segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Gilka Machado: "5 Poemas"

SILÊNCIO
A Antônio Correa de Oliveira

Misteriosa expressão da alma das cousas mudas,
Silêncio — palio imenso aos enigmas aberto,
espelho onde a tristeza universal se estampa.
Silêncio — gestação das dores cruéis, agudas,
solene imperador da Treva e do Deserto,
estagnação dos sons, berço, refugio e campa.

Silêncio — tenebroso e insondável oceano,
tudo quanto nos teus abismos vive imerso,
tem a secreta voz dos rochedos, das lousas.
És a concentração do ser pensante, humano,
a vida espiritual e oculta do universo,
a comunicação invisível das cousas.

Um íntimo pesar toda tua alma invade,
ó meu velho eremita! ó monge amargurado!
Dentro da catedral da verde natureza,
ouço-te celebrar a missa da Saudade
e invocar a remota efígie do Passado,
dando-me a comunhão sublime da tristeza.
  


O RETRATO FIEL

Não creias nos meus retratos,
nenhum deles me revela,
ai, não me julgues assim!

Minha cara verdadeira
fugiu às penas do corpo,
ficou isenta da vida.

Toda minha faceirice
e minha vaidade toda
estão na sonora face;

naquela que não foi vista
e que paira, levitando,
em meio a um mundo de cegos.

Os meus retratos são vários
e neles não terás nunca
o meu rosto de poesia.

Não olhes os meus retratos,
nem me suponhas em mim.
  


CHUVA DE CINZAS

na estática mudez da Terra triste e viúva;
e, da tarde ao cair, sinto, minha alma, agora,
embuça-se na cisma e no torpor se enluva.

Hora crepuscular, hora de névoas, hora
em que de bem ignoto o humano ser enviúva;
e, enquanto em cinza todo o espaço se colora,
o tédio, em nós, é como uma cinérea chuva.

Hora crepuscular - concepção e agonia,
hora em que tudo sente uma incerteza imensa,
sem saber se desponta ou se fenece o dia;

hora em que a alma, a pensar na inconstância da sorte,
fica dentro de nós oscilando, suspensa
entre o ser e o não ser, entre a existência e a morte.



SAUDADE

De quem é esta saudade
que meus silêncios invade,
que de tão longe me vem?

De quem é esta saudade,
de quem?

Aquelas mãos só carícias,
Aqueles olhos de apelo,
aqueles lábios-desejo...

E estes dedos engelhados,
e este olhar de vã procura,
e esta boca sem um beijo...

De quem é esta saudade
que sinto quando me vejo?



SER MULHER

Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada
para os gozos da vida; a liberdade e o amor;
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior...

Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor;
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um senhor...

Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais...

Ser mulher, e, oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!

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