sábado, 21 de novembro de 2015

Odylo Costa: "5 Poemas"

SONETO DE JÓ

Este grito, que é rio amargo, choro
que não é meu apenas, mas de todos
que o filtro das insônias decantou,
ouve-o, Senhor, que é grito de infelizes.

Perdi-me e Te procuro pela névoa,
no céu em fogo, no calado mar.
A Teus pés volto. Faça-se o que queres.
Tanto me deste que por mais que tires
sempre me resta do que Tu me deste.
Deus necessita do perdão dos homens
e é esse perdão que venho Te trazer.

Com o coração rasgado, mas ao alto,
Senhor, te entrego os filhos que levaste
pelo amor dos meus filhos que ficaram.



SONETO DE FIDELIDADE

Não receies, amor, que nos divida
um dia a treva de outro mundo, pois
somos um só que não se faz em dois
nem pode a morte o que não pôde a vida.

A dor não foi em nós terra caída
que de repente afoga mas depois
cede à força das águas. Deus dispôs
que ela nos encharcasse indissolvida.

Molhamos nosso pão quotidiano
na vontade de Deus, aceita e clara,
que nos fazia para sempre num.

E de tal forma o próprio ser humano
mudou-se em nós que nada mais separa
o que era dois e hoje é apenas um.



SONETO DA REVISITAÇÃO

Partamos juntos a rever o rio
onde primeiro o nosso amor nasceu
e acalentando o meu humor sombrio
entre os teus seios amadureceu.

Nasceu tão pleno quanto um sol de estio
mas sobre a dor e a morte ainda cresceu,
embora a prata tenha posto um fio
no teu cabelo, e muitos neste meu.

Vamos em busca de um repouso fundo
que nos envolva de uma leve areia
no banho antigo, em meio aos juçarais.

Que a viagem nos cure deste mundo,
cheia de vozes de teus filhos, cheia
desta alegria de te amar demais.



SONETO DA TARDE

Não digo que o sol pare, nem suplico
que teu cabelo não se faça branco.
Nos segredos serenos que fabrico
vive um pouco de mago e saltimbanco.

mas te desejo simples, natural,
e que o dia na tarde amadureça.
Venceste muita noite e temporal.
Confia em que outra vez ainda amanheça.

O teu reino da infância sempre aberto
guarda o campo e os brinquedos infinitos
nas cores puras, sob o céu coberto.

Nos cajueiros, os pássaros... Os gritos
infantis... Mas a ronda neles nasce
e embranquece o cabelo em tua face.



PAZ DE AMOR

Calemos esta paz como um segredo
de amor feliz. Não seja este silêncio
ponto final em nosso terno enredo:
não nos encerre o amor, antes condense-o.

Olhemo-nos nos olhos face a face.
sem recuar surpresos como o amigo
que de repente no outro deparasse
apenas o lembrar do tempo antigo.

Não. Sempre em nós renascerão searas.
novas chuvas trarão nova colheita.
folhas novas, translúcidas e raras.

E brotará da tua mão direita
água súbita e casta do rochedo
um novo amor, que vença a morte e o medo.

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