CÂNTICO
Para Hilda Hilst
Uma ave canta
melhor na
cegueira.
Por isso meus
olhos
vazei;
para fazer-me a
mim
de minha garganta
pássaro – puro
canto
SABEDORIA
Existem homens que
não sabem
o rumo das cerejas
espalhadas pelo
quintal;
existem homens que
não sabem
o sabor de mel
do orvalho no
inverno.
Existem homens que
não sabem
apenas sentem
que a vida é
maior, mais verdadeira
que a mais alta
das estrelas
que a mais alta
das luas
na primavera.
POEMA PARA MALLARMÉ
Se todos os homens
são escravos
da palavra
eu
que já nem o sou
sou do acaso
escravo
do vento que
transforma a palavra
pássaro
em folha
que cai
da árvore
molhada
de orvalho
pelo ínfimo peso
de uma gota
d’água
SOLILÓQUIO
Falei do tempo
como quem fala do
caminho
entre a relva e a
areia do mar
como quem fala do
dia
vastoso, verde (ou
azul) profundo.
Rumino, apenas
rumino
entre o sol a pino
e as pedras do
cais
– preso a meus
passos –
prisioneiro de mim
mesmo.
Falei do tempo
ontem e hoje
como farei amanhã
“vivo da morte o
sentimento”.
MADRIGAL
A lúcida luz da
manhã
parece eterna,
longínqua
e não sabemos
se essa luz
ilumina
abre as comportas
de um novo dia
ou é apenas
memória
fluida
do que perdemos.
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Fonte:
revista Brasileira: Fase VIII - Julho-Agosto-Setembro 2014 - Ano III - Nº 80
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