sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Milton Torres: "5 Poemas"

LIPARI,

ilha estéril donde Héracles partira. mar aberto
ao de lá das Colunas. ah, não pouse o Albatroz
no frágil bordo – distam as terras minhas
do assomado verso!... escarpas
a grande altura, fadigas do atleta, marca do seu cansaço
não do êxito – o pomo sempre avante
que portam as deusas para além do Hespério. estância dos pássaros,
acordoando Aurora. assim te conheci!
corte – que a memória costura
com a linha gasta do tempo. pulso da hora
em retardo. fala, ou dize nada, que ouço os teus silêncios



ANTÍGONA-I
A Regina Zilberman

o sintagma – que inteira me organiza –
é plantal, colho-o da descalça terra


ANTÍGONA-II
A Maria da Glória Bordini

leio o signo que pespontam os deuses
em cada coisa. tresleio a letra
que aos ventos avessa. na aspereza da pedra
instrui-me o tato [da gnose]

do pó dos caminhos lavei teu corpo
e do roxo espírito libei-o, que o espírito rebusca
desprendido. e enterro-te, irmão meu [do ethos]

das salsas águas do mar hei bebido
vomitórias: do mal me não curam
de meu sangue – não de mim. e descalça
e desnuda, toda eu mesma [da liberdade]



ANTÍGONA-III
A Susana Vernieri

da goteira do penhasco, tua voz tão fria
escuto adormida

cantantes os teus dedos e despertam-me,
finos tal o vento que cicia na prateada faia
e me acalantam,
tersos (não são tersos os anademas do meu luto?) e calcários,
do passo quebradiço de quem parte



SÍSIFO, teu sentir é táctil,
malsão?
insone... por que não dormiste?
dormente, deixavam-te no teu só
a rede traspassaste que tendem os deuses
ante os homens. fina a malha,
saltaste-a?
aclive,
o teu aresto. – roda a pedra
sem queixumes

Sísifo, teu sentir é táctil,
malsão?


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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VII - Janeiro-Fevereiro-Março 2010 - Ano XVI - Nº 62 - (Academia Brasileira de Letras - ABL)

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