TUDO SE DILUIU
A semana ficou
pratrás.
A aflição ficou
pratrás.
Chove... E tudo se
diluiu.
Chove... E afundou
o navio.
Fico diante da
janela...
E apoio o
cotovelo.
Apoio o cotovelo
e desta janela te
vejo.
As flores no tempo
vizinho.
Tu me tiraste para
dançar.
Tu tocavas veloz
ao piano.
A vida passou de
mansinho.
Tudo aconteceu
hoje? Digo
tudo como
realmente houve?
Ninguém nos viu,
ninguém nos ouve.
A SOMBRA DA ÁRVORE
O homem. A árvore.
O Sol.
Ele quer mergulhar
na sombra.
Tinha os olhos
ruins, fatigados
pela leitura do
passado.
A sombra o leva em
sonho
ao sensual calor
do mundo.
A árvore. O homem.
A sombra.
Longe da luz, mas
perto ainda.
Ela o cobriria com
galhos
de perdão sobre os
falhos dias.
O corpo era tão
poderoso
como a floresta
vista em sonho.
O sonho jamais os
uniu.
A brisa soprou...
Veio a tarde.
Flores caíram-lhe
no rosto.
PETÚNIA DESPERTA
Petúnia veio de
muito longe
e parecia uma
árvore quando
os três estudantes
trêmulos
a víamos na fila
do trem.
A amiga tinha os
cabelos
laranja, e o rosto
iluminado,
exceto por um
sinal na testa
como um borrão
pixelado.
O borrão durava
segundos
e quase ninguém o
notava
além dos poucos
que anotamos
os seres
paradoxais do mundo.
Uma dia a seguimos
pela rua
através da
verdejante alameda
sob o monumental
rosto da Lua
a dissipar sombras
do medo.
Sabíamos das
curvas no tempo
tivemos certeza
quando a vimos
sumir na recurva
alameda
sem deixar ruído
ou pegada.
Petúnia não podia
nos dizer
o que viera fazer
no mundo
nem como abrir o
portal
com as trombetas
do futuro.
O simples fato era
absurdo
e o poder alguém
pensá-lo
fez o dia ficar
mais escuro
como o trem dentro
do túnel.
Vimos algo brilhar
no escuro
dois ou três
globos de luz
unidos por ramos
suaves
pensados mais que
vistos.
A esbelta árvore
tremia
no escuro do
pensamento
mas seus frutos
davam cor
e, para nós, um
gostoso calor.
Seria bom, não
fosse um erro,
pensar que Petúnia
havia surgido
de um túnel, e
havia assumido
a esbelta forma de
laranjeira.
A árvore jamais
ali estivera
e portanto ainda
não tivera
oportunidade de
espreguiçar
os ramos como uma
laranjeira.
As laranjas, duas
ou três apenas,
pareciam haver
sido pintadas,
ou amarradas com
barbante
e cordão, falsas e
redundantes.
Nós não acreditávamos
mas éramos
forçados a crer
que a laranjeira e
a mulher
eram um ser único
e dividido.
Petúnia e o pé de
laranja
tinham existência
na franja
de dois mundos
paralelos
que interagiam na
alameda.
Mulher terrestre,
enraizada
estás, no solo
firme de ti
mesma, ante o
túnel curvada,
como reclinada
sobre um lago.
Teus olhos brilham
como pomos
de luminoso pé de
laranja
mas teu pensamento
é um borrão
de folhas, as
auroras do verão.
Todos os dias,
quando a aurora
enche de sangue o
ar, nós te seguimos
com sapatos de
hospital, em silêncio
até a alameda que
te renova.
Buscamos a
resposta que não vem
como ao escuro vai
o trem
na expectativa de,
ao fim do túnel,
decifrar teu
sorriso, Petúnia.
Uma resposta não é
flor na lapela
ou qualquer adorno
que nos revela
e civiliza,
dir-se-ia uma resposta
é ver Petúnia e, a
seu lado, a porta.
Eis o túnel ao fim
do qual a luz brota
menos como flor do
que fruto
jamais ornamento,
algo substantivo
ainda que a
substância seja fictícia.
Aos cinquent’anos,
a vemos
com o esplendor de
fêmea
que não se deixa
analisar
e emite olor de
fruta lisa.
Largamos no largo
o largo
pensamento, ora
sentimento,
de Petúnia, que se
deixa levar
pelo túnel sem
olhar para trás.
Deixar-se era a
única saída
para o recôndito
universo
de matéria escura,
no verso
que bate como um
relógio.
Um-um, dois-dois,
os segundos
como areia na mão
erguem
um castelo,
enquanto outra mão
esmaga o coração
do velho.
De todas as ideias
hoje relidas
como petúnias em
jardim colhidas
apenas uma,
Petúnia, vingou
e brilha no túnel
como um sol.
Petúnia é
semelhante a pecúnia
quando pisa
descalça na cidade
com as sandálias
da insônia
e os longos
cabelos da realidade.
Ela tinha a
pobreza do ar
e alguma
eletricidade, sem a qual
jamais se lhe
abriria o portal
nem seu ar pobre
seria de árvore.
Petúnia, amiga,
fiel parceira,
és do mundo
paralelo oriunda
e teu ar de
desejos nos inunda
como o ar umedece
a laranjeira.
Nada sentes por
nós, fria
aparição, pixelada
imagem
vinda de uma
quinta dimensão
real como laranjas
numa árvore.
Vens do real,
quando o corpo
é atravessado por
finas cordas
que nos unem à
laranjeira
como os planetas
ao sol.
Somos através,
somos um corpo
atravessado de
buracos, nunca
contínuos como
desejaríamos
somos obesos,
somos túneis.
Petúnia nos ensina
que há
maneiras de ser
atravessado
oh de luzes,
quantas de luz,
túnel através do
qual somos.
Ela vive dentro de
um túnel
atravessado vez
por outra do real
e sua aparência
destituída
tem manchas
cuspidas pelo sol.
As manhãs
uniram-se em luz
para dar-nos o
impulso, o pulso
que dá manha ao
pulo, a luz
das manhãs que é
Petúnia.
A mulher foi vista
na manhã
a pular corda, a
imagem
a desfolhar-se em
plátanos
dourados que já
foram laranjas.
A única pista que
restou
é a fotografia da
mulher
como laranja caída
do alto
como cai folha de
plátano.
Fruta ou folha,
túnel do real,
passeia os dedos
nos cabelos
para a um herói se
oferecer
como uma deusa
oferta o belo.
Três heróis a
viram no salão
ela apontou um,
que tinha medo,
e os outros dois,
sem mais razão,
mataram-se na
curva da alameda.
Todas as noites
Petúnia
atrai um homem,
herói ou poeta,
para a alameda
onde espera
ouvir-lhe a canção
única.
A deusa espera
ouvir
a única canção de
amor
com três heróis na
alameda
a olhar o pôr do
sol.
Petúnia era a
forma do ermo
visível no olhar
ansioso
que necessita ver,
cioso de si,
de um herói sem
jardim.
Tais formas são
revistas
pelo homem que
delas precisa
quando chega aos
cinquenta
e sofre por não
revê-las.
Petúnia sabia do
ermo
no homem que a
despia
sem sentir por ela
desejo
quando ardia no
túnel.
Éramos todos uns
heróis
verticais na fila
do trem
os olhos no
horizonte
do túnel que já
não dói.
PERTO DO SONO
Estelar, movia-se
no tempo
até ficar com o
lado esquerdo
do rosto sobre o
travesseiro.
O corpo vaga no
deleite
de um cometa que
atravessa
a fronteira da Via
Láctea.
O astro se
converte em carne
como uma pintura a
óleo, tarde
demais para o sono
que não
veio, soprando de
antemão
sobre o corpo
alheio, vizinho
na ondulada
galáxia do lençol.
Então o sono
chegou, fresco
como o vento, a
levar para longe
a poeira estelar
do pensamento.
A MORTE DE MEU PAI
Freios. Batida. O
carro vira
como um touro
ferido na arena.
Os pneus giram,
giram no ar
completamente
desamparados.
Que toureiro
prateado vai
dar o golpe final,
macabro?
A aorta rompe-se
qual vaso.
Sombras
derramam-se no carro.
Favelados de
pesadelo
levam o relógio e
o rádio.
Subtraem os pneus.
Meu pai.
Depois disso, nada
me dói.
Qual touro deitado
na arena
sente-se leve o
motorista
pálido... Não lhe
pesa a vida.
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Fonte:
Revista Brasileira nº 76 (2013) - Academia Brasileira de Letras - ABL
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