segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Leonor Posada: "5 Poemas"

AO SONO

Ó sono, vem me ungir a pálpebra dormente!
Dá-me tua caricia
pois quero repousar;
envolve o corpo meu no teu manto esplendente
e deixa-me sonhar...

Deixa a minh'alma voar feliz, embevecida,
onde a ventura habita,
onde o desejo é rei...
Sonhando esquecerei as agruras da vida
e, feliz, gozarei...
Assim: turva-me o olhar nessa meiguice infinda,
nessa blandície langue
de intima sensação;
Perfuma-me a tua asa, a proteger-me, linda,
na paz do coração.

A morna maciez que deixa o teu contacto
dá-me suave abandono...
Sono!
os teus pâmpanos abre e eu sinta o meigo tacto
de mão amiga e amada
que, docemente venha, em gesto carinhoso,
as faces me roçar...
Sono! o brando torpor que ao corpo dás, baixando,
traz-me a ilusão feliz de beijos que, cantando,
vem meus lábios buscar...



EM FEBRE

O meu delírio começa:
no colo a tua cabeça,
meu olhar em teu olhar...
"Meus dedos”, de vez em quando,
em teus cabelos passando,
buscam neles se aninhar...

E inda mais a febre aumenta,
e a ti, que um sono acalenta,
chega-te doce sonhar.
Ergo-te ás mãos a cabeça,
o meu delírio começa
e me ponho a te beijar...

Beijo-te os olhos e, louca,
beijo também tua boca,
sem sossego, sem parar;
mais tua boca me tenta,
inda mais a lebre aumenta;
— meu delírio vai passar...

Acordo. As mãos tenho-as frias,
dos teus cabelos vazias,
sonambúlicas pelo ar...
Beijei-te sonhando, louca!
— Ha saudade em minha boca...
Ha sombras em meu olhar...
  


SALGUEIRO

Olho-te, morro, apaixonadamente,
docemente,
como quem olha, em noite luminosa,
a cena de Belém.
Em tuas grimpas o sol crava seus raios,
e os desmaios
da tarde, no poente, arroxeada,
são a coros que te sangra a fronte.

Sobem teus flancos
mil caminhos tortuosos, e barrancos
debruçam-se a olhar para a cidade.
Teus casebres misérrimos parecem,
de longe, feios, entre os arvoredos,
um ponto de saudade.

Pela manhã, desce ligeiramente,
a tua gente
em busca do seu pão, do seu trabalho;
ao passo que o malandro, mal dormido,
no chão batido,
inda cheio de sono,
a fome engana batucando um samba…

Olho-te, morro, apaixonadamente,
docemente,
como quem olha, em noite luminosa,
a cena de Belém.
A cidade é berço do Messias,
e para tua gente tem um nome
sem significação:
— Civilização.



TEIA

No aranhol encantado deste afeto
que me encadeia, é em vão que me debato.
Si as forças reduplico — pobre inseto!
nas outras tramas mais me enleio e me ato.

E as energias todas malbarato
ao peso das loucuras que acarreto:
de nada vale o orgulho que recato,
nem tampouco os engenhos que arquiteto.

De nada vale esta altivez crescente,
este assomo de raiva, si, impotente,
eu me desarmo ao teu olhar fatal;

deixo-me presa, exânime, exaurida,
dando-te o sonho azul da minha vida,
não sei si por meu bem, si por meu mal.



CANTO
Ao Pepê.

Canto... o céu curvo acolhe minhas vozes
e dos montes desmancham-se albornozes;

palpita o ninho na ânsia da ave implume,
cora a flor, subtiliza-se o perfume;

brinca o raio do sol pelas estradas
e o sino planeje a voz das madrugadas...

Canto... o mar prende as ondas em conchego
e o espaço é a catedral do meu sossego;

treme no hastil o fruto e o breve inseto
na folhagem se esconde circunspeto ..

E o meu canto de luz e de harmonia
ecos desperta e as feras entibia;

aos montes sobe, o céu alcança, estrelas
toca, no orgulho certo de querê-las;

e abre do Sonho o templo imaginário
com a unção com que abre a porta de um sacrário.

E sobre a natureza palpitante
que me ouve, que me sente, delirante,

perdulária do Azul, o meu tesouro
espalho a rir, como um chuveiro de ouro...


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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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