A META
Desde que assumiu a chefia da Seção, passou a se conduzir de maneira estranha com os colegas, esquivando-se deles como se evitasse alguma situação constrangedora ou como se lhes devesse dinheiro. O mesmo se deu em casa, em relação à esposa e aos filhos, com os quais passou a agir sem a aquela amabilidade costumeira, tratando-os agora com rudeza e indiferença.
Na
empresa comentava-se que o poder havia lhe subido para a cabeça e que por isso
andava assim com ares de gente importante, com o nariz empinado e cheio de si.
Em casa, tinha-se por conta que tudo aquilo era consequência da sobrecarga de
serviço, o estresse, diziam. O homem, porém, não parecia se incomodar com as opiniões
alheias, inclusive aquelas oriundas do seu próprio círculo familiar.
À medida
que os dias iam passando, ele parecia adquirir a personalidade e os modos de
uma outra pessoa, de maneira que, se comparado ao que sempre fora, tornava-se
quase irreconhecível, inclusive na forma de se vestir, no jeito de pentear os
cabelos, entre outros detalhes relacionados a sua vaidade pessoal.
As coisas
iam assim até que a mulher, tomada de uma angústia reprimida e abrasadora,
desabou diante dele em prantos, implorando-lhe para que fosse embora, pois não
suportava mais tanta indiferença e desprezo.
Sem nada
dizer e sem nada levar, retirou-se ele sob os olhares atônitos dos filhos, os
quais permaneciam o tempo todo em silêncio e imersos entre lágrimas, hesitação e perplexidade.
Na
empresa, isolou-se ele ainda mais dos antigos colegas, com os quais mantinha
outrora estreita relação de camaradagem. Reservava agora sua atenção apenas aos
seus superiores, tratando-os com lisonjeira amabilidade, enquanto excedia em
rigidez com os subordinados, exigindo-lhes com extremada obsessão o fiel
cumprimento de todas as metas estabelecidas.
Em todo
esse tempo permaneceu morando sozinho num apartamento que alugara próximo à
empresa em que trabalhava. Tal medida era parte do seu esforço para atingir uma
meta: alcançar o topo máximo em sua carreira profissional. O que equivale dizer
que não estava satisfeito com o cargo de chefia. Queria mais. Desejava alçar
voos mais altos.
Pode-se
concluir, portanto, que toda a metamorfose porque passou, incluindo o abandono
do lar e da família parecia explicar-se assim pelo seu obstinado desejo de ser
e poder. Nada mais lhe importava: nem a mulher, nem os filhos, ninguém.
Um dia,
de manhã, era sexta-feira, estava ele redigindo um relatório, quando foi
procurado por uma de suas cunhadas, a qual lhe anunciou, chorando, que seu
filho mais novo havia sido internado em consequência de uma pneumonia, e que
seu estado de saúde era considerado gravíssimo.
- É o que
disseram os médicos, concluiu a mulher entregando-lhe um papel contendo o
endereço do hospital e o horário para visitas.
Deliberou
ver o menino ainda naquele dia.
Não foi.
Fora
convocado a comparecer naquela mesma tarde a uma reunião da qual participaria o
Presidente da companhia. Ficou visivelmente eufórico. Havia uma vaga em aberto
para Diretor do Departamento Financeiro e tudo indicava que a conferência seria
para anunciar o bem-aventurado felizardo. Enfim seria reconhecido por sua
dedicação, pensou, já antevendo os cumprimentos do Presidente, e já saboreando
o tão esperado “Parabéns!!! Você acaba de ser promovido”.
A sala
estava repleta. Toda a Diretoria fora convidada a participar do evento. Além do
Presidente, estavam ali o Conselho Administrativo e outras lideranças de
destaque na sociedade.
A reunião
foi breve. Brevíssima. Sem rodeios, o Presidente anunciou-lhe como o novo
Diretor do Departamento Financeiro. Parabenizou-o em seguida com um sorriso e
um abraço. A sala rompeu entre os aplausos de uns, as imprecações de outros e a
despeita de todos. Seu rosto parecia refletir as luzes da Ribalta. Sentia como
se estivesse alcançado a suprema glória. Atingiu, por fim, seu objetivo.
Enquanto isso, o destino girava sua roda sem dó ou piedade. Neste mesmo
instante, lá no hospital, o filho moribundo agonizava nos braços da mãe entre
gemidos e lágrimas. Suas últimas palavras antes de morrer foram: “Cadê o papai,
mamãe?”
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São Paulo, 2016
São Paulo, 2016
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