segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Manuel Botelho de Oliveira: "5 Poemas"

ANARDA INVOCADA
SONETO I
Invoco agora Anarda lastimado
Do venturoso, esquivo sentimento:
Que quem motiva as ânsias do tormento,
É bem que explique as queixas do cuidado.

Melhor Musa será no verso amado,
Dando para favor do sábio intento
Por Hipocrene o lagrimoso alento,
E por louro o cabelo venerado.

Se a gentil formosura em seus primores
Toda ornada de flores se avalia,
Se tem como harmonia seus candores;

Bem pode dar agora Anarda impia
A meu rude discurso cultas flores,
A meu plectro feliz doce harmonia. 



PERSUADE A ANARDA QUE AME
SONETO II

Anarda vê na estrela, que em piedoso
Vital influxo move amor querido,
Adverte no jasmim, que embranquecido
Cândida fé publica de amoroso.

Considera no Sol, que luminoso
Ama o jardim de flores guarnecido;
Na rosa adverte, que em coral florido
De Vênus veste o nácar lastimoso. 

Anarda pois, não queiras arrogante
Com desdém singular de rigorosa
As armas desprezar do Deus triunfante:

Como de amor te livras poderosa,
Se em teu gesto florido e rutilante
És estrela, és jasmim, és Sol, és rosa? 



PONDERAÇÃO DAS LÁGRIMAS DE ANARDA
SONETO III

Suspende, Anarda, as ânsias do alvedrio,
Quando a fortuna cegamente ordena
Essa dor, que dilatas pena a pena,
Esse aljôfar, que vertes fio a fio.

Se és dura rocha no rigor ímpio,
Se és br brilhadora luz na fronte amena;
A triste chuva de cristais serena,
Da sucessiva prata embarga o rio.

Mais ai, que não depões o sentimento,
Para que em ti padeça rigor tanto,
Se tens meu coração no peito isento.

De sorte, pois, que no amoroso encanto
Avivas em teu peito o meu tormento,
Derramas por teus olhos o meu pranto. 


SOL, E ANARDA
SONETO IV

O Sol ostenta a graça luminosa,
Anarda por luzida se pondera;
O Sol é brilhador na quarta esfera,
Brilha Anarda na esfera de formosa.

Fomenta o sol a chama calorosa,
Anarda ao peito viva chama altera, 
O jasmim, cravo, e rosa ao Sol se esmera,
Cria Anarda o jasmim, o cravo, e rosa.

O Sol à sombra dá belos desmaios,
Com os olhos de Anarda a sombra é clara,
Pinta Maios o Sol, Anarda Maios.

Mas (desiguais só nisto) se repara
O Sol liberal sempre de seus raios,
Anarda de seus raios sempre avara. 

MOSTRA-SE QUE A FERMOSURA ESQUIVA NÃO PODE SER AMADA
SONETO V

A pedra Ímã, que em qualidade oculta
Naturalmente atrai o ferro impuro,
Se não vê do diamante o lustre puro,
Prende do ferro a simpatia inculta.

Porém logo a virtude dificulta,
Quando se ajunta c'o diamante duro:
Que um ódio até nas pedras é seguro,
Que até nas pedras uma inveja avulta.

Prendendo pois com atração formosa
A formosura, qual Ímã se aviva,
É diamante a dureza rigorosa;

Aquela junta com a dureza esquiva,
Não logra a simpatia de amorosa,
Perde a virtude logo de atrativa. 

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