A CRIOULA
Sou cativa... que
importa? folgando
Hei de o vil
cativeiro levar!...
Hei de sim, que o
feitor tem mui brando
Coração, que se
pode amansar!...
Como é terno o
feitor, quando chama,
À noitinha,
escondido com a rama
No caminho — ó
crioula, vem cá! —
Há nada que pague
o gostinho
De poder-se ao
feitor no caminho,
Faceirando, dizer
— não vou lá —?
Tenho um pente
coberto de lhamas
De ouro fino, que
tal brilho tem,
Que raladas de
inveja as mucamas
Me sobre-olham com
ar de desdém.
Sou da roça; mas,
sou tarefeira.
Roça nova ou feraz
capoeira,
Corte arroz ou
apanhe algodão,
Cá comigo o feitor
não se cansa;
Que o meu cofo não
mente à balança,
Cinco arrobas e a
concha no chão!
Ao tambor, quando
saio da pinha
Das cativas, e
danço gentil,
Sou senhora, sou
alta rainha,
Não cativa, de
escravos a mil!
Com requebros a
todos assombro
Voam lenços,
ocultam-me o ombro
Entre palmas,
aplausos, furor!...
Mas, se alguém
ousa dar-me uma punga,
O feitor de ciúmes
resmunga,
Pega a taça,
desmancha o tambor!
Na quaresma meu
seio é só rendas
Quando vou-me a
fazer confissão;
E o vigário vê
cousas nas fendas,
Que quisera antes
vê-las nas mãos.
Senhor padre, o
feitor me inquieta;
É pecado...? não,
filha, antes peta.
Goza a vida...
esses mimos dos céus
És formosa... e
nos olhos do padre
Eu vi cousa que
temo não quadre
Com o sagrado
ministro de Deus...
Sou formosa... e
meus olhos estrelas
Que transpassam
negrumes do céu
Atrativos e formas
tão belas
Pra que foi que a
natura mais me deu?
E este fogo, que
me arde nas veias
Como o sol nas
ferventes areias,
Por que arde? Quem foi que o ateou?
Apagá-lo vou já —
não sou tola...
E o feitor lá me
chama — ó crioula
E eu respondo-lhe
branda "já vou".
NUM ÁLBUM
A vida é ladeira cansada,
enfadosa,
Que hemos,
gravados co'a cruz, de vingar;
É água barrenta de
fonte lodosa,
Que os duros
cuidados não deixam sentar.
Espelho impanado
co'o bafo da morte,
Que incertas
venturas nos pinta infiel:
Estrela que a
nuvem, correndo do norte,
Aos olhos esconde
do pobre baixel.
É flor melindrosa,
que pouco se inviça,
Nas orlas da campa
ferrando a raiz,
E perde o perfume,
d'espinhos se arriça,
E pende na terra o
já murcho matiz.
E, pois, com o
peso da cruz não verguemos
Na senda difícil
do ásp'ro alcantil;
As águas da vida
ao Senhor presentemos
Bem claras,
coadas, em limpo gomil.
O espelho retrate,
sem manchas noss’alma,
Tão pura, tão bela,
qual Deus no-la deu;
Que a nuvem
desfaz-se, a procela se acalma,
E brilha serena a
estrela no céu.
E, pois, que é
forçoso que a rosa descaia
Do mundo nas
lides, nos seus furacões,
Releva que ao
menos crestada não caia
Do hálito impuro
de torpes paixões!
À MORTE DE UMA MENINA
Rosa, rosa de amor, purpúrea e bela,
Quem entre os goivos te esfolhou da campa.
GARRET.
E toda era viços e
seiva, e perfumes,
E era os amores da
terra e do céu...
Nascera inda ha
pouco da aurora co'os lumes,
E o sol inda
brilha... e já murcha pendeu!
Saudosa murmura
nos vales a brisa
E a noite lacrima
os despojos da flor,
E a lua serena no
espaço desliza
Saudades radiando
o seu baço fulgor.
Porque tantas
galas e a vida despiste
Tão cedo, a
florinha do humano rosal?
Que pôde
esfolhar-te do galho, em que abriste
Teu seio de aromas
— tesouro do vale?
Porque, ó
folhinhas, purpúreas, mimosas,
Nas azas dos ventos,
inconstantes fugis?...
E a rosa, quem deu
que, entre todas as rosas,
Nas orlas da campa
lançasse a raiz?...
Ai! triste!... não
pôde valer-te a beleza
Da cor de cetim.
nem o garbo gentil,
Nem todos os
mimos, nem toda pureza,
Que guardas no
seio, nem graças a mil!...
E toda era viços e seiva e perfumes,
E era os amores da
terra e do céu...
Nascera inda ha
pouco da aurora co'os lumes,
E o sol inda
brilha... e já murcha pendeu!....
Não era da terra a
florinha singela,
Que a terra não
pôde ter flores assim...
Na eterna mansão refloresce
mais bela
Nas trancas
doiradas de algum Querubim.
NO ROÇADO
Raios de fogo
dardejava a prumo
O rei da luz; do
tijupar ao longe
Com a brisa a
pindoba ciciava;
Do algodão os alvíssimos
capuchos
Entre o verde das
folhas refulgindo
Como anel ao redor
se retorciam
De perlas
embutido, e de esmeraldas:
O sabiá plumoso, a
azul pipira,
O rubro tataíra — Orfeu
da mata—
Mudeciam dos
galhos entre as folhas:
À sombra do
pau-d'arco biflorente
Na branca areia a
meiga sururina,
O lúgubre mutum, a
siricora,
E a terna pecuapá
despem a calma
E o silêncio da
mata, a morna brisa,
O garapé vizinho,
que murmura,
Das arvores a
sombra preguiçosa,
Da cigarra a
monótona cantiga
E o fofo leito do
arrelvado solo,
Tem um não sei
quê, tão suave e brando
Que filtra-se nos
membros, quebra as forças,
E nos convida ao
repousar da sesta.
Profundo era o
silêncio. E os machados
Que alternos soam
na derruba ingrata
Do próximo roçado,
descansavam.
Nem da palmeira a
sibilante queda,
Nem do pau-santo
que rechina e treme,
Nem da aroeira que
o machado morde,
O ruidoso cair,
que a terra abala,
O silêncio
quebrava da floresta.
É que do tijupar o
pobre sino
À pura refeição
chama o escravo.
O NATAL
Neste tempo, em
minha terra,
No meu pátrio
Meary,
Reverdece a
erguida serra,
Folga a mata, o
prado ri.
De novas flores se
arreia
O pau-d'arco que
alanceia
Vaidoso as nuvens
do céu:
E o ledo canto que
a brisa
Nos silvedos
improvisa,
Diz que Cristo
hoje nasceu!.
Já o sol a luz
declina
Por detrás da mata
agora,
Já suspira a
sururina,
Canta em coro a
siricora:
Já desce a sombra
do morte,
Já nas orlas do
horizonte
Pálida estrela
reluz:
E ao colo da noite
escura
Branda a tarde se
pendera
Fulgindo com dúbia
luz.
Eis que o
crepúsculo desata
Seu raro manto nos
céus,
Punge a saudade, e
da mata
Erguem-se hosanas
a Deus!
Do rio na borda
falsa,
Na tecida e densa
balsa,
Gêmea terna
pequapá:
E aos carmes que a
brisa tece
Junta o canto, que
entristece.
Magoado o sabiá.
É a saudade um
composto
De encontradas
sensações;
Do crepúsc’lo traz
no rosto
Buriladas as
feições:
Que o crepúsculo e
a saudade
Tem ambos a mesma
idade.
Nasceram de um só
nascer;
Ata aquele o dia á
noite,
A saudade um mesmo
açoite
Faz da dor e do
prazer.
Tudo lá respira
festa
Singelez, ledice,
amor,
A cativa já se
apresta,
Afina a chama o
tambor:
Eis se fecha a
vasta roda,
Já começa, á
pátria moda.
Tosco e bárbaro
folgar:
Tambor soa, a onça
ruge,
Dalém os ecos
estrume
Do negro o rude
cantar.
Co'o tambor a
mente aturdem,
Esquecem que
escravos são;
Que saudades ali
surdem
Do tambor ao
coração!...
Folgam,
míseros!... nos ferros,
No seu ríspido
desterro,
Co'o folgar do seu
país!...
Nem sentem no ledo
peito
Tropelado o seu
direito
A pesar-lhe na
cerviz!...
Assim festejam cativos
O que os ferros
nos quebrou,
O que, trilhando
os altivos,
O home ao homem
nivelou!...
E que haja quem,
protervo,
Rasgue injusto com
vil nervo
As carnes a seu
irmão,
Que a liberdade
lhe mate,
Que lhe a vida
desbarate,
E que se chame — cristão!!...
Nasceu Cristo hoje
na palha,
E morreu morte de
cruz,
Para que além da
mortalha
Nos lumiasse outra
luz;
Tragou insultos,
afrontas
Cacaladas, férreas
pontas
Deixou no peito
imbeber;
Abrevou-se de
vinagre;
Pôde fazer um
milagre,
Porém quis antes
sofrer...
E divagam, rédea
solta,
Os crimes á luz do
sol,
Toda a terra anda
revolta,
Areada, sem farol...
Conculca o ímpio
sem susto
A nobre fronte do
justo,
Sufoca-lhe a
grande voz:
Já parece que o
remorso,
Que dos vícios
anda a corso,
Corrompeu-se como
vós!!!
Agora, agora
nascido
E já pregado na
cruz!...
Oh! meu Deus. de
ira vestido
Cospe-nos raios a
flux...
Tu, que mil mundos
fizeste,
Desmantela, arrasa
este,
Evoca um mundo
melhor,
Varre, extingue a
raça humana
E este mundo, que
se dana,
Como fizeste a
Gomhor!...
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