sábado, 21 de novembro de 2015

Múcio Leão: "5 Poemas"

REENCARNAÇÃO

Quando, no eterno, fúnebre quadrante,
Meu momento final soar, cair;
Quando tu vieres, lacrimosa amante,
Todo de roxos lírios me cobrir;

Nesse supremo, nesse infindo instante,
A que constelações irei subir?
Em que estrela fantástica e radiante
Irei de novo ser e amar e rir?...

Que formas outras, nessas outras vidas,
Florindo sob estranhos firmamentos,
Irá o meu espírito sofrer?

Cansado das angústias doloridas
Da existência de agora - que tormentos
Irei de novo em outros mundos ter?



REDENÇÃO

Quando eu morrer, a minha íntima essência
Não se há de desfazer, como um clarão:
Há de ficar - beleza, amor, consciência -
Resistindo à final dissolução.

Nessa alta e metafísica existência,
Hei de sentir, na eterna solidão,
Os milagres da vasta efervescência
De um cosmos novo em nova floração.

Sei que a minha alma há de ficar no espaço,
Nos encantos do amor em que vibrei,
Nos estos longos de um divino abraço,

Na glória enganadora a que aspirei,
Na amargura dos verãos que hoje faço,
Nos sonhos vãos em que me dispersei.



EXPIAÇÃO

Muitas vezes, a sós, na desventura,
Volvo a mim mesmo um longo olhar austero,
Um olhar que interroga... e considero
Os abismos de fogo da amargura.

Que deus poderá ser o deus severo,
Que fez cair sobre a minha alma impura
A noite do abandono e da tortura,
Em que desvairo e em que me desespero?

Que pecados trouxe eu das outras vidas?
De que faltas antigas cumpro agora
As penas tristes e descomedidas?

Que alma infeliz dentro em minha alma implora?
Em que velhas estrelas escondidas
Fui réu de crimes sem lembrança, outrora?



OS PAÍSES INEXISTENTES

- Queres partir comigo para países muito distantes,
Para países que dormem,
Embalados por oceanos que ninguém conhece?

Oh! Vamos juntos! Vamos partir para esses meus
mundos misteriosos!
Levar-te-ei a planícies brancas, cobertas de neve
como as do Alaska.
Verás que há na altura um sol gelado, envolto na poeira
nívea da neve.
E verás que um vento - um vento que uiva nos montes alvos -
Vem beijar teus cabelos cheirosos.

Levar-te-ei a montanhas encantadas, onde habitam
dragões de olhos de fogo.
Verás que no céu as estrelas se desfazem,
Mandando raios doirados coroarem tua fronte serena.
Levar-te-ei às ilhas paradisíacas,
Que estão dormindo no ritmo das ondas mansas.
Lá as árvores dormindo no ritmo das ondas mansas.
Lá as árvores cheias de sombras são feitas de humanas ternuras
E os pássaros que cantam têm uma voz límpida como violinos.

Levar-te-ei a esses mundos estranhos,
A esses mundos formosos que nunca ninguém viu.

E tu hás de repousar a cabeça no meu peito,
Deslumbrada pelos meus países inexistentes.



CONTRIÇÃO

Eu não te mereci. Eras bela e eras pura.
Havia na tua alma um secreto esplendor,
Misto de suavidade, emoção e ternura.
E essa luz era o amor!

Um dia, meigamente, amada peregrina,
Vieste pousar, sorrindo, o teu olhar no meu.
E havia no teu ser uma graça divina,
Um encanto imortal, que logo me prendeu.

Eu pude acreditar, quando chegaste, linda,
Para mim descerrando a mais clara manhã,
Que em tua luz feliz, que em tua luz infinda
Se me abria Canaã.

Perdoa, seu eu, que sou imperfeito, um momento
Ousei volver o olhar à tua perfeição,
Implorando um sorriso ao teu recolhimento,
Implorando um carinho à tua solidão.

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