sábado, 21 de novembro de 2015

Olegário Mariano: "5 Poemas"

O MEU RETRATO

Sou magro, sou comprido, sou bizarro,
Tendo muito de orgulho e de altivez.
Trago a pender dos lábios um cigarro,
Misto de fumo turco e fumo inglês.

Tenho a cara raspada e cor de barro.
Sou talvez meio excêntrico, talvez.
De quando em quando da memória varro
A saudade de alguém que assim me fez.

Amo os cães, amo os pássaros e as flores.
Cultivo a tradição da minha raça
Golpeada de aventuras e de amores.

E assim vivo, desatinado e a esmo.
As poucas sensações da vida escassa
São sensações que nascem de mim mesmo.



A CIGARRA QUE FICOU

Depois de ouvir por tanto tempo, a fio,
As cigarras, bem perto ou nas distâncias,
Só me ficou no coração vazio
A saudade de antigas ressonâncias...

Todas se foram... bando fugidio
Em busca do calor de outras estâncias,
Carregando nas asas como um rio
Leva nas águas - seus desejos e ânsias...

E ainda cantaram na hora da partida:
Era um clamor dentro da madrugada...
Essa, entretanto, desgarrou daquelas,

E entrou, tonta de luz, na minha vida,
Porque sabia que era a mais amada,
E cantava melhor que todas elas...



AS ALMAS DAS CIGARRAS

As cigarras morreram... Todavia
Sinto um leve rumor tranqüilo e lento
Que vai, de ramaria em ramaria,
Lento e tranqüilo como o pensamento.
.
As cigarras não são, porque, outro dia,
Vi que soltavam o último lamento...
E o vento? Deve ser a alma do vento
Que entre os ramos das árvores cicia...

Entretanto o rumor parece eterno...
Agora que as estrelas se acenderam,
Vibra num coro, em serenata, ao luar...

Contam os lavradores que, no inverno,
As almas das cigarras que morreram
Ressuscitam nas folhas a cantar.



A ÚLTIMA CIGARRA

Todas cantaram para mim. A ouvi-las,
Purifiquei meu sonho adolescente,
Quando a vida corria doidamente
Como um regato de águas intranqüilas.

Diante da luz do sol que eu tinha em frente,
Escancarei os braços e as pupilas.
Cigarras que eu amei! Para possui-las,
Sofri na vida como pouca gente.

E veio o outono... Por que veio o outono ?
Prata nos meus cabelos... Abandono...
Deserta a estrada... Quanta folha morta!

Mas, no esplendor do derradeiro poente,
Uma nova cigarra, diferente;
Como um raio de sol, bateu-me à porta.



LÍNGUA PORTUGUESA

Da avena dos pastores, da harmonia
Que o vento imprime às palmas das palmeiras,
Do bramido do mar e das cachoeiras,
Da voz que impreca à voz que balbucia;

Do sol que fala quando nasce o dia,
Do luar que enche de unção as cordilheiras,
Vem este claro idioma, que é poesia
E alma das gentes luso-brasileiras.

Rumor de asas de abelha, um ruído apenas...
Doce afago de arminhos e de penas,
Perdão, queixume, lágrima, reclamo,

Ou grito estuante de alma incompreendida,
Do desgraçado: "Eu te condeno, ó vida!"
Do poeta que sofreu: "Ó vida, eu te amo!"

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