BANZO
Visões que
na alma o céu do exílio incuba,
Mortais
visões! Fuzila o azul infando...
Coleia,
basilisco de ouro, ondeando
O Níger...
Bramem leões de fulva juba...
Uivam
chacais... Ressoa a fera tuba
Dos
cafres, pelas grotas retumbando,
E a
estrelada das árvores, que um bando
De
paquidermes colossais derruba...
Como o
guaraz nas rubras penhas dorme,
Dorme em
nimbos de sangue o sol oculto...
Fuma o
saibro africano incandescente...
Vai com a
sombra crescendo o vulto enorme
Do
baobá... E cresce na alma o vulto
De uma
tristeza, imensa, imensamente...
OS CIGANOS
A Jose Veríssimo
Um adia,
ao fim de incomoda jornada,
De uma
longa jornada por mim feita,
Com
perigos não menos do que danos,
Ao
crepúsculo vi, na volta estreita
De sinuosa
estrada,
Três
farrapados, míseros ciganos.
Um ─ de
viola amiga, unida ao peito,
Dedilhando
as corda, indolente,
Tirava
brandos sons... Que ar satisfeito!
No seu
moreno rosto, que o poente
De rubra e
vigorosa cor tingia!
Outro ─
aspirando o seu cachimbo, ocioso,
Nas
aspirais do fumo azul deixava
Pascerem-se-lhe
os olhos, descuidoso...
E tinha,
entre farrapos, o ar tranquilo,
O ar de
quem de mais nada precisava,
O de quem
para bastava aquilo.
Dormia o
último à sombra da ramagem,
E sobre a oscilar
─ quadro risonho! ─
Pendia um
par de címbalos que a aragem
Ressonava
ao passar, leve e fugace...
Também a
doce aragem de algum sonho
Pelo seu
coração talvez passasse...
Os três
ciganos míseros... Que digo?
Míseros
somos nós; mísero o louco,
Como eu ou
tu, amigo,
Que, tendo
em muito o que eles têm em pouco,
Em pós de
um sonho vão em vão se cansa.
Qual! nem
esse apetite imoderado
De glória
e de fortuna;
Nem viver
da saudade e da esperança;
Nem rever
o passado,
Ou prever
o futuro a alma conforta.
Antes pela
existência andar à tuna:
Sono,
viola e fumo, e ao Deus dará...
O que
passou, já lá se foi ─ que importa? ─
E o que há
de vir, por sua vez virá!
Para a dor
de viver, que nos devasta
E que o
beijo nenhum de amor consola,
Os ciganos
fizeram-me sentir,
Que, das
três coisas, uma só nos basta:
Tocar
viola, fumar cachimbo, ou dormir.
PLENILÚNIO
Além nos
ares, tremulamente,
Que visão
branca das nuvens sai!
Luz entre
as franças, fria e silente;
Assim nos
ares, tremulamente,
Balão
aceso subindo vai...
Há tantos
olhos nela arroubados,
No
magnetismo do seu fulgor!
Lua dos
tristes e enamorados,
Golfão de
cismas fascinador!
Astros dos
loucos, sol da demência,
Vaga,
noctâmbula aparição!
Quantos,
bebendo-te a refulgência,
Quantos
por isso, sol da demência,
Lua dos
loucos, loucos estão!
Quantos à
noite, de alva sereia
O falaz
canto na febre a ouvir,
No
argênteo fluxo da lua cheia.
Alucinados
se deixam ir...
Também
outrora, num mar de lua,
Voguei na
esteira de um louco ideal;
Exposta
aos éolos a fronte nua,
Dei-me ao
relento, num mar de lua,
Banhos de
lua que fazem mal.
Ah!
quantas vezes, absorto nela,
Por horas
mortas postar-me vim
Cogitabundo,
triste, à janela,
Tardas
vigílias passando assim!
E assim,
fitando-a noites inteiras,
Seu disco
argênteo na alma imprimi;
Olhos
pisados, fundas olheiras,
Passei
fitando-a noites inteiras,
Fitei-a
tanto, que enlouqueci!
Tantos
serenos tão doentios,
Friagens
tantas padeci eu;
Chuva de
raios de prata frios
A fronte
em brasa me arrefeceu!
Lunárias
flores, ao feral lume,
— Caçoilas
de ópio, de embriaguez
—
Evaporaram letal perfume...
E os
lençóis d'água, do feral lume
Se
amortalhavam na lividez...
Fúlgida
névoa vem-me ofuscante
De um
pesadelo de luz encher,
E a tudo
em roda, desde esse instante,
Da cor da
lua começo a ver.
E erguem
por vias enluaradas
Minhas
sandálias chispas a flux...
Há pó de
estrelas pelas estradas...
E por
estradas enluaradas
Eu sigo às
tontas, cego de luz...
Um luar
amplo me inunda, e eu ando
Em
visionária luz a nadar,
Por toda a
parte, louco, arrastando
O largo
manto do meu luar...
TRISTEZA DE MOMO
Pela
primeira vez, ímpias risadas
Susta em
pranto o deus da zombaria;
Chora; e
vingam-se dele, nesse dia,
Os
silvanos e as ninfas ultrajadas;
Trovejam
bocas mil escancaradas,
Rindo;
arrombam-se os diques da alegria;
E estoira
descomposta vozeria
Por toda a
selva, e apupos e pedradas...
Fauno,
indigita; a Náiade o caçoa;
Sátiros
vis, da mais indigna laia,
Zombam.
Não há quem dele se condoa!
E Eco
propaga a formidável vaia,
Que além
por fundos boqueirões reboa
E, como um
largo mar, rola e se espraia...
A CAVALGADA
A lua
banha a solitária estrada...
Silêncio!...
mas além, confuso e brando,
O som
longínquo vem se aproximando
Do galopar
de estranha cavalgada.
São
fidalgos que voltam da caçada;
Vêm
alegres, vêm rindo, vêm cantando,
E as
trompas a soar vão agitando
O remanso
da noite embalsamada...
E o bosque
estala, move-se, estremece...
Da
cavalgada o estrépito que aumenta
Perde-se
após no centro da montanha...
E o
silêncio outra vez soturno desce,
E límpida,
sem mácula, alvacenta
A lua a
estrada solitária banha...
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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