quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Vera Hüsemann: "5 Poemas"

TRAJETÓRIA

Ginástica sueca
aeróbica também
movimentos de qualquer época.
O mesmo vai-e-vem:
endireitar o corpo
levantar a cabeça
deixar cair as mãos.
Pés lado a lado
como se preparados
para o primeiro passo.

Ai! que cansaço!
Tanto esforço
para um dia dizer
“eu ainda posso”.
Na mesmice dos movimentos
alcanço o chão
estendo o braço
estiro a mão
uma para o céu
outra para baixo.
Infinita distância
para o pouco que faço.

Ai! que cansaço!
Em gestos lassos
o movimento expõe
sua interrogação.
Quando acabar
terá parado o coração?
A dor e o amor
que caminho seguirão?

Não quero saber o que sei.
Agora os gestos existem.
Um dia me tornarei
incapaz de um passo.
Estática.
Apenas uma mulher
volatizada no espaço,
deslizando
numa nuvem qualquer.



CONTRADIÇÃO

O coração cansado
torna menores os meus passos.
Mas desatrelada de limites
sou mulher de longos braços;
valente e destemida
hei de prolongar a vida
no surpreendente dia-a-dia
de um tempo indeterminado.
No âmago de cada instante
hei de reter a vibração contida
e os cantares de um novo amor.
Sou uma aventureira
insisto em prosseguir viagem
no trote dos animais jovens
sem paradas até o sol se pôr.

Mas como chegar mais além
se meu coração pede descanso?
Se mal consegue sustentar
a pequena respiração
curta e breve
como o perdido instante?
Se sua batida hesitante
é apenas um vai-e-vem
cerceando os movimentos
na timidez do seu balanço?
  


DIZERES DA INUTILIDADE

De que valho eu agora
na tua frente parada
sorrindo na minha hora
como se estar aqui fosse nada?
Não adianta mostrar o coração
repetindo a mesma batida
para fazer de conta que é vida
o ritmo repetido em vão.

De que valem minhas mãos
se não podem te fazer carinhos?
Não adianta abrirem-se flores
na beira dos caminhos
para fenecer em solidão.

De que valem minhas palavras
se não chegam aos teus ouvidos?
Não adianta ao pássaro ter asas
para alçar vôos perdidos.

De que valem meus olhos
se não sabem te dizer
o sentimento mais profundo?
Não adianta mergulhar fundo
para ferir-se entre abrolhos
e cegar-se no mundo.



DIZERES DO DESEJO

Quero um novo amor
Ainda que tardio.
Quero estar contida
no círculo de dois braços,
meu coração clamando por outro.
Presa e liberta das voltas do mundo,
das antigas lágrimas esquecida,
distante dos meus cansaços,
quero viver o momento fugidio
o breve instante
a plenitude atingida.
Quero o calor dos gestos
num hausto profundo
de retorno à vida.


 DIZERES ERÓTICOS

Quero te fazer o carinho maior
e também o menor,
o carinho mais desejado
e também o nunca pressentido.
Quero descobrir um gesto inusitado
e no teu corpo inventar
um desenho jamais percorrido.
Minhas mãos serão suaves,
minha face há de roçar
tua fronte e teus pés,
descendo num único movimento
até alcançar o ritmo consentido.
Nesse momento singular,
ligados pela mesma cadência,
numa fração de tempo
chegaremos ao infinito.
Um no outro será o nosso espaço.
Jamais haverá distância
após tão profundo abraço.



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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VII - JULHO-AGOSTO-SETEMBRO 2002 - Ano VIII - N° 32 (Academia Brasileira de Letras)

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