O REALEJO DE VINHO
Para Solon Barreto
Para quem me
queira ouvir:
Sou um homem aos
frangalhos.
Parte por culpa de
tudo.
Parte por culpa de
nada.
E digo mais ao
casual
Ouvinte deste
relato:
Não sendo herdeiro
nem rico,
Não tenho crédito
na praça.
Amo as japonas
escuras,
De mangas e tudo
vasto.
E os colarinhos
puídos
Uso desabotoados.
Ao pôr a minha
gravata,
Fabrico um laço
bem largo.
E acho triste
andar com ela.
E, mais tristes,
as gravatas.
Eu nunca faço
questão
Que uma roupa seja
cara.
Mas, ampla: e,
sendo possível,
Com certo ar
desesperado.
Eu prefiro, aos
bons charutos,
Um velho e forte
cigarro.
E odeio fumar
cachimbo.
Pois sou muito
angustiado.
No mais: um vento
me agita,
Interior e
largado,
E me devasta os
cabelos,
Rosto, sorriso e
palavra.
LÁ VAI AFFONSO MANTA
Com estrelas na
testa de rapaz,
Com uma sede
enorme na garganta,
Lá vai, lá vai, lá
vai Affonso Manta
Pela rua lilás.
Coroa de alumínio
sobre o crânio,
Lapelas enfeitadas
de gerânios
E flechas no
carcás.
Manto florido de
madapolão,
Bengala marchetada
de latão,
Desfila o
marechal,
O rei da
extravagância, o sem maldade,
O campeão da
originalidade,
O peregrino
astral.
RELÂMPAGOS
Para Garbogini Quaglia
Lembrar-me do que
fui nunca me cansa.
Cansa-me andar no
centro do Destino.
Eu sou feliz
porque já sou menino.
Menino não precisa
de esperança.
Eu revirei a vida
pelo avesso.
Eu encontrei o fio
da meada.
Eu dei no mundo
muita cabeçada.
Eu sei onde é o
fim e onde o começo.
Quem me dera estar
santo de uma vez.
E enlouquecer de
luzes de repente.
Mas conservando
toda a lucidez.
Viver sem o
limite, em plena graça,
Na paz de uma
razão incandescente
Capaz de dar
relâmpagos na praça.
PÊNDULO
Para Iêda Machado
Conduza meu
carneiro cor de vinho
Para pastar os
lírios brancos do ar.
Guarde meu coração
devagarinho
Na cômoda da sala
de jantar.
Tire do gaiolim
meu passarinho.
Ele gosta do sol e
de voar.
Ponha no armário
verde, com carinho,
A roupa que eu
vesti para brincar.
Seja um anjo, meu
anjo, de bondade.
Não zombe do meu
passo hesitante.
Não moteje da
minha enfermidade.
Eu sou algo
indeciso, eu vacilo,
Eu cambaleio sem
razão bastante
E, lento como um
pêndulo, eu oscilo.
PORÃO
Estarmos separados
e distantes
É, para mim, um
triste e amargo vinho.
E não ter mais
agora o teu carinho
São-me agonias
lentas e constantes.
Teus olhos, que me
foram diamantes
E iluminavam todo
o meu caminho,
Não querem ver
como eu estou sozinho
E me abandonam
todos os instantes.
Tu que eras o
repouso do guerreiro,
Sem pena do teu
pobre companheiro,
Foste embora,
indomável coração.
E a minha fome de
ternura e afeto
Ficou assim como
qualquer objeto
Esquecido no fundo
de um porão.
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Fonte:
Revista da Academia de Letras da Bahia, nº 52, 2014
Fonte:
Revista da Academia de Letras da Bahia, nº 52, 2014
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