sábado, 21 de novembro de 2015

Dom Marcos Barbosa: "5 Poemas"

OS ÓCULOS DA VOVÓ

- Como acabar meu tricô,
como assistir à novela,
se esses óculos benditos
me somem sem mais aquela?

Vovó, procurando os óculos,
vai do quarto para a sala
e de novo volta ao quarto,
sem ninguém para ajudá-la.

E até parece que os netos
estão a se divertir,
pois mesmo seu predileto
faz força para não rir.

Deve saber onde estão,
porque lhe diz o malvado:
- Já está ficando quente
seu chicotinho queimado!

E o diz quando está no quarto
ou à sala torna a voltar.
- Mas como pode uma coisa
em dois lugares estar?

Em sinal de desespero
leva então as mãos à testa:
ali estão os seus óculos
e tudo vira uma festa.



ORAÇÃO DA FAMÍLIA

Bem debaixo, Senhor, da tua asa,
coloca a nossa casa.

Nossa mesa abençoa, e o leito, e o linho,
guarda o nosso caminho.

Brote, em torno, o jardim, frutos e flores,
em nossa boca, louvores.

Conserva pura a fonte de cristal,
longe o pecado e o mal.

Repele o incêndio, a peste, a inundação,
reine a paz e a união.

Bem haja na janela o azul do dia,
na parede, Maria.

Encontre a noite quieta a luz acesa,
quente sopa na mesa.

Batam à porta o pobre e o viajor,
e tu mesmo, Senhor.

Tranqüilo seja o sono sob a cruz
que a outro sol conduz.



O OURO DO AMOR

- Ouro saído das minas,
o que na terra vai ser?
- Serei do rei a coroa,
o cetro do seu poder.

- Ouro saído das minas,
qual na terra o teu destino?
- Serei do poeta a pena
jorrando o verso divino.

Ouro saído da terra,
na terra qual o teu fado?
Serei um par de alianças
para selar um noivado.

Um foi ouro de poder,
outro foi ouro de glória;
mas foi o ouro do amor
que teve a mais bela história.

Pois quando o império passou
e foi o poema olvidado,
o amor restava, brilhando,
nos filhos transfigurado...



A IGREJA DO MOSTEIRO

Flor de pedra e de prece na colina,
lugar alto de paz e de silêncio,
onde a cidade pára de repente
e se ajoelha no chão de antigos túmulos.

Floresta de ouro a nave, onde as cigarras,
até juntar-se um dia ao pó do claustro,
misturam sete vezes suas vozes
à orquestração dos sinos e do órgão.

Caverna de Aladino que oferece
aos mais pobres que entrem seus tesouros,
mel correndo dos favos esculpidos.

Palpitam na penumbra asas de arcanjo,
bispos e reis na talha abrem seus braços,
e a Virgem, do seu trono, entrega o Filho...



CÂNTICO DE NÚPCIAS

Nossos caminhos são agora um só caminho,
nossas almas, uma só alma.
Cantarão para nós os mesmos pássaros,
e os mesmos anjos desdobrarão sobre nós
as invisíveis asas.
Temos agora por espelho os nossos olhos;
o teu riso dirá a minha alegria,
e o teu pranto, a minha tristeza.
Se eu fechar os olhos, tu estarás presente;
se eu adormecer, serás o meu sonho;
e serás, ao despertar, o sol que desponta.

Nossos mapas serão iguais,
e traçaremos juntos os mesmos roteiros
que conduzam às fontes escondidas
e aos tesouros ocultos.
Na mesma página do Evangelho encontraremos o Cristo,
partiremos na ceia o mesmo pão;
meus amigos serão os teus amigos,
perdoaremos com iguais palavras
aqueles que nos invejam.

Será nossa leitura à luz da mesma lâmpada,
aqueceremos as mãos ao mesmo fogo
e veremos em silêncio desabrochar no jardim
a primeira rosa da Primavera.
Iremos depois nos descobrindo nos filhos que crescem,
e não mais saberemos distinguir em cada um
os meus traços e os teus,
o meu e o teu gesto,
e então nos tornaremos parecidos.
E nem o mundo nem a guerra nem a morte,
nada mais poderá separar-nos,
pois seremos mais que nunca,
em cada filho,
uma só carne
e um só coração.

Que o homem não separe o que Deus uniu.
Que o tempo não destrua a aliança que nos prende,
nem os amores, o amor.

Que eu não tenha outro repouso que o teu peito,
outro amparo que a tua mão,
outro alimento que o teu sorriso.
E, quando eu fechar os olhos para a grande noite,
sejam tuas as mãos que hão de fechá-los.
E, quando os abrir para a visão de Deus,
possa contemplar-te como o caminho
que me levou, dia após dia,
à fonte de todo amor.

Nossos caminhos são agora um só caminho,
nossas almas, uma só alma.
Já não preciso estender a mão para alcançar-te,
já não precisas falar para que eu te escute...

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