segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Raimundo Correia: "5 Poemas"

BANZO

Visões que na alma o céu do exílio incuba,
Mortais visões! Fuzila o azul infando...
Coleia, basilisco de ouro, ondeando
O Níger... Bramem leões de fulva juba...

Uivam chacais... Ressoa a fera tuba
Dos cafres, pelas grotas retumbando,
E a estrelada das árvores, que um bando
De paquidermes colossais derruba...

Como o guaraz nas rubras penhas dorme,
Dorme em nimbos de sangue o sol oculto...
Fuma o saibro africano incandescente...

Vai com a sombra crescendo o vulto enorme
Do baobá... E cresce na alma o vulto
De uma tristeza, imensa, imensamente...


OS CIGANOS
A Jose Veríssimo

Um adia, ao fim de incomoda jornada,
De uma longa jornada por mim feita,
Com perigos não menos do que danos,
Ao crepúsculo vi, na volta estreita
De sinuosa estrada,
Três farrapados, míseros ciganos.

Um ─ de viola amiga, unida ao peito,
Dedilhando as corda, indolente,
Tirava brandos sons... Que ar satisfeito!
No seu moreno rosto, que o poente
De rubra e vigorosa cor tingia!

Outro ─ aspirando o seu cachimbo, ocioso,
Nas aspirais do fumo azul deixava
Pascerem-se-lhe os olhos, descuidoso...
E tinha, entre farrapos, o ar tranquilo,
O ar de quem de mais nada precisava,
O de quem para bastava aquilo.

Dormia o último à sombra da ramagem,
E sobre a oscilar ─ quadro risonho! ─
Pendia um par de címbalos que a aragem
Ressonava ao passar, leve e fugace...
Também a doce aragem de algum sonho
Pelo seu coração talvez passasse...

Os três ciganos míseros... Que digo?
Míseros somos nós; mísero o louco,
Como eu ou tu, amigo,
Que, tendo em muito o que eles têm em pouco,
Em pós de um sonho vão em vão se cansa.
Qual! nem esse apetite imoderado
De glória e de fortuna;
Nem viver da saudade e da esperança;
Nem rever o passado,
Ou prever o futuro a alma conforta.

Antes pela existência andar à tuna:
Sono, viola e fumo, e ao Deus dará...
O que passou, já lá se foi ─ que importa? ─
E o que há de vir, por sua vez virá!
Para a dor de viver, que nos devasta
E que o beijo nenhum de amor consola,
Os ciganos fizeram-me sentir,
Que, das três coisas, uma só nos basta:
Tocar viola, fumar cachimbo, ou dormir.


PLENILÚNIO

Além nos ares, tremulamente,
Que visão branca das nuvens sai!
Luz entre as franças, fria e silente;
Assim nos ares, tremulamente,
Balão aceso subindo vai...

Há tantos olhos nela arroubados,
No magnetismo do seu fulgor!
Lua dos tristes e enamorados,
Golfão de cismas fascinador!

Astros dos loucos, sol da demência,
Vaga, noctâmbula aparição!
Quantos, bebendo-te a refulgência,
Quantos por isso, sol da demência,
Lua dos loucos, loucos estão!

Quantos à noite, de alva sereia
O falaz canto na febre a ouvir,
No argênteo fluxo da lua cheia.
Alucinados se deixam ir...

Também outrora, num mar de lua,
Voguei na esteira de um louco ideal;
Exposta aos éolos a fronte nua,
Dei-me ao relento, num mar de lua,
Banhos de lua que fazem mal.

Ah! quantas vezes, absorto nela,
Por horas mortas postar-me vim
Cogitabundo, triste, à janela,
Tardas vigílias passando assim!

E assim, fitando-a noites inteiras,
Seu disco argênteo na alma imprimi;
Olhos pisados, fundas olheiras,
Passei fitando-a noites inteiras,

Fitei-a tanto, que enlouqueci!
Tantos serenos tão doentios,
Friagens tantas padeci eu;
Chuva de raios de prata frios
A fronte em brasa me arrefeceu!

Lunárias flores, ao feral lume,
— Caçoilas de ópio, de embriaguez
— Evaporaram letal perfume...
E os lençóis d'água, do feral lume
Se amortalhavam na lividez...

Fúlgida névoa vem-me ofuscante
De um pesadelo de luz encher,
E a tudo em roda, desde esse instante,
Da cor da lua começo a ver.

E erguem por vias enluaradas
Minhas sandálias chispas a flux...
Há pó de estrelas pelas estradas...
E por estradas enluaradas

Eu sigo às tontas, cego de luz...
Um luar amplo me inunda, e eu ando
Em visionária luz a nadar,
Por toda a parte, louco, arrastando
O largo manto do meu luar...


TRISTEZA DE MOMO

Pela primeira vez, ímpias risadas
Susta em pranto o deus da zombaria;
Chora; e vingam-se dele, nesse dia,
Os silvanos e as ninfas ultrajadas;

Trovejam bocas mil escancaradas,
Rindo; arrombam-se os diques da alegria;
E estoira descomposta vozeria
Por toda a selva, e apupos e pedradas...

Fauno, indigita; a Náiade o caçoa;
Sátiros vis, da mais indigna laia,
Zombam. Não há quem dele se condoa!

E Eco propaga a formidável vaia,
Que além por fundos boqueirões reboa
E, como um largo mar, rola e se espraia...



A CAVALGADA

A lua banha a solitária estrada...
Silêncio!... mas além, confuso e brando,
O som longínquo vem se aproximando
Do galopar de estranha cavalgada.

São fidalgos que voltam da caçada;
Vêm alegres, vêm rindo, vêm cantando,
E as trompas a soar vão agitando
O remanso da noite embalsamada...

E o bosque estala, move-se, estremece...
Da cavalgada o estrépito que aumenta
Perde-se após no centro da montanha...

E o silêncio outra vez soturno desce,
E límpida, sem mácula, alvacenta
A lua a estrada solitária banha...


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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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