunca  mais  com  panos  quentes.  Se  fosse  uma  macacoa  passageira,  vá  lá  que  se  descuidasse,  mas  com  um  estado  sério  não  se  brinca:  às  vezes uma defluxão dá pra acabar com a vida dum pobre, quando mais um sofrimento assim,  que fazia o rapaz definhar de dia pra dia! O negócio não ia direito, nem um pouco!

E o Teófilo cada vez mais rebelde: não corria como de primeiro, agora; pelo contrário,  ia  indo  pela  estrada  devagarinho,  feito  uma  formiga,  apesar  do  pai  não  descontinuar  com  aquela música.

Todos  se  assombravam,  vendo  tamanho  sossego  no  meio  de  tamanha  surra:  uns  tinham  muita  dó  do infeliz,  que  um  cristão,  agüentando  toda  aquela  judiaria,  sem  boca  pra  soltar  um  soluço,  é  porque  tem  muita  força  de  vontade;  outros  ruminavam  que  tudo  não  passava de mangação do tal chifrudo que estava escondido lá dentro e tomara conta do corpo  com tão grande poder, que o corpo nem não sentiu mais nada do mundo.

Histórias! Pois, a falar verdade, o Teófilo andava quieto a mais não poder; mas quem  lhe reparasse no rosto, quando o pai vinha atropelá-lo, veria o rosto mudar de cor duma hora  pra a outra e uma placa de chumbo prega-se em cada face, com um jeito que até lhe dava ares  de  bicho  selvage.  Tanto,  que  uma  vez  nhá  Loriana,  que  se  achava  perto  dele,  no  já  falado  rocio, e na ocasião em que o Joaquim Chico ia bater nele, largou um pulo que nem o duma  lebre, de ligeiro, só de terror daquela feição desfigurada.

Vida sem assento, assim, não podia durar muito tempo, e já durava demais. Um dia,  cruz, credo! Pra aqui e mais pra ali! – o diabo a mó’ que não teve mais pachorra e entendeu de  botar as manguinhas de fora.

O  admirável  é  que  a  barra  da  madrugada  rompeu  bonita  como  um  vestido  que  sea  Gertrudes  do  Ribeirão  tem,  cor  de  rosa  duma  vez.  Um  centinho  manso cochichava  com  os  galhos  e  com  os  ramos  e  os  galhos  e  os  ramos  pareciam  rir,  abaixando-se,  erguendo-se,  encontrando-se uns com os outros. Um dilúvio de urus cantava pelo mato fora. Madrugada  que nem essa não é própria pra desastres e esta foi.

O Joaquim Chico de certo acordou com elas suspendidas: rolou da cama tal e qual um  embrulho, vestiu-se às carreiras, pegou a vara de fumo e um rabo-de-tatu desta proporção −, e  correu pra cama do Teófilo, enfiando-lhe a ponta duma azagaia no braço direito, até que ele  deu acordo de si, assustado e tremendo. E o Joaquim Chico buzinou de raiva, porque Teófilo  deu de coçar o corpo, que tinha mais  fim nem  acabamento: por último  o rapaz saiu, quase  maio arrastado, com os olhos papudos do sono e o corpo mole-mole ainda.

O café não tardou, que nhá Loriana percebeu loguinho os azeites do marido: e mal o  café rodou pela garganta abaixo do Joaquim Chico, o Joaquim Chico segurou a enxada e os  instrumentos da pancadaria, e fez caminho, tangendo o filho. Os restantes seguiam mais de  longe,  conversando  em  voz  abafada;  e  um  deles,  o  caçula,  toda  hora  estremecia,  falando  baixo: − faça florescer as pedras! – porque era a morte que estava toda hora passando por ele.  Chegaram a pôr sentido em tanto estremecimento do Joaquinzinho; mas o cultivo mostrou a  cara no rasgão da mata-virge e ninguém mais pensou naquilo. Com certeza era friage.

Até a umas cinco braças de sol o serviço correu sem atrapalhação, bem cerrado como  sempre. Era uma quebra de milho que precisava ser feita quando antes, porque os queixadas  andavam saindo na roça, e quando saem numa roça vai tudo raso. Tinham já derrubado uns  oito carros, e o Teófilo ajudava, quando o Joaquim Chico mandou destampar o almoço, que a  fome dissera umas novidades lá no estômago dele. Procuraram uma aguada anexa à plantação,  estenderam uma toalha à beira mesmo, e cada um puxou sua colher pra fazer pela vida.

A fome do Teófilo – ê! fome! – parceira fome canina! Aquilo foi só abrirem a toalha e  já ele cair com as mãos abertas em cima da marmita, com uma violência que nem se pode  dizer.  Um  pobre  de  estrada,  bem  miserável  e  sequinho,  que  tivesse  passado  três  dias  em  jejum,  pela  certa  não  havia  de  fazer  tão  má  figura  como  aquela!  E  o  Joaquim  Chico  irou,  mordeu  os  beiços  de  tanta  fúria,  passou  os  dedos  abertos  pelos  cabelos,  largou  uns  gritos  danados:

− Por que é que você está com tamanha esganação, ô diabo?

E trunfou-lhe a vara de fumo às direitas, descanjicou as costas do desgraçado assim  como quem malha feijão.

Pois foi nesse momento que a paciência do Teófilo não pôde mais aturar. Um pote em  baixo da bica, meio em falso, fica de pé até certa proporção, mas quando se enche de todo, cai  por força: a paciência do Teófilo rodou por este feito. Ele garrou um cacete de guaiuvira que  servia  de  bastão  pro  Joaquinzinho,  frenteou  com  o  pai,  e  descarregou-lhe  o  pau  a  risco  de  vida. A rapaziada, presenciando uma coisa tão impossível, ganhou rumo do mato-grosso: e  ninguém pôde valer ao Joaquim Chico em tal inficionado pedaço.

As bordoadas caíam a torto e a direito, pela testa, pelas orelhas, pelo nariz, pela boca,  pelos ombros, pelos braços, com um vigor que nem tinha mostra de ser de gente da terra: e o  Joaquim  Chico  uivava  de  dor,  caído  no  chão  e  torcendo-se,  ensangüentado  a  toalha  e  a  agüinha com tanto desperdício de sangue, que chegou um instante em que só se via correr  mesmo sangue em lugar de água.
   
Quando ele desfaleceu, então, o Teófilo, com os olhos escancarados e os dentes unidos,  botou-lhe um joelho no peito e enfiou os três dedos maiores de cada mão numa brecha do alto  da cabeça; puxou, que puxou, com quanto tutano tinha; vendo que não arranjava nada, pegou  uma lasca de lenha, para servir de cunha, e rebateu-a com a guaiuvira; depois tirou-a, botou de  novo as mãos na brecha, sacou dos dois lados, e a cabeça partiu-se de meio a meio: escorreu  um chorinho vermelho, de entre os miolos, e o Teófilo agachou-se ainda, chupou-o, pra logo  em  seguida  gargarejá-lo  fora;  meneou  o  corpo  pro  corgo  e  sentou-se  junto  da  sangueira,  falando com um porte de voz que semelhava rugido sobre rugido:
   
− Agora ‘ocê não me judia mais! Agora ‘ocê não me judia mais! Agora ’ocê não me  judia mais!


---
Nota:
Valdomiro Silveira: "Mucufos" (1894-1905). Versão ortográfica do  apógrafo  de  Carmen  Lydia  de Souza  Dias, in: Alexandre de Oliveira Barbosa: "Edição anotada de Mucufos, coletânea de contos inédita de Valdomiro Silveira", da Universidade de São Paulo, 2007   

Nenhum comentário:

Postar um comentário