VESTIDO DE NÓS
O teu corpo é o
paraíso onde,
é certo, passarei
meus dias
e o princípio das
noites,
o prenúncio das
madrugadas.
Lutam em meu corpo
o desejo de tocar-te
e a prudência
de evitar-te toda.
O amor procura
mudar-se em carinhos,
a razão pondera o
perigo
de não pararmos na
devida hora,
nos devidos
limites tão tênues
de teu corpo tão
lindo.
Nele morarei meus
sonhos,
completarei a
palma de minhas mãos.
No teu corpo,
descansarei,
no vale de teus
seios.
Um dia findará o
mundo,
sendo só possível
tua presença,
o contato
completo, obrigatório,
como teu carinho,
que retorna tão
límpido
e claro em teus
gestos.
E um dia,
eu, que tanto te
desejo,
terei certeza de
que és a última,
e nos vestiremos
do manto da nudez,
que encobrirá
nossos corpos.
Enfim, nos
conheceremos no todo,
e morrerão todos
os desejos,
que nascerão de
novo,
em nossos corpos
de fogo,
imantados de
nossos seres,
feitos um para o
outro.
NENHUMA MULHER
Nenhuma mulher diz
não.
Se, eventualmente
o fizer,
terá querido dizer
“ainda não”,
ou, se o
açodamento tiver sido tanto,
terá dito que
ainda não era a hora.
Mulheres são como
plantas,
que não florescem
num instante,
que necessitam de
plantio, de rega,
de vento, de luz,
de pólen,
e, mais que tudo,
de tempo.
Demoram para
florir,
e, quando suas
pétalas caem
(como, na verdade,
as fazem cair as tormentas,
ou, se são tão
suaves, um forte vento),
há que se cuidar,
regar,
há que se renovar
o cultivo, e o tempo,
para outra vez
fazer florir.
PREÇO DE MULHER
Mulher, eu nunca
entendi teu preço,
eu nunca compreendi
teu jeito.
Tantas me deram
coisas por coisas em troca,
mas sempre me
deste coisas por nada.
Tantas me deram
carinho por carinho,
afeto por afeto,
outras, piores,
afeto por poder,
afeto por
dinheiro.
Mas tu me tens
dado tudo tão barato,
que não te
compreendo o preço.
Mulher, tantas
negociam tanto,
aliás, todas negociam
este trato,
exigem fidelidade,
atenção, cessões mútuas,
Mas tu, mulher,
tens me dado tudo de graça.
Não fazes
exigências, não cobras nada,
te contentas com
tão pouco.
Um pouco de
atenção, umas poucas palavras,
te contentas com
tão pouco que
por vezes duvido
de tua santidade.
E mais, sacrificas
tudo.
Outras negam um
prato quente, uma bainha,
todas têm mil
exigências,
mas tu,
generosamente, apenas queres minha presença,
e sequer ao teu
lado.
Parece que te
contentas com minha existência,
com o fato de eu
estar vivo e bem, obrigado.
E é este teu preço
tão barato que não me convence,
que não se
explica,
eu não entender
este teu preço, mãe,
justamente tu, que
és tão cara,
e eu barato, e
fazes tudo por nada.
VELÓRIO
A rotina de
sempre.
As pessoas, passo
a passo,
lágrimas presas no
canto
dos olhos.
As roupas escuras,
comentários
rápidos.
A barca sai em
cinco minutos.
As faces jocosas,
rindo não sei de
quê,
e as faces
melancólicas
vendo o morto
dentro de si.
Vejo todo dia,
como numa procissão,
a ida da vida e da
morte
no velório dos
homens vivos.
DESPEDIDA
Desculpe, eu
queria ficar aqui,
mas eu só tenho
esta vida,
não dá para gastar
todo esse tempo
nesse único local,
nesse até mesmo
seguro abrigo.
Eu preciso
caminhar mais um pouco,
me assustar, me
aborrecer,
mas sorrir diante
de uma nova face,
de uma nova
estrada, de um novo lugar
Talvez só para
sentir algo novo
e tentar, mais uma
vez,
escrever uma
poesia.
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Fonte:
Academia Niteroiense de Letras
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