sábado, 21 de novembro de 2015

Pereira da Silva: "5 Poemas"

VALSA DAS CHAMAS

Noite. Em meu quarto solitário, apuro
O meu destino; a solitude ambiente,
O tédio, a hora, o mal-estar de doente
Tudo me torna o pensamento obscuro.

Em vão me apego à idéia sempre ardente
Da Vida, - esta volúpia do Futuro.
Queima-me intensa febre o sangue impuro.
Perpassam-me relâmpagos na mente.

Deliro. E a meu olhar que tudo ilude
A vela cresce, assume outra amplitude,
Deixa o recinto entre clarões de flamas...

... Surge-me assim, ante as pupilas pasmas,
Salomé, numa orgia de fantasmas,
Bailando a Valsa erótica das Chamas...



A DOENÇA DA VIDA

Corri toda a cidade, noite adiante:
Ruas e praças, becos e vielas,
As avenidas amplas, largas, belas,
Sob o vivo esplendor da luz radiante.

Vi-lhe os bairros de lôbregas mazelas;
Os palácios, o nobre orgulho arfante
Dos seus salões, tudo como um passante
Curioso de quadros e de telas...

Oh! a tristeza ardente, comovida,
Dos que vivem na muda indiferença
De uma ruidosa Acrópole incendida!

Oh! a tristeza amarga de quem pensa!
O Tédio, o Spleen, o Ideal, doença da Vida,
Poe, Baudelaire, Leopardi, vossa doença.



SONETO DE ASHVERUS

Amarga vida, como por ti ermo
De alma exaurida e coração deserto!
Tanto rumor, tanta alegria perto
E longe de meus olhos de estafermo!

A cada instante mais ao longe o termo!
Foge a meus olhos o horizonte aberto.
O tardo passo sempre menos certo.
O calor do meu sangue mais enfermo.

E enquanto a noite desce mais do espaço,
Sigo, como num fúnebre cortejo,
Com minha sombra, ao lado, passo a passo...

A morte acena. Finjo que a não vejo,
Embora seja tanto o meu cansaço
Que nem sei se outra cousa inda desejo!



POETAS...

Ele vivia a sua vida ardente
Só, no tropel anônimo da gente.

Triste, comum, banal, quem pensaria
Ser ele tal que na su’alma havia

Alma de poeta que jamais se engana
A flor acesa da miséria humana?

Disse-lhe amiga voz: "Bem desejava
Não fosses nunca essa roseira brava

Que se depara à margem do caminho,
Com tantas rosas, mas com tanto espinho!"

E ele sorriu de tanta ingenuidade.
Que lhe importava a glória da Cidade,

A fama dúbia, o afã que se consome,
O desespero fátuo do renome?

Que lhe importava a civilização
Não descendente de seu coração,

Nem figurando entre os mais bens herdados
Dos seus Heróis e seus antepassados?...

Preferia viver a vida austera
De um ser que não se nega ou degenera

Ou contrafaz os próprios sentimentos,
Vida de tédios íntimos e cruentos,

Mas, inda assim, presa por mil raízes
No coração dos seres infelizes.

Preferia viver como um vencido
Assistindo a esse drama incompreendido

De um povo, como o seu, de todo alheio
À Terra, aos seus instintos, ao seu meio.

Nem por viver fora do mundo ocioso
Deixaria jamais de ter o gozo

Sempre inefável de vazar em versos
Seu desdém pelos parvos e perversos

Cuja filáucia é tanto mais propensa
Às vãs lauréolas quanto menos pensa.

Seria, pois, uma outra voz perdida,
Não no deserto, mas na própria vida.

Voz solitária, intérprete divino,
Dos que procuram novo descortino

E pensam ver nas próprias agonias
Razões amargas de melhores dias.

Vivessem, pois, os mais, nos esplendores
Das Capitais sem glórias ulteriores,

Instintos próprios, íntimas virtudes,
Sãs alegrias nas lareiras rudes.

Ele, porém, seria sempre um poeta,
Um ser à parte nesta vida inquieta,

Um ser que guarda na su’alma obscura
O nobre orgulho de quem se procura

E sente palpitar no sangue novo
A alma incendida de seu próprio povo.

Este era, sim! o férvido terreno
Em que queria ver seu gênio em pleno

E eterno eflorescer de emoção pura:
Frutos do Instinto, flores da Ternura.



A CONSCIÊNCIA

Noite... sombras... silêncio... indefinida
Angústia imponderável pelo ambiente.
Penso, em meu leito, como um ser consciente:
- "Mais um dia de menos para a vida..."-

Como os dias passados - o presente.
Idéias vãs; desesperada lida;
Esforço inútil; alma incompreendida
Em tudo quanto crê ou quanto sente;

A juventude quase no seu termo;
Mente mais débil; corpo mais enfermo,
A nobre fé de antanho menos forte...

Que horror! A consciência, como a aranha,
Tais razões urde e nelas se emaranha
Que só fica a razão final da morte!

Nenhum comentário:

Postar um comentário