quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Iba Mendes: "A meta"

A META

Desde que assumiu a chefia da Seção, passou a se conduzir de maneira estranha com os colegas, esquivando-se deles como se evitasse alguma situação constrangedora ou como se lhes devesse dinheiro. O mesmo se deu em casa, em relação à esposa e aos filhos, com os quais passou a agir sem a aquela amabilidade costumeira, tratando-os agora com rudeza e indiferença.
Na empresa comentava-se que o poder havia lhe subido para a cabeça e que por isso andava assim com ares de gente importante, com o nariz empinado e cheio de si. Em casa, tinha-se por conta que tudo aquilo era consequência da sobrecarga de serviço, o estresse, diziam. O homem, porém, não parecia se incomodar com as opiniões alheias, inclusive aquelas oriundas do seu próprio círculo familiar.
À medida que os dias iam passando, ele parecia adquirir a personalidade e os modos de uma outra pessoa, de maneira que, se comparado ao que sempre fora, tornava-se quase irreconhecível, inclusive na forma de se vestir, no jeito de pentear os cabelos, entre outros detalhes relacionados a sua vaidade pessoal.
As coisas iam assim até que a mulher, tomada de uma angústia reprimida e abrasadora, desabou diante dele em prantos, implorando-lhe para que fosse embora, pois não suportava mais tanta indiferença e desprezo.
Sem nada dizer e sem nada levar, retirou-se ele sob os olhares atônitos dos filhos, os quais permaneciam o tempo todo em silêncio e imersos entre lágrimas,  hesitação e perplexidade.
Na empresa, isolou-se ele ainda mais dos antigos colegas, com os quais mantinha outrora estreita relação de camaradagem. Reservava agora sua atenção apenas aos seus superiores, tratando-os com lisonjeira amabilidade, enquanto excedia em rigidez com os subordinados, exigindo-lhes com extremada obsessão o fiel cumprimento de todas as metas estabelecidas.
Em todo esse tempo permaneceu morando sozinho num apartamento que alugara próximo à empresa em que trabalhava. Tal medida era parte do seu esforço para atingir uma meta: alcançar o topo máximo em sua carreira profissional. O que equivale dizer que não estava satisfeito com o cargo de chefia. Queria mais. Desejava alçar voos mais altos.
Pode-se concluir, portanto, que toda a metamorfose porque passou, incluindo o abandono do lar e da família parecia explicar-se assim pelo seu obstinado desejo de ser e poder. Nada mais lhe importava: nem a mulher, nem os filhos, ninguém.
Um dia, de manhã, era sexta-feira, estava ele redigindo um relatório, quando foi procurado por uma de suas cunhadas, a qual lhe anunciou, chorando, que seu filho mais novo havia sido internado em consequência de uma pneumonia, e que seu estado de saúde era considerado gravíssimo.
- É o que disseram os médicos, concluiu a mulher entregando-lhe um papel contendo o endereço do hospital e o horário para visitas.
Deliberou ver o menino ainda naquele dia.
Não foi.
Fora convocado a comparecer naquela mesma tarde a uma reunião da qual participaria o Presidente da companhia. Ficou visivelmente eufórico. Havia uma vaga em aberto para Diretor do Departamento Financeiro e tudo indicava que a conferência seria para anunciar o bem-aventurado felizardo. Enfim seria reconhecido por sua dedicação, pensou, já antevendo os cumprimentos do Presidente, e já saboreando o tão esperado “Parabéns!!! Você acaba de ser promovido”.
A sala estava repleta. Toda a Diretoria fora convidada a participar do evento. Além do Presidente, estavam ali o Conselho Administrativo e outras lideranças de destaque na sociedade.
A reunião foi breve. Brevíssima. Sem rodeios, o Presidente anunciou-lhe como o novo Diretor do Departamento Financeiro. Parabenizou-o em seguida com um sorriso e um abraço. A sala rompeu entre os aplausos de uns, as imprecações de outros e a despeita de todos. Seu rosto parecia refletir as luzes da Ribalta. Sentia como se estivesse alcançado a suprema glória. Atingiu, por fim, seu objetivo. Enquanto isso, o destino girava sua roda sem dó ou piedade. Neste mesmo instante, lá no hospital, o filho moribundo agonizava nos braços da mãe entre gemidos e lágrimas. Suas últimas palavras antes de morrer foram: “Cadê o papai, mamãe?”

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São Paulo, 2016

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