quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Omar Salomão: "5 Poemas"

APAGADAS LUZES

eu escrevo no escuro pra não te acordar
acompanho com pupilas cegas
adivinhando fileiras de letras
extensões, linhas, calculando espaços hipotéticos entre,
sem ter a certeza de onde,
sem saber nem ao menos se de fato existem
ou se no caminho entre o movimento dos meus dedos e a ponta de metal
a tinta das minhas palavras secaram,
deixando apenas o papel marcado em leve relevo,
frases transparentes,
quando, ao nascer do dia,
eu já as tiver esquecido,
tentarei recuperá-las.

a caneta dança, ágil, vaidosa, inútil
e o papel nu, branco no escuro
e eu , na sombra, escrevo e escrevo esse fluxo insone
enquanto você respira suavemente no meu ombro e baba.


PLANOS

o fio d’água
rente a calçada
some entre
as brechas da boca do bueiro
sobra apenas o
delicado som de queda

você ouve o que eu ouço?
o sangue no vidro
fiapos de espelho
cortando meus dedos
fileiras de insulfilm
desencapando o asfalto
rimos
seguindo as linhas no retrato
arrastado pela rua
o cimento no seu riso surdo
de orelha a orelha
todos os retratos do mundo
são nossos amor
todos os sorrisos
são velhos
todos os risos
perdidos
já vivemos tanto
amor
a luz que rasga entre
as copas das
árvores
e o farol alto
me procura
flores sobre os fios
o que lê refletido
no brilho fino
alcalino dos sorrisos
atrás de ajuda
nos anúncios coloridos
neon e vidro
rimos, muito, amor


OURO

são poemas que se perdem
tosses que me tiram o sono
ideias soterradas sob
capas de cadernos que deixei de abrir
sobe, sobe, sobe, sobe!
são paulo me esmaga
que sentido teria se não o fizesse?
tvs desreguladas
refletindo azul demais nas paredes da sala
as pétalas não querem abrir
antes disso
as raízes que racharam o asfalto secam nesse frio
atropeladas



POR QUE NÃO?

Biscoito não serve
Só se diz bolacha
Ah, me deixe beijos, delegada
Agrados e mais
Os garfos e serras
dos gafanhotos
pra destruir
colheitas e previsões.
Santos já temos todos
Feito Bahia e Pernambuco.
Banana, cacau e canela.
Café também.
Falta genipapo,
Mas ameixa e jabuticaba
servem.
E seu nome, talvez.


À DERIVA

 Grilhões e serpentinas

 Esperanças à toa se partem
chaves perdidas, sem serem usadas
Vultos passam, quem deixa as marcas?

Estendo a mão para me agarrar em algo
Cartas e búzios indicam o caminho
Salto no abismo,
Uma corda ao pé
Outra ao pescoço

Em queda
Desato os nós dos dedos
E com um passar de mão
As paredes desabam
Uma a uma

E vou-me ao fundo
E vou-me ao longe
E vou-me além



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Fonte:
revista Brasileira: Fase VIII - Julho-Agosto-Setembro 2014 - Ano III - Nº 80

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