O ÔNIBUS
Entrou no ônibus pensando na vida. Sentou-se no último banco vazio, onde permaneceu introspectivo e imergido em si mesmo, como se quisesse desvendar sua alma submersa em desespero. Não reparou sequer nas curvas insinuantes de uma aprazível morena que estacionou bem à sua frente e que ria às golfadas ao celular.
Um
sentimento de culpa domina-lhe a mente. Queria voltar atrás para fazer tudo
diferente. Se pudesse regredir no tempo, certamente não incorreria naquele
mesmo erro.
Por que a
vida era assim tão injusta consigo? Tanta gente ruim e de má índole que vivia
fartamente e sem grandes dificuldades, algumas até felizes e esbanjando saúde!
E ele chafurdado na lama, sem sossego, sem paz de espírito, desenganado da vida
e de tudo.
Por
alguns instantes ficou sem pensar em nada, absorto. Fechou os olhos e tentou,
em vão, toscanejar um cochilo leve. Logo, porém, sua mente despertou tomada por
um turbilhão de pensamentos desconexos, e caiu em si que não podia fingir nem
fugir à sua realidade.
De
repente, começou a pensar na vida que poderia ter sido, e sentiu uma intensa
vontade de lutar e vencer, uma força estranha que se imergia de dentro de si
sem qualquer razão. Talvez ainda houvesse esperança. Não conseguia, porém,
conceber mentalmente uma maneira que se lhe fizesse libertar daqueles grilhões.
Tinha as chaves, mas não via porta alguma para abrir. Neste momento, quem o
olhasse com algum interesse ou compaixão, talvez notasse um vestígio de lágrima
a formar em suas retinas cintilantes.
Sentiu
então uma inexplicável vontade de conversar sobre qualquer assunto. Queria ter
alguém próximo, o pai, um irmão, amigos, enfim, uma pessoa que o compreendesse
e com quem pudesse desagasalhar o espírito e abrir o coração, mas era como se
estivesse num ermo deserto, sozinho e desamparado.
Enquanto
isso, o ônibus percorre o itinerário que se lhe incumbe fazer, parando ali para
descida de uns, detendo-se acolá para subida de outros. Em seu interior vozes
animadas mesclam-se com silêncios mórbidos e sufocados, como se no mesmo
ambiente se dançasse uma valsa e se chorasse um defunto. E ele, alheio a tudo
aquilo, voltava sua mente ao passado, e culpava-se; deslocava-a para o futuro,
e se redimia na esperança. E assim tão distraído da realidade externa e de
todos, não se deu conta de onde estava. Foi quando percebeu que havia passado
do ponto em que deveria desembarcar. Levantou-se num salto e acionou
apressadamente a campainha. Desceu e seguiu a passos largos pela Rua da
Consolação...
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São Paulo, 2016
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