sábado, 21 de novembro de 2015

Luís Carlos: "5 Poemas"

HERANÇA BÍBLICA

Na ambição de subir, tornei-me alheio
A tudo o que rasteja pelo mundo.
Cegou-me a glória, no meu largo anseio
De conquistar o que desejo a fundo.

Meu templo de arte no esplendor sonhei-o...
Eis, porém, que, à mercê de um mal profundo,
Os mil encantos desse doce enleio
Se desvanecem todos, num segundo!

Teimo... e, oh! dúvida! a empresa acho-a tão alta
Se amor me sobra para o que pretendo,
Para tanto subir força me falta!

Teimo... e, afinal, depois de tantos anos,
Cego!... é que vejo que eu andava erguendo
A torre de Babel dos desenganos!



SONETO DO CORAÇÃO
(A minha mulher e a meus três filhos)

Dizem que a vida é um trâmite orientado
Para a ventura e a glória ou para a escura
Condição de ostracismo e desventura;
E mesmo se é feliz produz enfado.

Mas nossa vida corre para o lado
Onde a felicidade se afigura,
E não deixa uma sombra de amargura,
Sequer, pelo caminho palmilhado!

A Terra, seara de ouro, até parece
O Céu. Mas por que lei desconhecida
Nunca se encontra joio em nossa messe?

É que o amor leva a angústia de vencida.
E quis, em nós, para que exemplo houvesse,
Fazer de cinco vidas uma vida.



SUTIL VENENO
(A Gomes Leite)

Este anseio... esta dúvida... este medo,
Que o coração me traz em sobressalto;
Medo, por ver que aos preconceitos falto,
Para glória e expiação do meu segredo;

Dúvida e anseio, porque assim procedo,
Na conquista de um bem por demais alto
Para o surto da mente e para o salto
Do corpo, mente em caos, corpo em degredo;

É a condição da minha desventura:
- Trama de invisas lágrimas tecida
Pelos teares da escrita e da leitura!

Nunca me dessem asas para a lida!
Nem eu fora atraído pela altura,
Nem tombara, como Ícaro, na vida.



DOR ESTÉTICA
(A René Thiollier)

A dor dentro da qual vivo em clausura,
Dor que não cede com ser bem sofrida,
Por derivar de incógnita ferida,
Que o bálsamo das lágrimas não cura;

Dor de eleição, ventura e desventura,
Vago esplendor de essência indefinida,
É a cristalização da minha vida,
Porque assim me assoberba, assim me apura.

Sofre-a quem sonda o arcano, que elabora
A expressão da beleza - estranha aurora,
Que virginiza as flores e o alabastro;

E assombra e humilha e acende o heroísmo e eleva
Quando - clarão lustral - exsurge de Eva,
No acordo oculto entre um abismo e um astro.



O POETA

Ninguém saiba quem sou. Quero viver sepulto
Na minha solidão grandíloqua de asceta,
Preferindo aos clarões do mundo a luz secreta,
Que aclara, quando é sonho, e abrasa, quando é culto.

Perpasse eu pela vida aparentando um vulto
Envolto no pudor, como visão discreta.
Mas que surja, por fim, transfigurado em poeta,
Da crisálida azul em que o meu ser oculto.

E, através da efusão fecundante do dia,
Suba àquelas regiões, de onde os sóis não se somem,
No equilíbrio imortal da suprema harmonia.

E fique no esplendor que as eras não consomem,
Provando, pela glória estranha da poesia,
Como pode caber um deus dentro de um homem!

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