O SESTRO
Tinha a estranha mania de sempre cheirar a mão quando cumprimentava os outros. Inicialmente esperava a pessoa se afastar e só então saboreava sua peculiar excentricidade. Com o tempo, porém, a prática tornou-se irresistível e passou a executá-la às escâncaras, sem nenhuma cerimônia e bem na frente de quem lhe estendia a mão. A abstinência dos cumprimentos tácteis era para ele um verdadeiro suplício, e de tal modo o atormentava que não se constrangia em apertar a mão de estranhos como se os conhecessem, e muitas vezes fora por isso chamado de louco.
Se o
hábito em si já causava estranheza e repulsa entre as gentes, acrescente-se a
isso o fato de se tratar de uma pessoa de renomado prestígio intelectual,
formado em Psicologia pela Universidade de São Paulo, com doutoramento em
Psicologia Social pela Universidad Nacional de Colombia.
Embora se
desconheça absolutamente a motivação psicológica que o arrastou à prática de
tão esquisito sestro, sabe-se que teve início pela primeira vez durante um
pomposo evento, em que esteve presente o Governador do Estado, que o
cumprimentou com um caloroso aperto de mão. Cheirou, gostou e não parou nunca
mais! Tinha então 32 anos de idade.
Obviamente
que um costume assim tão bizarro fez suscitar comentários maldosos e generalizações
infundadas. Há quem dizia, por exemplo, que o cacoete do psicólogo era a prova
cabal de que a Psicologia tinha a mesma utilidade que aparelho para desentortar
bananas. Quanto aos próprios colegas de profissão, esses geralmente preferiam
se calar sobre o assunto, seja por respeito à autoridade do doutor, seja por
simples constrangimento. Alguns, no entanto, para evitar situações de embaraço,
buscavam contornar a situação evitando cumprimentá-lo com aperto de mão,
limitando-se apenas às cortesias verbais.
Aconteceu
que um dia, tendo ele almoçado, dirigiu-se ao seu consultório, onde o aguardava
um novo paciente, um homem magro e ruivo, elegantemente vestido e aparentando
50 anos de idade ou um pouco mais que isso. Este assim que o viu apertou-lhe
calorosamente a mão, levando-a imediatamente ao nariz e cheirando-a com tão
grande entusiasmo que de pronto chamou atenção do Psicólogo, o qual, por alguns
instantes, até se esquecera do seu próprio vício olfativo. Seguiu-se uma pausa
de alguns segundos, quando o paciente estendeu-lhe novamente a mão, e, enquanto
levava esta em direção ao nariz, disse-lhe um tanto sem jeito:
- Então,
doutor, esse é o meu problema!
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São Paulo, 2016
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