segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Pedro Rabelo: "5 Poemas"

QUADRAS

Do escuro norte, ave prófuga,
Fugiste em busca do sul...
Mas todo o espaço hoje é límpido,
E é todo o espaço hoje azul.
Vem, que hoje o sol doira as árvores
E doira os campos em flor...
Terás a carícia intérmina
Do meu intérmino amor.
Dá que me envolvam teus lúcidos
Olhos, num lúcido olhar,
Qual me envolvera uma esplêndida
Auréola feita do luar...
Vem! A tua face puríssima
Seja-me sempre louçã,
Tanto ao tombar do crepúsculo,
Como ao romper da manhã...
Dá que em teus lábios eu, sôfrego,
Sorva esse olor que eles tem,
Como, ávido, um beduíno a um cântaro
Sorve o líquido também...
Vem! Que te importa que inóspita
Seja a existência depois...
Doce embora, embora aspérrima,
Vivê-la-emos nós dois!



PAÍS DISTANTE

Doido, talvez, se o sol que me alumia
Claro, e belo, e brilhante,
Rompe, a treva a espancar desta noite sem dia;
Fico a sonhar um lúcido e distante
País, onde serena
Fosse toda a existência e todo o amor constante,
Onde, de alegre e tímida camena,
Docemente tranquila,
Pudesse a voz ouvir em meio à noite amena.
Enquanto que também lúcido, a ouvi-la,
Do azul em cada fresta,
Brilhasse um sol assim como o outro sol rutila.
- Um país onde nunca a atra e funesta
Mágoa fosse, enfadonha,
De pranto encher o olhar que o contemplasse em festa.
Lá, julgado feliz como quem sonha,
Por certo que invocara
Tua imagem feliz, e adorada, e risonha.
E se àquela de gozos fonte rara
Tu chegasses ainda.
E se ainda a tua alma esses gozos achara;
Por certo o nome dessa estranha e infinda
Fonte de primaveras,
Tu pediras, e então eu te dissera, Linda:
- "Chama-se este país, o país das quimeras!"



DISTANTE

A Álvares de Azevedo Sobrinho.
Hoje soluça o vento nas palmeiras
E um gemido das árvores arranca...
Partiu! Corra mais límpida e mais franca
A torrente das lágrimas ligeiras.
Partiu! De longes terras estrangeiras
O bálsamo que as lágrimas estanca.
Traga-mo a asa tenuíssima, a asa branca
Da mais branca das pombas mensageiras.
Vendo-a. Cale-se a dor, vão-se os soluços...
Fique ela só de longes terras vinda
Para consolo desta soledade,
Fique, e possa eu contar como, de bruços,
Doido, chorei sobre as tuas cartas, e inda
Como punge esta indômita saudade!



TENEBRAS
A Aluísio Azevedo

Porque mais te não vejo, mais te sinto
Perto... Mais perto dos teus olhos ando.
Diz-mo não sei que delicioso e brando,
Como os vagos instintos, vago instinto.
Estás perto, sinto-te... E de quando em quando,
"Busca-a!" - manda uma voz. "Busca-a!" Consinto.
E ando de labirinto em labirinto,
Cego, paredes úmidas tateando...
Quem me há de os olhos descerrar? Teus olhos,
Pela doce alegria de trazer-mos,
Quem mos há de mostrar nesta ansiedade?
E amontoam-me escolhos sobre escolhos...
- Almas enfermas, corações enfermos,
Qual de vós é que sofre esta saudade?


PELA NOITE
A Rodrigo Otávio

Digam do amor com que eu acarinhava,
Todos os astros, todas as estrelas...
Digam quanto as fitava e como, ao vê-las,
Ela, a estrela mais lúcida lembrava.
Dos céus em fora, pela noite, e pelas
Nuvens que eu tristemente contemplava,
Digam como daquele afeto escrava
Minh'alma ansiava por compreendê-las.
Tudo contem... Do meu estranho afeto
Falem da minha dor contida
Por largos meses e por largos anos,
E esse que for o astro mais indiscreto
Conte como me viu a alma ferida,
Por desenganos sobre desenganos.


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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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