AS ESTÁTUAS
Dentro da noite
morta, sonham as estátuas...
Espada em punho,
montado no cavalo de bronze,
Recorda um general
o campo de batalha:
Tarde rica de sol,
num céu sem nuvens...
E, na moldura de
oiro dessa tarde,
O quadro em sangue
vivo do combate:
Irrompem no ar os
toques de cornetas,
Gritos de
homens... relinchos de cavalos.
Rolam carretas
sobre o chão varrido
Pelo granizo em
fogo da metralha.
E em toda parte
cruzam, coruscantes,
Entre os trovões
da artilharia grossa,
Os relâmpagos de
aço das espadas.
Mas, por fim,
A fuga e o
desbarato do inimigo!
E o momento de
glória
Do Pavilhão da
Pátria desfraldado,
Em sinal de
Vitória!
Que dia! E que
momento!
Era o seu nome que
vencia o Tempo!
Era o seu vulto
que invadia a História
E ia ficar,
eterno, numa estátua,
Vencendo a própria
Morte,
Qual vencera o
inimigo!
Em outro pedestal,
num jardim sossegado,
Sonha a estátua de
um poeta, em recanto florido.
Tênue raio de
luar, filtrado na folhagem,
Improvisa-lhe à
fronte um diadema de prata.
Lembra os versos
que fez... Idéia e sentimento!
A frase musical,
de um colorido novo,
Fulgurando em
clarões de beleza emotiva.
E pensar ouvir
ainda,
Num milagre de
enlevo,
O último canto de
amor, que escreveu em soluços,
Repetido em
murmúrio
Pela brisa que
passa entre as cordas retesas
Da sua lira de
bronze...
Em frente a um
casarão: – templo de ciência e estudo,
Soturno de feição,
antiquado nas linhas,
Num pedaço de
terra arenosa e sem flores,
Vê-se a herma de
um sábio.
Tudo nele traduz
vida de pensamento:
Fronte enrugada,
rosto grave, ar concentrado,
Como quem ainda
está sangrando a Inteligência
Em busca da
Verdade!
Dentro da noite
morta, sonham as estátuas...
No silêncio
contrito um murmúrio perpassa.
Não é asa do vento
ou marulho das ondas...
Nem balouço de
ramo, nem queda de folha...
É qualquer coisa
que lembra
À alma do poeta em
êxtase
Uma prece da
Pátria agradecida,
Enquanto a noite
acende nas Alturas,
Como um culto aos
heróis,
As lâmpadas
votivas das estrelas...
O MENSAGEIRO DE FLORES
Com uma cesta de
flores sobre os ombros,
Lá ia o homem
pobre pela rua:
uma festa de cores
tropicais
em oferenda ao sol
do meio-dia!
Seu destino
lembrava o dos poetas:
ser portador de
uma riqueza efêmera.
Porque a vida de
glória das imagens
tem a beleza e a
duração das flores.
E no próprio labor
do seu ofício
havia ainda o encanto
da poesia,
pois ele, muita
vez, sem que o soubesse,
como improvisador
de primaveras,
engrinaldou de
rosas as “Madonas”;
pôs toalhas de
perfume nos altares;
abriu recantos de
jardins, à luz
de lampadários em
salões festivos;
incendiou os bojos
de cristal
com a flama
vegetal das parasitas...
e coloriu o
mármore das lápides
como um voto de
saudade sobre túmulos...
Mas, de repente,
um vendaval irrompe.
E entre nuvens de
pó
E a dança exótica
das folhas
à música bárbara
do vento,
o homem pobre que
levava as flores
vê, com os olhos
de espanto e de tristeza,
seu pequeno jardim
suspenso
desfeito pela
fúria do tufão.
Rolam nos ares
pétalas de rosas.
Parte-se a urna de
prata das angélicas
e a estrela
vegetal dos lírios brancos...
e se ensangüenta o
espaço, a cada instante,
com os cálices de
são Graal dos cravos rubros.
Ante o quadro
vandálico e aflitivo,
num instintivo
gesto de defesa,
cerrei os braços
sobre o próprio peito
como quem protegia
alguma coisa...
É que o tufão
lembrava a hora presente,
destruidora de
vidas e de almas,
hora que enche de
sombras o destino
da
espiritualidade... e da beleza.
E eu tinha, dentro
em mim, no coração,
uma roseira do
Éden florescendo
nas madrugadas de
ouro da Poesia!
Lírios do vale
sobre o altar do Sonho...
violetas humildes
de Ilusão...
cravos vermelhos,
cujos cálices ardiam
cheios do sangue
quente da Paixão!
VENDEDORA DE BILHETES DE LOTERIA
Aquela mulher, de
olhos tristonhos,
Que vende sortes
de loteria,
Fala em riqueza,
promete sonhos,
Com o “prêmio
grande”, que tem na mão...
E assim (contraste
feito ironia!)
Numa indigência,
que mal encobre,
Fala em riqueza
quem é tão pobre!
Promete oiro quem
não tem pão!
De rua em rua, na
amarga luta,
Com o olhar
sumido, que o pranto molha
E a voz tão baixa,
como uma prece...
Passa um
banqueiro, que não a olha;
Passa um soldado,
que a não escuta;
Passa um poeta,
que ela entristece.
Se a chuva cai,
não lhe importa a roupa,
Que até se lava
com a chuva forte.
Só os bilhetes é
que ela poupa!
Nem a doença lhe
dá cuidados,
Pois a pobreza não
teme a morte...
A noite chega. E
ela, vencida,
Do ingrato ofício
na luta em vão,
Retorna à casa,
desiludida,
Depois de haver,
por um dia inteiro,
Vendido aos outros
tanta ilusão!
A ILUSÃO DO ESCRAVO
Homem, que odeias
todas as grilhetas,
Onde existe,
escondida, a liberdade?
Vê que o sol, as
estrelas, os planetas,
malgrado a sua
vida de esplendores
e a amplitude
infinita do Universo,
têm o próprio
destino acorrentado
a um círculo fatal
de leis eternas...
E tu queres ser
livre!
Vê o mar, com a
força indômita das águas,
Arremessado no
fragor das ondas
De encontro à
indiferença dos rochedos,
Espumando de
raiva, aprisionado
No limite de
cárcere das praias...
E tu queres ser
livre!
Olha a Terra em
que vives orgulhoso
condenada a
perpétuo movimento,
açoitada por
múltiplos flagelos,
impotente ao furor
das tempestades,
rolando as grossas
lágrimas dos rios
pelo rosto de
pedra das cascatas...
com as árvores
erguendo para o céu
braços verdes,
chamando liberdade,
e eternamente
presas, como escravas,
às algemas ocultas
das raízes!
E tu queres ser
livre!
O mundo toma o
aspecto que lhe emprestas:
A vida te aparece
boa ou má
conforme a mutação
do estado d’alma.
Nada existe sem
causa ou sem origem...
Tua própria
vontade só se exerce
Em razão dos
motivos que a dirigem...
E tu pensas ser
livre!
Homem! Atenta,
enfim, nesta verdade:
serás sempre um
vencido das paixões
que abrirão asas
para erguer-te à glória
ou cerrarão teus
punhos revoltados,
em arremesso de
vingança e crime!
O Ódio te cega! O
Amor te exalta! A morte te acobarda!
E tu pensas ser
livre! E tu pensas ser livre!
TEMPORAL
Um rumor de
trovões o espaço todo invade.
A látegos de fogo,
o raio os céus recorta.
Chuva forte: – em
caudal. Infinda escuridade.
E o vento, como um
cão, uiva, de porta em porta.
No vale, nas
rechãs, no campo, na cidade,
O vendaval, em
fúria, as árvores entorta;
E no mar,
aumentando o horror da tempestade,
A água cresce, a rugir,
dentro da noite morta!
Oh! a dor da
floresta, em contorções hediondas!
E a pobreza sem
teto e o tormento dos ninhos!
E o destino das
naus, cambaleando nas ondas!
E o naufrágio!...
E o terror!... E o desespero forte!
E a desconsolação
dos que vivem sozinhos,
Para o tédio... a
amargura... o desânimo... a morte!
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Fonte:
Revista da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras: nº 7 - março de 2005
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