quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Ivan Miziara: "5 Poemas"

CÂNTICO
Para Hilda Hilst

Uma ave canta
melhor na cegueira.
Por isso meus olhos
vazei;
para fazer-me a mim
de minha garganta
pássaro – puro canto


SABEDORIA

Existem homens que não sabem
o rumo das cerejas
espalhadas pelo quintal;
existem homens que não sabem
o sabor de mel
do orvalho no inverno.
Existem homens que não sabem
apenas sentem
que a vida é maior, mais verdadeira
que a mais alta das estrelas
que a mais alta das luas
na primavera.

POEMA PARA MALLARMÉ

Se todos os homens são escravos
da palavra
eu
que já nem o sou
sou do acaso escravo
do vento que transforma a palavra
pássaro
em folha
que cai
da árvore
molhada
de orvalho
pelo ínfimo peso
de uma gota
d’água



SOLILÓQUIO

Falei do tempo
como quem fala do caminho
entre a relva e a areia do mar
como quem fala do dia
vastoso, verde (ou azul) profundo.
Rumino, apenas rumino
entre o sol a pino
e as pedras do cais
– preso a meus passos –
prisioneiro de mim mesmo.
Falei do tempo
ontem e hoje
como farei amanhã
“vivo da morte o sentimento”.


MADRIGAL

A lúcida luz da manhã
parece eterna, longínqua
e não sabemos
se essa luz ilumina
abre as comportas de um novo dia
ou é apenas memória
fluida
do que perdemos.


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Fonte:
revista Brasileira: Fase VIII - Julho-Agosto-Setembro 2014 - Ano III - Nº 80

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