quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Sylvio Back: "5 Poemas"

O PORÃO

o que dizer de um porão
com três paredes se havia
uma claraboia baça e um
bordado de arame em arco
nada que anunciasse o fim
os ovos são cortados à faca
enquanto fundos de garrafa
açulam lábios e línguas e a
fumaça corrói os agasalhos
finos de uma estiagem tal
que sobe do lago vizinho
onde peixes boiam balofos
a retina atolada como se
visse a quarta parede ela
ficou no além-mar onde
estrelas tombam maceradas
pelo olvido asseio reluzente
os dedos da irmã recontam
o eco de saltos pés passos
na esperança que o sono
devolva o verão vez por
outra sempre uma saudade
pra frente com bolo café
geleia de amora da casa
de bonecas tão alta quanto
a roda-gigante do calendário
um navio que possa singrar
as ruas de Curitiba sem
despejar lodo no abajur
chinês na pia o vaso fedido
cujo sifão seca todas ilusões
de a cama junto à porta
um dia correr para o centro
crente que jamais as pernas
caíssem ao léu da insônia
na preguiça matinal açoites
de pneus pó ratos calotas
em zigue-zague mancos
biombos simulando sutis
aconchegos cheios de mãe
o avental encardido fogo
à marmita quem dirá que
o frio é tato a broa dormida
rançosa a manteiga (salve-
-se o queijo bichado) alemão
é assim mesmo pois a vida
não virá nem agora nem
depois talvez não venha
jamais só como atalho da
última maldita parede basta
o breu do teto os recantos
descolados da trincheira
trovão de sol lascas da noite
que precisam do amanhecer
são ares patinando pra sair
do céu a penumbra do cão
arranha olhos medonhos
e deixa a todos atônitos
o porão recomeça o seu
périplo sem dó nem piedade


  
DELUSÃO

como que uma rocha
a nitroglicerina d’alma
se congela em degraus
escorregadios às voltas
com limo de anteontem
perdido ao menor gesto
como que um hiato
gaiato olho de morto-
-vivo se reveza na dor
sem se dar conta mas
lacera qual ferroadas
cobre passos e abraços
e delusão nenhuma ou
seja haver-se à forra
melhor ficar a fim onde
fustigar não há por quê

  

MUITO TARDE

rasgos do rosto prontidão
quase à soleira da mudez

músculos baços como tal
à prova de quem duvidar

memórias erram de soslaio
a cada mirada nova bruma

nada de cochichos à forra
o estalo é só tripa talhada

sentidos balouçam entre si
menos os quantos perdidos

verter-se à réstia cambiante
ou acordar seria uma lástima

o melhor silêncio improvável
era agora já é tarde demais



O FILHO DE DONA ELSE OU PARECIA FILME DO HITCHCOCK

Marco Jacobseneu me encolhi
mui encolhidinha
(não sou boba, viu?)
olhou um olhou outro
ficou aquela fuzilaria
tremelicando
parecia filme do Hitchcock
(era à tardinha é noite)
nem transpirava mais
os passos deles explosão
de címbalos
ou grunhidos
como se destes pinheiros
caíssem grimpas sobre nós
a pressa é
toda criminosa (logo eu
criminosa!)
parecia filme do Hitchcock
a nudez se resumia ao lusco
-fusco
louras estrelas que já vinham
(advinhas)
naquela ferrugem vi-me
no alto da Golden Gate
(ventos aturdidos pela fuga)
sobre vidas a louvar
uma eternidade
ouvindo engodos
zurros de granizo
um quê de grave tropeço
fatal e inviável
parecia filme do Hitchcock
(o mantra do vislumbre)
nunca ficamos tão a sós
(como agora)
não me reconhecia
eu apenas me havia
ex-abrupto
baixou cheiro de acetato
novinho em folha
parecia filme do Hitchcock
febrão cinéfilo
era o que ainda
conseguia articular
mas riu (gengivas lívias
de 1997)
memo incrivelmente
espesso
a tela arquejou
(como um esquecimento)
parecia filme do Hitchcock
ela foi empertigando
ninguém se deu conta
sorte nossa
(balbuciou salobra)
nem todas as lágrimas
(contorcendo as garras
cianóticas)
nadaram em vão
parecia filme do Hitchcock
o dia da última
vez que vi minha mãe



DE QUATRO

mãos e coxas

(orvalhadas)

seios e boca

(vozes sem vezo)

Pálpebras

(inermes)

torpedeiam

os jardins

do desejo

a memória

(essa cafetã!)

esboça

um sorriso

amarelo

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