PROVÉRBIO
Não adianta chorar
o leite derramado,
Pois o que já
passou nunca mais voltará.
Na ciranda da
vida, esse é o nosso destino,
Viageiros sem rumo
numa incerta jornada.
Se o caminho foi
longo, ao longo da estrada
Fomos deixando
amores, dores, sofrimentos,
Que esquecidos
ficaram, como se encantados,
A dormir, para
sempre, nas ruínas do tempo.
Até que de
repente, num breve momento,
Ressurgem outra
vez no coração aflito,
Acendendo mágoas,
reinventando segredos,
E novamente vivos,
de novo despertos,
A renascer das
cinzas, voltam como espectros,
Assustadoramente,
a assombrar nossos dias.
OCASO
A luz que
amadurece em meus cabelos
Põe reflexos de
cobre nos espelhos
Onde a tarde se
alonga como um rio
A escorrer suas
águas nos vazios
De um passado
distante que perdura
Além de todo além
e onde se escuta
Um som de antiga
flauta murmurante
A despertar
momentos esquecidos.
No mais tudo é
silêncio, tudo assombro,
Ante o esplendor
do sol que se apagando
Deixa apenas um
risco no horizonte,
Como um rastro de
luz que se divide
Entre o esplendor
do dia que se esconde
E a escuridão que
aos poucos se insinua.
O RIO
Devagar, devagar,
desço ao mais fundo
Precipício que
avisto além do escuro
Patamar debruçado
sobre o abismo
Que é o ponto
terminal desta jornada.
Nesta escura
descida tão funesta,
Às vezes, como
pássaros furtivos,
Vão despontando os
sonhos que ficaram
Esquecidos ao
longo do caminho.
De degrau em
degrau, na longa escada,
Vou vencendo a
distância que me resta
Enquanto o sol se
apaga no horizonte
E o mundo em volta
rápido escurece,
Até que,
finalmente, avisto o rio
E o barqueiro no
leme à minha espera.
POENTE EM MAR GRANDE
Vista da ilha, ao
longe, a cidade é como um sáurio,
Um dragão
multicor, a dormir embalado
Pelas ondas do mar
que docemente o afagam,
Na volúpia das
águas que nunca se acalmam.
Na praia a
alongar-se a maré mansa se espraia,
Ao sabor da
enchente, no estertor da vazante,
À sombra dos
coqueiros que esgarçam suas palmas
No sopro dos
ventos de um verão que se acaba.
Na barra os
recifes desenham um mandala
Cujo centro é a
ilha, santuário encantado,
De uma esfinge
ancestral a devorar a tarde.
O sol, com seu
pincel, incendeia as vidraças,
Mas a chama de
ouro pouco a pouco se apaga
E atrás da
amendoeira a luz da lua se espalha.
MANDALA
Aos poucos,
devagar, chego ao abismo,
Ao fundo de mim
mesma, ao precipício
Onde dormem
desejos impossíveis,
No escondido dos
sonhos mais secretos.
Aos poucos vou
cumprindo e desenhando,
Na medida das
pontas do compasso,
O círculo
imperfeito desta vida,
Do tempo inicial
do nascimento
Ao centro do
mistério que atravesso
Sem saber onde
leva a correnteza
Das águas desse
rio que me arrasta,
Cuja foz é a
nascente que adivinho
E onde se encontra
o fim e o recomeço
No arremate das
linhas que desfaço.
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Fonte:
Revista da Academia de Letras da Bahia, nº 52, 2014
Fonte:
Revista da Academia de Letras da Bahia, nº 52, 2014
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