O PORÃO
o que dizer de um
porão
com três paredes
se havia
uma claraboia baça
e um
bordado de arame
em arco
nada que
anunciasse o fim
os ovos são
cortados à faca
enquanto fundos de
garrafa
açulam lábios e
línguas e a
fumaça corrói os
agasalhos
finos de uma
estiagem tal
que sobe do lago
vizinho
onde peixes boiam
balofos
a retina atolada
como se
visse a quarta
parede ela
ficou no além-mar onde
estrelas tombam
maceradas
pelo olvido asseio
reluzente
os dedos da irmã
recontam
o eco de saltos
pés passos
na esperança que o
sono
devolva o verão
vez por
outra sempre uma
saudade
pra frente com
bolo café
geleia de amora da
casa
de bonecas tão
alta quanto
a roda-gigante do
calendário
um navio que possa
singrar
as ruas de
Curitiba sem
despejar lodo no
abajur
chinês na pia o
vaso fedido
cujo sifão seca
todas ilusões
de a cama junto à
porta
um dia correr para
o centro
crente que jamais
as pernas
caíssem ao léu da
insônia
na preguiça
matinal açoites
de pneus pó ratos
calotas
em zigue-zague
mancos
biombos simulando
sutis
aconchegos cheios
de mãe
o avental
encardido fogo
à marmita quem
dirá que
o frio é tato a
broa dormida
rançosa a manteiga
(salve-
-se o queijo
bichado) alemão
é assim mesmo pois
a vida
não virá nem agora
nem
depois talvez não
venha
jamais só como
atalho da
última maldita
parede basta
o breu do teto os
recantos
descolados da
trincheira
trovão de sol
lascas da noite
que precisam do
amanhecer
são ares patinando
pra sair
do céu a penumbra
do cão
arranha olhos
medonhos
e deixa a todos
atônitos
o porão recomeça o
seu
périplo sem dó nem
piedade
DELUSÃO
como que uma rocha
a nitroglicerina
d’alma
se congela em
degraus
escorregadios às
voltas
com limo de
anteontem
perdido ao menor
gesto
como que um hiato
gaiato olho de
morto-
-vivo se reveza na
dor
sem se dar conta
mas
lacera qual
ferroadas
cobre passos e
abraços
e delusão nenhuma
ou
seja haver-se à
forra
melhor ficar a fim
onde
fustigar não há
por quê
MUITO TARDE
rasgos do rosto
prontidão
quase à soleira da
mudez
músculos baços
como tal
à prova de quem
duvidar
memórias erram de
soslaio
a cada mirada nova
bruma
nada de cochichos
à forra
o estalo é só
tripa talhada
sentidos balouçam
entre si
menos os quantos
perdidos
verter-se à réstia
cambiante
ou acordar seria
uma lástima
o melhor silêncio
improvável
era agora já é
tarde demais
O FILHO DE DONA ELSE OU PARECIA FILME DO
HITCHCOCK
Marco Jacobseneu
me encolhi
mui encolhidinha
(não sou boba,
viu?)
olhou um olhou
outro
ficou aquela
fuzilaria
tremelicando
parecia filme do
Hitchcock
(era à tardinha é
noite)
nem transpirava
mais
os passos deles
explosão
de címbalos
ou grunhidos
como se destes
pinheiros
caíssem grimpas
sobre nós
a pressa é
toda criminosa
(logo eu
criminosa!)
parecia filme do
Hitchcock
a nudez se resumia
ao lusco
-fusco
louras estrelas
que já vinham
(advinhas)
naquela ferrugem
vi-me
no alto da Golden
Gate
(ventos aturdidos
pela fuga)
sobre vidas a
louvar
uma eternidade
ouvindo engodos
zurros de granizo
um quê de grave
tropeço
fatal e inviável
parecia filme do
Hitchcock
(o mantra do
vislumbre)
nunca ficamos tão
a sós
(como agora)
não me reconhecia
eu apenas me havia
ex-abrupto
baixou cheiro de
acetato
novinho em folha
parecia filme do
Hitchcock
febrão cinéfilo
era o que ainda
conseguia
articular
mas riu (gengivas
lívias
de 1997)
memo incrivelmente
espesso
a tela arquejou
(como um
esquecimento)
parecia filme do
Hitchcock
ela foi
empertigando
ninguém se deu
conta
sorte nossa
(balbuciou
salobra)
nem todas as
lágrimas
(contorcendo as
garras
cianóticas)
nadaram em vão
parecia filme do
Hitchcock
o dia da última
vez que vi minha
mãe
DE QUATRO
mãos e coxas
(orvalhadas)
seios e boca
(vozes sem vezo)
Pálpebras
(inermes)
torpedeiam
os jardins
do desejo
a memória
(essa cafetã!)
esboça
um sorriso
amarelo
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