segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Virgílio Várzea: "5 Poemas"

TRAÇOS AZUIS
A A...

Escuto-te essa voz esplêndida, sonora;
E sonho o meu viver tranquilo, radiante,
Quando sinto-te, filha, a cabecinha loira
Tombada no meu peito, alegre e palpitante.

Beijo-te mansamente os lábios cor de aurora,
Inundado de um júbilo heroico e triunfante;
E penso que nós vamos pela existência afora,
Como quem leva a alma aberta e cintilante.

Vejo no teu olhar aquela mansidão,
Suave e luminosa, de um grande coração,
Há transbordar de afagos, de festas e candura,

E creio que tu és a flor resplandecente,
Que sobre mim entorna um fluido rescendente,
Uns beijos, a tua alma, ó doce criatura!



AS FARINHADAS
À minha prima e poetisa Belarmina E. da Silva

Num esteio pendurado
O candeeiro ferrenho,
Derrama por todo engenho.

Toda a família abaixada
A mandioca raspando,
No coxo a vai atirando
Para ser depois ralada.

O boi puxando forçoso
A almanjarra pesada
Tem o andar vagaroso

E o escrevo cantando
Vai a farinha torrada
Ligeiramente tirando.



INDÚSTRIA
A Rodrigues Braga

O dia vem surgindo, o dia esplendoroso!
A aurora traz-me um beijo enorme, luminoso,
E faz que a flor estenda as pétalas azuis
Aos vagalhões de ouro de uma explosão de luz!
O coração palpita e sente um mago eflúvio
Que inunda todo peito assim como num dilúvio.
A grande mãe de tudo, a vasta natureza
Sente a latejação das formas da beleza.
O colibri dourado a namorar a flor
Murmura-lhe ao ouvido uns cânticos de amor.
O dia é uma alegria heroica, colossal!
Dele é que emana o bem, da noite emana o mal.

Eu vi, perto do templo atlético do Progresso,
A trabalhar sozinho, febril como um possesso,
Um homem majestoso, enérgico, viril,
Um rosto divinal como um riso de Abril,
Que resistia ao sono, à força do cansaço
Como resiste à bala uma muralha de aço.
Era um lidar sem fim, era um lidar bem nobre,
E não se lhe importava que acabasse pobre
Com tanto que chegasse, um dia, a concluir
Esse gigante férreo que faz a gente ir,
Em menos de uma hora, de Cádiz a Leão
Com a rapidez do raio rolando na amplidão.
E vinte cinco anos lutando sem cessar.

Esse homem que tem os músculos do mar,
Os nervos de Vanin, a força do querer,
Bradou: — Embora lute, do nada eu hei de erguer
Este colosso ingente e forte como um muro.

Pra isso sacrifício até o meu futuro.
...........................................

Fiquei a olhai-o calmo e mudo como a fraga...
E perguntei-lhe o nome:

— Eu sou Rodrigues Braga.

Aquele que lutou por este dogma novo.
— Abrir um horizonte de luz a este povo.

A marcha do Progresso é a senda das auroras.

Quando se ouvir o som, as vozes rugidoras,
Da máquina que encurta a grande imensidade
Que tem a rapidez da eletricidade
E que dá seiva aos órgãos das nações
Na força gigantesca dos membros de leões...
Quando chegar-se a ver as formas monstruosas
Enormemente grandes, ciclópicas, caprichosas
Do Adamastor altivo e forte e vigoroso,
Que nunca tem descanso e nunca tem repouso
Que anda em uns labores ativos, colossais
Que fazem-nos lembrar os crânios geniais,
Que encaminha a marcha para as regiões de além
Sem demorar-se nunca, sem escutar ninguém
Quando sentir-se a orquestra, as mágicas surgem.
Que saem bem do peito das vastas oficinas
Envoltas simplesmente nessas cintilações
Que partem dos brasidos, dos rúbidos carvões,
Que fazem do Escuro um grande mar de luz
Divino como o rosto esplêndido de Jesus...
Então, havemos nós, num êxtase triunfante,
Por entre sensações, alegremente a rir,
Ao fogo que rebrilha gritar: — Avante! Avante!
Que se escancaram as portas vermelhas do Porvir.



TONS AURORAIS
À encantadora menina Julieta de Lima Ferreira

Quando te vejo, criança,
Vermelha como o arrebol,
De olhos cor de esperança,
Cabelos da cor do sol!

Brincando alegre, risonha
Com bonequinhas mimosas,
Como quem, dormindo, sonha
Com coisas fantasiosas!...

Eu penso profundamente
Nessa quadra de magia
Em que tu, lírio ridente!

Colhes mil beijos suaves
Como a celeste harmonia
Do canto imenso das aves.



ATRAVÉS DO PASSADO
A Arão Ramos

Amigo! Quando lanço a vista penetrante
Por entre as nuvens róseas de uma era esvaecida,
E sinto uma saudade heroica, indefinida
Bater-me o coração — o órgão galopante...

Amigo! Quando à mente as rúbidas lembranças
Me vêm, patenteando aqueles belos dias
Que a gente tem o seio arfando de esperanças
Transpondo os penetrais das mansas alegrias...

Amigo! Quando lembro-me das infantis quimeras
Que no passar roçavam o lago azul das cismas
Em busca de ideais e frescas primaveras...

Sinto dentro do peito um brando misticismo,
Uns saltos vigorosos, soturnos, de aneurismas,

Uma tristeza doce, um são melancolismo!

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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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