SILÊNCIO
A Antônio Correa
de Oliveira
Misteriosa
expressão da alma das cousas mudas,
Silêncio — palio
imenso aos enigmas aberto,
espelho onde a
tristeza universal se estampa.
Silêncio —
gestação das dores cruéis, agudas,
solene imperador
da Treva e do Deserto,
estagnação dos
sons, berço, refugio e campa.
Silêncio —
tenebroso e insondável oceano,
tudo quanto nos teus
abismos vive imerso,
tem a secreta voz
dos rochedos, das lousas.
És a concentração
do ser pensante, humano,
a vida espiritual
e oculta do universo,
a comunicação
invisível das cousas.
Um íntimo pesar
toda tua alma invade,
ó meu velho
eremita! ó monge amargurado!
Dentro da catedral
da verde natureza,
ouço-te celebrar a
missa da Saudade
e invocar a remota
efígie do Passado,
dando-me a
comunhão sublime da tristeza.
O RETRATO FIEL
Não creias nos
meus retratos,
nenhum deles me
revela,
ai, não me julgues
assim!
Minha cara
verdadeira
fugiu às penas do
corpo,
ficou isenta da
vida.
Toda minha
faceirice
e minha vaidade
toda
estão na sonora
face;
naquela que não
foi vista
e que paira,
levitando,
em meio a um mundo
de cegos.
Os meus retratos
são vários
e neles não terás
nunca
o meu rosto de
poesia.
Não olhes os meus
retratos,
nem me suponhas em
mim.
CHUVA DE CINZAS
na estática mudez
da Terra triste e viúva;
e, da tarde ao
cair, sinto, minha alma, agora,
embuça-se na cisma
e no torpor se enluva.
Hora crepuscular,
hora de névoas, hora
em que de bem
ignoto o humano ser enviúva;
e, enquanto em
cinza todo o espaço se colora,
o tédio, em nós, é
como uma cinérea chuva.
Hora crepuscular -
concepção e agonia,
hora em que tudo
sente uma incerteza imensa,
sem saber se
desponta ou se fenece o dia;
hora em que a
alma, a pensar na inconstância da sorte,
fica dentro de nós
oscilando, suspensa
entre o ser e o
não ser, entre a existência e a morte.
SAUDADE
De quem é esta
saudade
que meus silêncios
invade,
que de tão longe
me vem?
De quem é esta
saudade,
de quem?
Aquelas mãos só
carícias,
Aqueles olhos de
apelo,
aqueles
lábios-desejo...
E estes dedos
engelhados,
e este olhar de vã
procura,
e esta boca sem um
beijo...
De quem é esta
saudade
que sinto quando
me vejo?
SER MULHER
Ser mulher, vir à
luz trazendo a alma talhada
para os gozos da
vida; a liberdade e o amor;
tentar da glória a
etérea e altívola escalada,
na eterna
aspiração de um sonho superior...
Ser mulher,
desejar outra alma pura e alada
para poder, com
ela, o infinito transpor;
sentir a vida
triste, insípida, isolada,
buscar um
companheiro e encontrar um senhor...
Ser mulher,
calcular todo o infinito curto
para a larga
expansão do desejado surto,
no ascenso
espiritual aos perfeitos ideais...
Ser mulher, e, oh!
atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual
uma águia inerte, presa
nos pesados
grilhões dos preceitos sociais!
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