sábado, 21 de novembro de 2015

Álvaro Moreyra: "5 Poemas"

DESTINO
Todo mundo ama porque
todo mundo sempre amou.
É só por imitação.
Todo mundo ama porque
ninguém ainda inventou,
desde a anedota de Adão,
coisa melhor para a gente
trocar por uma alegria
que vem e vai de repente
a pobre melancolia
que nunca mais deixa a gente...



DO OUTONO E DO SILÊNCIO

Ah! como eu sinto o Outono
nesses crepúsculos dispersos,
de solidão e de abandono...
nessas nuvens longínquas, agoureiras,
que têm a cor que um dia houve em meus versos
e nas tuas olheiras...

Tomba uma sombra roxa sobre a Terra...
A mesma nuança, em torno, tudo encerra
nuns tons fanados de ametista...
Paisagem morta, evocativa, doce...
como se o Ocaso fosse
um pintor simbolista...

Caem violetas...

Canta uma voz, distante...

E a luz vai a fugir, esfacelando
em trêmulas silhuetas
os troncos da alameda agonizante...

O Outono é uma elegia
que as folhas plangem, pelo vento, em bando...
E o Outono me endolara e anestesia
com a saudade remota do silêncio...
Silêncio vesperal das ressonâncias
esquecidas
que o Ângelus lento deixa sempre no ar...
Silêncio
irmão das covas, das ermidas...
incenso das distâncias...
onde a memória fica a ouvir perdidas
palavras que morreram sem falar...

E do silêncio em névoas esgarçado,
a cuja extrema sugestão me abrigo,
tu te evolas, dolente,
tal uma hora feliz de tempo alado
que às vezes brota de repente
de um velho aroma ou de acorde antigo...



S. PAULO

A garoa enfeitada pelos anúncios luminosos
brinca de bola de sabão na ponta dos arranha-céus.
Da janela do hotel vejo a cidade sorrindo.
Tão bonita!
São Paulo, eu quero bem a você.
Você dá gosto de ser brasileiro.
Você trabalha e não é neurastênica.
Você é rica e ainda por cima é inteligente.
Todas as cidades do Brasil deviam pagar prenda
para você...



AS SETE SOMBRAS

Saudade,
— velha torre erguida
nevoentamente
na paisagem de outono da minha alma.
Torre de onde se vê tudo tão longe...
Saudade...
Na distância, a perder-se, a voz de um sino
salma.
A luz no poente
é o pálido eco dessa voz perdida.
A alma da tarde envolve a velha torre.
E na velha torre
erguida
nevoentamente,
ondulam sete sombras silenciosas,
tecendo o sonho da minha vida...
Fico a senti-las. Lembro...
As sete sombras silenciosas...
Uma, quando chegou era novembro,
loura de sol, trazia
as mãos cheias de rosas:
— Deixa-me entrar, sou a Alegria. — 
E eu lhe disse: — Bem-vinda sejas, Alegria. — 
Outra, tênue, de espuma,
olhos azuis de criança,
lentos gestos de pluma,
surgiu mais tarde a mendigar pousada:
— O meu nome é Esperança.
Venho de muito além. Estou cansada. — 
E eu lhe disse: — Descansa.
Bem-vinda sejas, Esperança. — 
Veio depois a Felicidade,
tão linda sombra, toda em ouro acesa.
E veio a Dor, veio a Beleza,
veio a Bondade.
Uma noite, bateste. A velha torre
abriu-te as longas portas vagarosas.
E desde então, na velha torre,
tu ficaste, também, serena, inesquecida,
sombra das sombras silenciosas,
tecendo o sonho da minha vida...



ELEGIA DA BRUMA

Réquiem do Pôr-do-Sol... A Tarde ajoelha e canta,
num mistério augural de cinza e de ouro vivo...
E o hospital, sob a Tarde, entre Árvores, levanta
o seu vulto de pedra, estranho e pensativo...

Ao incenso do Ocaso, a Paisagem parece
movimentar-se, orando, em gestos musicais...
É o silêncio que entoa harmonias de Prece
com a ignota orquestração dos mudos Vegetais...

Passos batem a estrada... E pela estrada, agora,
seguem ranchos buscando o sossego das casas...
Desaparecem... Vão... E ao misticismo da hora,
no ar silente, em quietude, andam saudades de Asas...

A escuridão aumenta... E há vozes... algazarras...
Das águas-verdes cresce um rouco cantochão...
Trilam grilos... E ao alto, as primeiras cigarras
despertam, respondendo... Aumenta a escuridão...

Súbito, em derredor, tudo se cala... E adiante,
ermo, queda o hospital como quem está ouvindo...
O Plenilúnio surge, em êxtase, distante,
branco, a Terra a abençoar... Vai subindo... subindo...

E à alva bênção da Luz, os contornos avultam
na precisão da Linha — hartos, a destacar...
Começa a Noite... E o Sono... E os Sonhos que sepultam
a Tristeza-da-Vida aos que podem sonhar...

E quando a claridade, em chapa, de repente,
cai sobre a frontaria, e a asperge, e a envolve, ondeando,
geme um órgão lá dentro, enevoado, dolente,
como se fora o Luar que estivesse tocando...

A Alma da Terra fala à vibração da Terra...
Espasmos de sofrer!... A Dor a sete tons!...
E ascende... e afunda... e ecoa... e pelos longes erra
um ritmo nebuloso, onde há sombras de sons...

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