quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Dom Francisco de Aquino Correia: "5 Poemas"

VITÓRIA-RÉGIA

Salve, gloriosa flor! tu, cujo nome encerra
A vitória e a realeza! alma flor, que o pistilo
Ergues, enorme, ao sol! flor deste mar tranqüilo,
Ó flor dos pantanais da minha verde terra!

Tu me lembras o loto azul, que além descerra
Sua hierática flor, sobre as águas do Nilo,
Flor que reflete os céus no cálice, a tingi-lo,
Flor de mistério e luz, flor que as trevas desterra.

E ao contemplar-te assim, ó ninféia robusta,
Eu sonho ver um dia, em porvir cor-de-rosa,
Tão grande como tu, tão soberana e augusta,

Toda de fé e ideais a fronte constelada,
Triunfar das nações na flora luminosa,
Vitória-régia em flor, a minha Pátria amada!

  

CASAS DE TELHA 

Aqui foi o arraial: eis o aterrado,
E ali o antigo bananal bem perto;
Pires de Campos, Dom Rodrigo e, certo,
Muitas bandeiras aqui têm parado.

Mas hoje, em roda, alarga-se o deserto;
E, se interrogo os ecos do passado,
Só escuto além, no Pantanal pasmado,
De brutas aves o grasnido incerto.

Entanto, eu vou sonhando a história linda
Dos índios bravos, das monções em bando,
De tantas gerações no olvido absortas...

E quem me dera aqui te ver ainda,
Velha Casa de Telha, dominando
O velho sambaqui das tribos mortas!


  
RIO ARAGUAIA

Rio que rolas majestosamente,
Sobre diamantes, na itaipava hirsuta!
Não mais te abala, na selvagem luta,
Do bravo Ubirajara o grito horrente!

Não mais, à flor da lânguida corrente,
Por onde o boto espalma a cauda bruta,
Não mais o silvo do vapor se escuta,
Ondeando, além, na praia alvinitente!

Não mais! Não mais! Silêncio... a tarde finda,
E as onda beijam os destroços vagos
De velhas naus, numa elegia infinda...

Mas do teu fado nos castelos magos,
A Glória dorme, com dorme ainda
A pérola na concha dos teus lagos!



CORUMBÁ

Qual outrora, ao mirífico arrepio
Da onda azul do mar Jonio, a deusa Venus,
Assim nasceste, sob os céus serenos,
À flor do lindo pantanal bravio.

Tão bela é tu, que o teu selvagem rio,
Ao morder estes céspedes amenos,
Dá longas voltas por que possa, ao menos,
Contemplar teu mimoso casario.

E uma vez ele viu (hórrido agouro!)
Ai! Viu-te, como Andrômeda no oceano,
Amarrada a este escolho negro e duro.

Mas tu, calçando-te os talares de ouro
De Mercúrio, largaste o vôo ufano,
Para este azul glorioso do futuro!



AS LAVRAS DO SUTIL

Antemanhã, quando no céu de leste,
Mal se esgarçava em luz a noite mansa,
Miguel Sutil de Sorocaba avança,
Rumo ao mistério do sertão agreste.

Estrada longa e atroz! Mas ele a investe,
Com redobrado heroísmo, e não se cansa.
Vão-lhe à frente dois índios, e a Esperança
Visões de ouro não há, que não lhe empreste.

E  ei-los que chegam a estes sítios belos,
Onde o outro excede todos os castelos,
Do sonho audaz do bandeirante. Lá,

Ao longe, em praias verdes e desertas,
Faiscava o rio...  Estavam descobertas
As minas imortais do Cuiabá.



 
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Fonte:
Revista da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras: nº 7 - março de 2005

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