APOSIOPESE
Por baixo do
silêncio mais comum e eloquente,
no inexpressivo
corpo revestido de palavras,
haverá sempre a
angústia do grito silencioso
e o gosto
perfumado das brumas do silêncio
que tateio
taciturno e libertino nas altas horas.
No entanto, vem
também o silêncio longínquo,
de dentro, do
segredo, da autocensura,
do implícito
sigilo ao sossego mais ruidoso,
da privação do não
dizer, do calar e do mentir
sobre a força do
enigma no recôndito da vida.
(A areia
ruidosa... no mais íntimo deserto
uma luz do
silêncio cantará nas conchas).
O LUTADOR
E claro, poeta,
que é preciso lutar com as palavras,
mas lutar também
com os surdos e os absurdos.
Lutar com a
língua, com a fala, a gramática
os acentos, a
retórica, a estilística, a ética
e a falta de, a
fácil, a falsa inspiração.
É preciso lutar
com as namoradas, o casamento,
o trabalho, a
leitura (dele e dos outros),
os parentes, os
amigos, os inimigos,
os colegas, os
editores e os críticos.
O poeta tem de
lutar contra si mesmo
contra a preguiça,
o tédio e a repetição
e sobretudo tem de
lutar contra a sábia
hipocrisia dos
teólogos improvisados.
Só não tem de
lutar com a eternidade:
ela vem chegando
de mansinho
acende mais e mais
a sua fé
e em meio a tanta
luta e labuta,
se insinua leve e
absoluta
como (como mesmo)
um biscoito de araruta.
SUJEITO LÍRICO
Eu, animal de gula
e fantasia,
eu raramente
invoco a minha musa,
dessas de carne e
de osso e bem real,
cuidando de
levá-la para o centro
do poema; depois
parti-la em sílabas,
vendo-a no mar, no
céu, nalguma trilha
que não desperta
inveja dos possíveis
leitores de olho
grande, qualquer forma
de atropelar o
nível de alegria
que se percebe
sempre nos meus versos.
Com a musa por
perto fica fácil
rascunhar um
soneto e na gaveta
deixá-lo
adormecer, acostumando-o
à patina do amor
na eternidade.
FRUTAS DO CERRADO
Um ser estranho –
bicho? homem?
tipo talvez de
lobisomem,
sai de manhã
catando frutas
pelas planícies,
pelas grutas.
Na terra seca do
cerrado,
vai andando, meio
curvado,
os braços longos,
cabeludo,
conhece a terra e
sabe tudo,
sabe o código do
sertão
mesmo andando na
contramão
ou de lado, ser
esquisito
com cheiro de onça
ou de cabrito,
nunca deixa
rastros e engole
todas as cascas,
mas o mole
deixa para os
seres pequenos
que rastejam pelos
terrenos,
ratos, besouros,
lagartixas,
aqueles que vivem
sem rixas
e vai também
deixando juntas
as frutas mais
doces, as muitas
tipo caju,
mama-cadela,
araticum, ingá,
marmelada
de cachorro,
gabiroba
(e até palmito de
gueroba),
murici, guapeva,
araçá
e mais jatobá,
gravatá,
o belo da
jabuticaba,
o doce cheiro da
mangaba,
o fulvo sol do
pequi
(nesta saudade
daqui),
tudo o que o homem
aprecia
e vai comendo na
poesia.
– Ali vai ele,
abaixa e ajunta,
e não responde nem
pergunta:
o ser estranho,
vai curvado
pela fartura do
cerrado.
CHÁ DA CINCO
A Jorge Amado
chá de poejo para
o teu desejo
chá de alfavaca já
que a carne é fraca
chá de poaia e
rabo de saia
chá de
erva-cidreira se ela for solteira
chá de beldroega
se ela foge e nega
chá de panela para
as coisas dela
chá de alecrim se
ela for ruim
chá de losna se
ela late ou rosna
chá de abacate se
ela rosna e late
chá de sabugueiro
para ser ligeiro
chá de funcho
quando houver carunhco
chá de trepadeira
para a noite inteira
chá de boldo se
ela pedir soldo
chá de confrei se
ela for de lei
chá de macela se
não for donzela
chá de alho para
um ato falho
chá de bico quando
houver fuxico
chá de sumiço
quando houver enguiço
chá de estrada se
ela for casada
chá de marmelo
quando houver duelo
chá de douradinha
se ela for gordinha
chá de fedegoso
pra mijar gostoso
chá de cadeira
para a vez primeira
chá de jalapa
quando for no tapa
chá de catuaba
quando não se acaba
chá de jurema se
exigir poema
chá de hortelã e
até manhã
chá de erva-doce e
acabou-se
(pelo sim pelo não
chá de barbatimão)
---
Fonte:
Revista Brasileira: Fase VIII - Abril-Maio-Junho 2014 - Ano III - Nº 79
Nenhum comentário:
Postar um comentário