UM CONTRAPROGRAMA
I
esta montanha
invade a cidade
e à sua margem
penso
não no silêncio,
na astúcia
e no exílio (que
já foram
tentados a
contento) mas
do lado de dentro
mesmo que
impossível
extraviar-me no
alheio
II
o alheio: não o
outro
do morro ou o
rosto
da rua, mas o que
ainda despercebido
pulsa
e sobreviverá ao
tempo
porque o fim disto
– desta cidade –
não é
o de todas as
coisas.
PASSATEMPO
passa que penso
no amigo louco
e não me vejo
aprendi pouco a
pouco a errar pe
los jogos do dia
(ou a medusa,
amor, dor terrena)
o céu é um tabu
leiro de estrelas
sem metafísica
e tudo foi escul
pido pelo tempo
assim sigo resig
nado pela falta
lado a lado com
a vida
(e o que mais
se precisa?)
o amigo louco
apenas algumas
vezes volta
como uma per
gunta perdida:
o que (como
o tempo) não
teve início
acaso existiria?
VIGÍLIA REMIX
ame amanhã quem
jamais amou
e quem já amou ame
amanhã!
j’aime! Amanhã, aos primeiros raios
quando o orvalho
umedece pétalas e
lábios, fazendo-os
abrir, gotas
sem lua ou deuses
entrelaçam os corpos,
e o amor depõe as
armas.
ame amanhã sob o
púrpura sem pudor,
aos primeiros
raios, lábios umedecidos do encontro
dos próprios
corpos, do passeio ao amanhecer.
o amor é belo,
mesmo nu está em armas.
mas é primavera,
no orvalho lua não há,
é nova, tempo de
semear, e sem cautela
os corpos se
abrem.
ame amanhã quem
jamais amou
e quem já amou ame
amanhã!
TRÊS FORMAS DE AMOR
MAR
o mar é a fera em
si
corpo revolto
imenso, impossível
de abarcar,
demanda toda
atenção.
mas quem dele não
tira
o olho, se perde
da
razão: em fúria
é indomável,
em calmaria
labirinto
(azul sob azul,
nenhum deserto
é tão sucinto).
ESTRELA
a estrela é a fera
em nós
o desejo anfíbio
de mutar do que
somos
a outro –
então mergulho,
desrazão.
a estrela não
retorna
amor, silente
é a própria
expressão
do não.
Sergio Cohn
SELVA
a selva é a fera
nos outros
a soma de desejos
que faz o seu jogo
–
ritmos de corpos
devorando-se
sob a aparente
calmaria.
cada delícia é
uma armadilha:
úmida de vida,
transforma quem a
ama
em mais um.
MNEMO
há um resíduo de
futuro
no vento,
fotograma ante-
cipado, montagem
de fragmentos
induzindo à cena.
como
aquela árvore se
curvando com-
placente aos
invisíveis pesos,
como o mormaço
predizendo chuva,
repito,
há um canto
anterior
a qualquer canto,
uma réstia,
um eco primeiro,
como um som
que ressoa por
dentro de cada
palavra, como todo
gesto se
desenha e apaga,
então
novamente, há o
revés,
o diáfano, o
termo, beleza
posta e perdida, o
desen-
cadeamento, assim
como a sede do
vapor
por uma forma,
assim
como tudo retorna
à imaginação
por trás da
cortina
da memória.
PATHOS
o sopro de veneno
no ouvido, o jorro
impossível
assaltando os olhos, luzes
intermitentes,
tantas luzes
no azul manto
escuro, um passo,
então silêncio,
uma árvore
se sobressai no mercúrio,
o verde
de tantos matizes,
a cadência
dos tons. rico
universo de uma só cor
e tantas dimensões
pressentidas.
uma árvore,
poderia chamar-lhe
pau-ferro,
caesalpinía férrea,
mas é uma apenas
uma árvore
à beira do
caminho.
catedral ao
avesso, sacraliza o ao redor.
as formas tatuadas
no seu tronco,
rostos tão
estranhos, uma folha cai.
é possível
perceber nosso semblante
em suas nervuras,
a reciprocidade
do espanto, ou
sentar-se
a observar os
cristais de orvalho,
mônadas no ventre
do tempo.
uma árvore,
convite.
nela ver o mundo,
missiva do
imponderável.
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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VIII - Outubro-Novembro-Dezembro 2013 - Ano II - Nº 77
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