quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Gilberto Mendonça Teles: "5 Poemas"

APOSIOPESE

Por baixo do silêncio mais comum e eloquente,
no inexpressivo corpo revestido de palavras,
haverá sempre a angústia do grito silencioso
e o gosto perfumado das brumas do silêncio
que tateio taciturno e libertino nas altas horas.

No entanto, vem também o silêncio longínquo,
de dentro, do segredo, da autocensura,
do implícito sigilo ao sossego mais ruidoso,
da privação do não dizer, do calar e do mentir
sobre a força do enigma no recôndito da vida.

(A areia ruidosa... no mais íntimo deserto
uma luz do silêncio cantará nas conchas).



O LUTADOR

E claro, poeta, que é preciso lutar com as palavras,
mas lutar também com os surdos e os absurdos.
Lutar com a língua, com a fala, a gramática
os acentos, a retórica, a estilística, a ética
e a falta de, a fácil, a falsa inspiração.

É preciso lutar com as namoradas, o casamento,
o trabalho, a leitura (dele e dos outros),
os parentes, os amigos, os inimigos,
os colegas, os editores e os críticos.

O poeta tem de lutar contra si mesmo
contra a preguiça, o tédio e a repetição
e sobretudo tem de lutar contra a sábia
hipocrisia dos teólogos improvisados.

Só não tem de lutar com a eternidade:
ela vem chegando de mansinho
acende mais e mais a sua fé
e em meio a tanta luta e labuta,
se insinua leve e absoluta
como (como mesmo) um biscoito de araruta.

  

SUJEITO LÍRICO

Eu, animal de gula e fantasia,
eu raramente invoco a minha musa,
dessas de carne e de osso e bem real,
cuidando de levá-la para o centro
do poema; depois parti-la em sílabas,
vendo-a no mar, no céu, nalguma trilha
que não desperta inveja dos possíveis
leitores de olho grande, qualquer forma
de atropelar o nível de alegria
que se percebe sempre nos meus versos.

Com a musa por perto fica fácil
rascunhar um soneto e na gaveta
deixá-lo adormecer, acostumando-o
à patina do amor na eternidade.



FRUTAS DO CERRADO

Um ser estranho – bicho? homem?
tipo talvez de lobisomem,
sai de manhã catando frutas
pelas planícies, pelas grutas.
Na terra seca do cerrado,
vai andando, meio curvado,
os braços longos, cabeludo,
conhece a terra e sabe tudo,
sabe o código do sertão
mesmo andando na contramão
ou de lado, ser esquisito
com cheiro de onça ou de cabrito,
nunca deixa rastros e engole
todas as cascas, mas o mole
deixa para os seres pequenos
que rastejam pelos terrenos,
ratos, besouros, lagartixas,
aqueles que vivem sem rixas
e vai também deixando juntas
as frutas mais doces, as muitas
tipo caju, mama-cadela,
araticum, ingá, marmelada
de cachorro, gabiroba
(e até palmito de gueroba),
murici, guapeva, araçá
e mais jatobá, gravatá,
o belo da jabuticaba,
o doce cheiro da mangaba,
o fulvo sol do pequi
(nesta saudade daqui),
tudo o que o homem aprecia
e vai comendo na poesia.

– Ali vai ele, abaixa e ajunta,
e não responde nem pergunta:
o ser estranho, vai curvado
pela fartura do cerrado.



CHÁ DA CINCO 
A Jorge Amado
  
chá de poejo para o teu desejo

chá de alfavaca já que a carne é fraca

chá de poaia e rabo de saia

chá de erva-cidreira se ela for solteira

chá de beldroega se ela foge e nega

chá de panela para as coisas dela

chá de alecrim se ela for ruim

chá de losna se ela late ou rosna

chá de abacate se ela rosna e late

chá de sabugueiro para ser ligeiro

chá de funcho quando houver carunhco

chá de trepadeira para a noite inteira

chá de boldo se ela pedir soldo

chá de confrei se ela for de lei

chá de macela se não for donzela

chá de alho para um ato falho

chá de bico quando houver fuxico

chá de sumiço quando houver enguiço

chá de estrada se ela for casada

chá de marmelo quando houver duelo

chá de douradinha se ela for gordinha

chá de fedegoso pra mijar gostoso

chá de cadeira para a vez primeira

chá de jalapa quando for no tapa

chá de catuaba quando não se acaba

chá de jurema se exigir poema

chá de hortelã e até manhã

chá de erva-doce e acabou-se


(pelo sim pelo não

chá de barbatimão)


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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VIII - Abril-Maio-Junho 2014 - Ano III - Nº 79

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