quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Catulo da Paixão Cearense: "5 Poemas"

A VAQUEIJADA
Ao Dr. Annibal Pereira

Foi coisa d’uns vinte ano.

*
Na Fazenda do Moitão,
eu fiz, n’uma vaquejada,
a mais grande das currida
dos sertão do meu sertão.

Mais de vinte boiadêro,
vindo de todo lugá,
tinha chegado de fora
prá pega do boi-Crôá.

Há munto tempo ele andava,
pulos mato amucambado,
disafiando os vaquêro
da minha terra natá.

Boca Negra, Chico Quebra,
Liôpôrdo Cabeça Sêca,
Zé Braúna, Mâoquitóla,
João Furréca, Zé Cachimbo,
Manué Francisco Pelado...
os cabra mais surungado,
chegava naquele dia
prá péga do arrenegado,
o boi de mais arrilia!

João Peráo, que era um vaquêro
de mais de oitenta janêro,
nacido no Ciará,
inda sendo chamurrinho,
tinha insinado o boizinho
prá não dexá se pegá.

Aquele boi rebolêro
nunca teve no currá.

João Peráo era o avô
d’uma linda cabrochinha
d’uns óio munto quiláro
e uma bunita carinha,
que tinha o nome de — Amparo,
mas porém que era chamada
lá na Fazenda: — A Lindinha.

O véio, que, no seu tempo,
foi o mais grande campêro,
e dos cabeça de campo
o premêro sêmpe foi,
jurou, prú vida e prú morte,
que a Lindinha só casava
cum o curibóca de sorte
que inxucaiásse esse boi.

Quando eu pensei, meu patrão,
um dia casá cum ela,
senti frio na ispinhéla,
e cósca no coração.

A cabrocinha era linda
cumo a frô do mussambé!

Tinha relampo nos óio,
que nem fôia de quicé!

Foi dendê piquinininha
que eu amava a ela ansim...

Quando eu não via Lindinha,
ficava longe de mim!

Prá quê tá róbando ainda
o tempo de vassuncê,
se é impussive dizê
cumo Lindinha era linda?!

Se aqueles grande vaquêro
vinhéro lá d’outras banda,
cum tamanha afobação,
não foi só prú móde a neta
de João Peráo, meu patrão!

Foi prá fazê meu cavalo
perde a fama que tinha
prú todo aquele sertão!

Mas porém, patrão, eu ria
de toda essa cabruada,
pruquè eu, patrão, cunhicía
a corage do cavalo,
que se chamou: — Ventania!

Nos sertão da Paraíba,
de Maceió, da Bahia,
do Piauí... do Ciará...
a fama desse animá
de boca im boca curria.

...................

Agora eu vou li falá
do casarão da Fazenda,
prá vassuncê me iscutá.

O casarão da Fazenda
táva no meio da varge
de rastêro capinzá.

D’um lado táva a muenda,
a roda da bôlandêra,
o ingenho de muê cana,
tândo a casa de farinha
do outro lado de lá.

O currá de pau a pique,
junto a ipuêra aguaçada,
cercado de xique-xique,
era a casa da boiada.

No pé da serra, prú baxo
dos verdoso catolé
que assombriava o terrêro,
táva as casa de sapé,
que era os rancho dos vaquêro.

Ha munto já que era noite!

Os cabra, naquela hora,
os que chegáro de fora,
já táva tudo arranchado,
nos seus fiango deitado,
iscutando o Mãoquitóla,
brincando cum os cinco dedo
na boca d’uma viola!

óiando a cara da lua,
iscundida atrás do tronco
do impinado macujé,
Manué Pelado cantava
uns acalanto tão triste,
que lá prá os mato avuáva,
cumo a percura do ninho
d’um coração de muié.

Manué Pelado cantava!...
Mãoquitóla acumpanhava!

E esse violêro mingóla
só pindurou a viola,
quando o galo romanisco,
fogoso, as asa bateu,
sortando o grito sôdoso
do prêmêro disafio,
e acordando os cupanhêro,
que, de longe, arrespondeu!

Tudo entonce arrépozava!

A vaquêrama roncava!

Não se uvía mais um pio,
a não sé o disafio
dos sapo, dento dos brêdo,
os cachorro da Fazenda
latindo prás sombra roxa
das foiáge do arvoredo,
e, longe, n’uns arripio,
o choro doce e macio
desse violêro o — Silenço —
cantando... chorando as magua
nas corda d’água do rio!

Toda a Fazenda drumía!

Táva a noite que nem dia!

A lua inté paricia
uma frô dos aguapé,
e as istrela era as abêia,
de todo o lado avuando,
prá vim chupa o seu mé!

Vendo a lua cumo táva,
váincé jurava, jurava
que as água que lá da crista
da serra vinha rolando,
era o lua que caia
do céo e, branco, iscurria,
nas pedra se isfrangaiando!

Ansim, levei artas hora,
pitando o meu catimbáo,
inté que ferrei no somno,
pensando no meu cavalo,
e nela... (o patrão já sabe!...)
a neta do João Peráo.

...................

De minhã, quando acordei,
cum os suspiro das foiáge,
saluçava as ribaçã!

O Só — rocêro do céo —
quêmáva os mato das nuve,
na quêmada da minhã!

Cum a passarada a cantá,
a vaquêrama acordando,
foi os cavalo arriando,
prá viage cumeçá.

Cum a roupa toda de couro:
Boca Negra, n’um turdío;
Chico Quebra, n’um pedrez;
Cachimbo, n’um alazão;
Liôpôrdo Cabeça Seca,
n’um lindo russo pratiado;
Zé Braúna, n’um cardão;
Mãoquitóla, n’um fouvêro;
Furréca, n’um russo pombo;
Manué Francisco Pelado,
n’um bagacêro mazombo,
um cavalo trupizúpe,
cum um fucinho de gambá...
os cabra mais famanado...
já táva tudo amuntado,
correndo daqui prá lá.

Meu cavalo Ventania,
que tinha uma istrela branca
purriba mêmo da testa,
e apostando uma carrêra
cum o vento, o vento perdia,
batendo o pé, iscarvando,
e óiando prá cabôquinha,
rinchava inté de aligria.

Seu capitão fazendêro
deu o siná da partida,
e a vaquêrama partia.

*
 Distante, já munto longe,
a Fazenda se assumia,
e a cabôquinha indiabrada,
num guabijuêro atrepâda,
ainda adeus me dizia!

...................

Os vaquêro já sabia,
mais ou mêno, onde pastava
esse bôióte mardito,
que im toda parte morava.

Era prá raiz da serra
que pastava o barbatão:
logo, entonce, lá prá serra
a gente trôcêu a mão.

Um carguêro que tópêmo
na meia lua da istrada,
disse té visto o bôióte
na sumana arretrazada.

Pulos sina que ele dava,
se não era a caruára,
o diabo do boi andava
cruzando a varge da Arara.

*
 Assuntando nessas coisa,
im caminho lá da serra,
a gente já tinha andado
um bom pedaço de terra.
O dia táva no meio,
e o Só quente de matá!

Entonce, disapiêmo,
e fumo tudo armuçá.

Tirando o armoço do arfórge,
que já táva apreparado,
o armoço era tão gostoso,
que im mêno de dois minuto
a gente táva armuçado.

Rapadura cum farinha!...

Meu Deus!... Que sastifação!

Ai, que sôdade das água
que tem o chêro da terra,
e esse gosto de sereno
das cacimba do sertão!

...................

Já tândo tudo armuçado,
de novo, tudo amuntado,
caminhando lá prá varge,
cum Deus e a Virge Maria,
fumo siguindo a viage.

As duas hora da tarde
a gente se suparou.

Cada um da vaquêrama
o seu atáio tumou.

Rezei prú mim, prú Lindinha,
prú meu cavalo, e, despois,
sortando a camba do freio,
pidi a Deus que levasse
pulos caminho a nós dois!

Fui andando! Fui andando!

O Só, patrão, discambava,
quando eu passava na bêra
d’uma pequena lagoa,
e uvindo cumo o mugido
do boióte amucambado,
ispirrei pulos ispinho,
cumo um diabo ispritado.

O mato táva crivado
dos istrépe mais danado!

Mandacaru, xique-xique,
lambe-bêço, parmatóra,
faxêro e crôa de frade,
macambira, unha de gato...
é os ispinho mais duro
que a gente incontra nos mato!

Desses ispinho, patrão,
o sangue já iscurria
da minha cara e das mão,
cumo iscurria, vremêio,
do peito de Ventania,
desse cavalo turéba!

Tumei mêmo pulo buzo
um trago de manduréba.

Mas porém, quando o cavalo
amarrava n’um oiti,
lá, da perna da baxada,
de donde o vento assoprava,
parece que inda isentava
o mugido que eu uví!

Sartei de novo na sela,
sôrtei a camba do freio,
na istrela branca da testa
bati ansim, cum esta mão,
e me afundei pulas sombra
dos ispinho do grotão!

Pulando, cumo um danado,
fui rompendo mato a dento!...
Era impussive, patrão,
ficá na sela um momento!

Os gaio seco das árve,
os ramo dos móróró,
o arrendado dos cipó...
é uma infernêra, é um pirigo!...
É o mais lapiado inimigo!
É a morte, sim, meu patrão,
e morte tão disgraçada,
que sementes pula sorte,
pulo sabê campiá,
um hôme pôde iscapá
do istrépe frio da morte!

Às vez, um hôme, patrão,
tem de ficá prú dibáxo
da barriga do animá,
que vai baxando, baxando,
cum a gente, rente do chão,
sem na carrêra apará!...

É uma coisa naturá!

O hôme foge da morte,
e o animá quê se sarvá!

*

Vassuncê tá custumado
a vê só essas porquêra
das curtida de bestêra
da Capitá, meu patrão!
Não pode fazê indéa
do valô da cabruada,
no corrê das vaquejada
das terra do meu sertão.

Esses cavalo cumprido,
fidargo, de perna fina,
não vale, não, meu sinhô,
o cavalo d’um vaquêro,
que é manso, cumo um amigo,
mas porém, vendo o pirigo,
é um animá de valô.

Currida n’um campo aberto,
é munto bom de corrê!...
Mas porém, mande esse Joke,
vistido de bunequinho,
corrê nos mato de ispinho...
e entonce é que eu quero vê!...

* 
Patrão, discurpe! Eu dizia
que pulos mato curria
no sucáro do Crôá,
quando isbarrei, de repente,
uvindo lá p’ra outras banda,
danado, o buzo assoprá!

Vortei prá atrás! Cum certeza,
eram argum dos cumpanhêro,
que tinha inxergado o vurto
desse boi caromboêro.

Vim topá cum o Mãoquitóla,
que táva assoprando o buzo,
na ponta d’uma chapada,
chamando, cum desispêro,
pulos outro camarada.

Im mêno de dez minuto,
n’uma valente currida,
a vaquêrama chegando
de toda banda, afobada,
já táva ali riunida.

Mãoquitóla, esse vaquêro
que dos sertão da Bahia
o prêmêro sêmpe foi,
apontava prá o caminho,
adonde táva o sucáro
das pisada desse boi.

Prú dibaxo da coirama
os coração parpitava!

O Crôá não munto longe
daquelas mata pastava.

Táva a gente arrezôrvendo
o cerco do boi, patrão,
quando passava a boiada,
cum os boiadêro guiando,
uns atraz e outros cantando
na frente do boiadão.

Tinha fartado um campêro!...
Zé Braúna... Sim, sinhô!

Mãoquitóla pega o buzo
e cum sustança assoprou,
quando um boi... um boi arisco,
pulos mato adisparou!

Os outro foi istórando
prá todo os lado da istrada,
cum a armação alevantada,
n’uma carrêra inferná,
que inté fazia pensá
que o mundo se ia acabá
naquela grande istralada!

Era o arranco da boiada!

Cum seiscentos mir diabo!...
Era prá dá o cavaco!...
Apois se tinha perdido
todo o siná do sucáro
do Crôá, do boi veiáco!

Caía a tarde, patrão!

Mais longe, um tamarinêro,
cum o Só purriba das fôia,
lá num monte impulêrádo,
paricia um passo verde
cum o seu tupéte incarnado.

Cada um, de vez im quando,
no buzo um assopro gimia,
prá iscutá se o Zé Braúna
cum outro assôpro arrespundia.

E, cumo a noite caía,
nossos cavalo amarrando,
cada quá, naqueles mato,
bem ou má, foi-se deitando.

A sela é um bom cabecêro,
macio, cumo ele só!

Era noite! Já se uvia,
lá, na serra, os noitibó!...

Despois, entre a iscuma verde
d’uma moita de tabóca,
a lua vinha nacendo,
cumo um bolo de mandioca.

Manué Pelado, o ciarenço,
cum o bahiano Mãoquitóla,
cantava outro disafio,
sem as corda da viola.

E, ansim, uvindo os dois cabra,
pitando o meu catimbáo,
ferrei no sono, pensando
no meu cavalo e sonhando
cum a neta do João Peráo!

...................

De minhã, quando acordei,
e, cumo os outro vaquêro,
fui meu cavalo arriá,
butei o buzo na boca,
apois o Manué Pelado,
esse ladrão disgraçado,
que veio lá do Ciará,
tinha, de noite, róbádo
o meu cavalo adorado,
dêxando o seu trupizúpe,
o seu cavalo zarôio,
cum o fucinho de gambá!

Mas porém, eu bem sabia
que o ladrão não cunhicia
o segredo lá da istrela
do meu alazão dorado!

Não se batendo na istrela,
o cavalo não curria,
era um pangaré pesado!

E Ventania sabia
que já não era seu dono
que táva nele amuntado!

Se eu tivesse um bom cavalo,
quem sabe se inda eu pudia
pegá o Manué Pelado?!

Liôpôrdo Cabeça Sêca,
que era um vaquêro danado,
jurou prá mim que ele havára
de arcançá meu Ventania
cum o seu russo Pratiado!

Bem sei o que ele quiria,
esse cabra iscumungado!

Não teve um só cumpanhêro
que não sintisse, patrão!

Cumo é que um hôme, cantando
cumo esse hôme cantava,
pudia sê um ladrão?!

E dendê aquele momento,
nem mais no boi se falou!

Os campêro, ispóriado,
nos seus cavalo amuntou!
O que haverá eu de fazê?!
Amuntei no trúpizúpe,
no pangaré do Pelado,
e dei de ispóra a valê!

D’aqui, d’ali, d’acolá,
infim... de todos os lado,
era pérciso ataiá
esse cabrocha safado!

A gente entonce ajustou
que o prêmêro que inxergasse
Manué Pelado, assoprasse
no buzo, cum toda a força
que Deus nos peito butou!

...................

Meia hora já passada!
Inda nem buzo!... Nem nada!

Táva andando ao Deus dará,
amuntado no tanjão,
no cavalo do ladrão,
quando inxerguei o Crôá,
fugindo da cavalada,
n’uma grande disparada,
— farsiá n’uma barrêra,
e rolá, na ribancêra,
prós fundo d’um cacimbão!

N’um abri e fechá dos óio,
butei a mão do mardito
travessada na armação!...

Cortei um pau n’um Pau Ferro,
puz no pescoço o cambão,
butei despois o xucáio...
e fui me imbora, siguindo,
a percura do ladrão!

Mais adiente, patrão,
(vêje a sorte cumo é!)
firido de metê dó,
táva o Braúna deitado
na sombra de um bóróró!

Contando o causo passado,
eu disse que ele pudia
dizê pró véio, pró avô,
que ele táva ansim firido,
pruquê foi ele somentes
quem deu no boi a mussica,
e, despois, inxucaiou.

Eu sabia que esse cabra
trazia pula bichinha
o peito cheio de amô.

Contei que o Manué Pelado
tinha o cavalo róbado,
e, sem o meu cumpanhêro,
não pudia ali ficá!

Dexava de sé vaquêro,
prá nunca mais campiá!

Eu disse pró Zé Braúna:
“Zé Braúna, se eu topasse,
agora, o meu Ventania,
inda sortava o Crôá,
prá despois, n’outra currida,
esse boi inxucaiá,
e entonce, cum orguio e glóra,
cum a Lindinha me casá”.

Não acabava a prépósta,
que fazia pró cafuzo,
quando, de todos os lado,
uvi o grito dos buzo!

Era os vaquêro correndo
no meio do discampado,
atraz da sombra mardita
do ladrão arrenegado!

Liôpôrdo Cabeça Sêca,
cabra sarado e valente,
galopando a todo freio,
era o que vinha na frente.

Boca Negra, cum o cavalo
trupicando na carrêra,
tinha caído, firido,
ao pé d’umas pacovêra.

Chico Quebra e Zé Cachimbo,
travessando um córgozinho,
apontava lá prá longe,
prá istirada do caminho.

João Furreca e Mãoquitóla,
do outro lado da serra,
varava um mato de ispinho.

Liôpôrdo, sêmpe na frente,
riscando, tútúbiou;
e, cumo dizadorado,
prú té perdido de vista
o miserave, o marvado,
puxando o freio... isbarrou.

Eu vinha atraz!... Mas porém,
quando arcancei o Liôpôrdo,
que ainda táva aparado
no xancro da incruziada,
o ladrão ia cruzando
o atáio d’uma picada!

Foi tanta a sastifação,
que se eu não tapasse a boca,
ficava sem coração!

Liôpôrdo Cabeça Sèca
me disse entonce: “Eu te juro
que im mêno de três minuto,
o meu Russo Pratiado
vórta aqui cum o teu cavalo,
esse cuéra famanado!”
................ E disparou!

Ele curria!... Eu curria!
Ele, na frente! Eu, atraz!
Liôpôrdo, dizimbestado,
cada vez curria mais!

Cada vez mais, meu patrão,
Liôpôrdo Cabeça Sêca
ia ficando mais rente,
mais pertinho do ladrão!...

Curria!... Curria!... E quando
a mão dereita istendia
prá agarrá no tapití!...

Quando assuntei, quando eu vi
que esse cabra só quiria
dishonrá meu Ventania,
meu cavalo dishonrá,
eu li ensinando o segredo,
gritei pró ladrão: “Mardito
Bate na istrela da testa,
e corre e foge sem medo,
que nem Deus te pegará!”

*

Ai! patrão!

...................

Im mêno de dois minuto,
férmoso, socando a terra,
vi meu cavalo assubindo,
avuando, cumo uma pena,
pulas groguéia da serra,
dêxando o Cabeça Sêca
atraz, prá atraz, munto atraz,
imquanto eu chorava e ria,
mandando pró meu cavalo,
que lá no espigão da serra,
do outro lado se assumia,
— um adeus, prá nunca mais!

...................

Perdi a muié, que amava,
e esse animá, que adorava,
cumo eu nem sei dizê, não!...
Mas porém sarvei a fama,
sarvei a honra e a nobreza
do meu cavalo, patrão!



LUAR DO SERTÃO
(Letra de música)

Não há, oh gente 
oh não, Luar 
Como esse do sertão
Oh que saudade 
Do luar da minha terra 
Lá na serra branquejando 
folhas secas pelo chão

Este luar cá da cidade 
Tão escuro 
Não tem aquela saudade 
Do luar lá do sertão

Não há, oh gente...

Se a lua nasce 
Por detrás da verde mata 
Mais parece um sol de prata 
Prateando a solidão

E a gente pega 
Na viola que ponteia 
E a canção 
É a lua cheia 
A nos nascer do coração

Não há, oh gente...

Coisa mais bela 
Neste mundo não existe 
Do que ouvir-se um galo triste 
No sertão, se faz luar

Parece até que a alma da lua 
É que descanta 
Escondida na garganta 
Desse galo a soluçar

Não há, oh gente...

Ah, quem me dera 
Que eu morresse lá na serra 
Abraçado à minha terra 
E dormindo de uma vez

Ser enterrado 
Numa grota pequenina 
Onde à tarde a sururina 
Chora a sua viuvez

Não há, oh gente...



AI DE MIM!

Foi um sonho te querer com doido amor
Foi loucura penhorar-te o coração
Dá-me mesmo assim ferido esse penhor
Não te peço nem te imploro gratidão
Guardo dentro deste peito por te amar
Uma dor que sempre e sempre cresce mais
Nem a tua ingratidão me vem matar
Nem a tua ingratidão me abranda os ais

Ai de mim! Ai de mim!
Por que matar-me assim?
Por que matar-me assim?

Este amor, ó este amor, me foi fatal
Nunca mais o meu sossego encontrarei
Tu, travessa, sorridente e jovial
Eu, em busca de minh’alma que te dei
Mas não posso te dizer por que razão
É mais doce o azedume desta dor
Serei teu e teu será meu coração
Não te posso, ó não, negar tão santo amor!

  

CHICO BELEZA

Pulas areia da istrada,
Cum as perna já meia bamba,
Um dispotismo de gente
Vinha cantando num samba,
Fazendo grande berrêro!

Quem puxava a istruvunca
Era o Manué Cachacêro,
O mais grande dos violêro,
Que im todo sertão gimia!
E era ansim que ele cantava
E no canto ansim dizia:

"Diz os véiu de outras éra
que quando São João sintia
sôdade de Jesú Cristo
e de sua cumpanhia,
garrava logo na viola,
prá chorá sua sôdade
e a sua malincunía!

Entonce logo os apóstro,
Assombrando o istruvío,
Cada um seu pé de verso
Cantava no desafío

A Mãe de Cristo chorava
e as agua que derramava
da fonte do coração,
caia nas corda santa
da viola de São João!

Pru via disto é que o pinho,
instrumento sem rivá,
quando se põe-se chorando,
se põe-se a gente a chorá".

Foi aí, nesse festêro,
que vi o Chico Sambêro,
um sambadô sem sigundo,
mas porêm feio, tão feio,
que toda gente dizia
que foi o hôme mais feio
que Deus butou neste mundo!

Tinha cara de preguiça,
cabeça de mono véio,
e pescoço de aribú!
A boca, quando se ria,
taquarmente parecia
a boca de um cangurú!
Tinha as oreias de porco
e os dentes de caitetú!
Tinha barriga de sapo,
e o nariz, impipocado,
figurava um genipapo!

Os braços era taliquá
dois braços sirigaitado
d′ um veio tamanduá!
Os óios - dois berimbau!
As pernas finas alembrava
as pernas d′ um pica pau!
O queixo de capivara
tinha um bigode pru riba,
que quase tapava a cara!
O cabelo surupinho
era, sem tirá nem pô,
cabelo de porco espinho!

Im conclusão, prá findá,
tinha os dedos de gambá,
os hombros redondo e chato
e os pé que nem pé de pato!

Inda mais prá cumpletá
aquela xeringamança
e feiúra de pagóde,
o hôme quando se ria,
era um cavalo rinchando,
e quando táva suando,
tinha um ôroma de bóde.

Apois bem. Esse raboeza,
que era prú todas as bocas
chamado: Chico Beleza;
esse horríve lobizome,
que era mais feio que a fome,
mais feio que o Demo inté
quando as pernas sacudia,
sambando nargum banzé
enfeitiçando as viola,
apaixonando as muié,
trazia tôda as cabôca,
cumo um capaxo, dibaxo,
das duas sóla do pé!



O AZULÃO E OS TICO-TICOS

Do começo ao fim do dia,
Um belo azulão cantava, 
E o pomar que atento ouvia
Os seus trilos de harmonia
Cada vez mais se enflorava.

Se um tico-tico e outros bobos
Vaiavam sua canção, 
Mais doce ainda se ouvia
A flauta desse azulão.

Um papagaio, surpreso
De ver o grande desprezo 
Do azulão, que os desprezava,
Um dia em que ele cantava
E um bando de tico-ticos 
Numa algazarra o vaiava, 
Lhe perguntou: "Azulão,
Olha, diz-me a razão
Por que, quando estás cantando
E recebes uma vaia 
Desses garotos joviais,
Tu continuas gorjeando,
E cada vez cantas mais?!"

Numas volatas sonoras,
O azulão lhe respondeu:
"Meu amigo, eu prezo muito
Esta garganta sublime,
Este dom que Deus me deu!

Quando há pouco, eu descantava,
Pensando não ser ouvido 
Nestes matos, por ninguém,
Um sabiá que me escutava,
Num capoeirão, escondido,
Gritou de lá: "meu colega,
Bravo!....Bravo!...Muito bem!"

“Queira agora me dizer:
Quem foi um dia aplaudido
Por um dos mestres do canto,
Um dos cantores mais ricos 
Que caso pode fazer
Das vaias dos tico-ticos?!”

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