PERORAÇÃO
Dai-me uma corda
pra que eu me acorde.
Dai-me um acorde
pra que eu não durma.
Dai-me um acordo
pra que eu me acuda.
Dai-me um enfoque
pra que não me enforque.
Dai-me um escudo
pra que eu me descuide.
Dai-me um encanto
pro meu acalanto.
Dai-me um Talmude
pra que eu me transmude.
Dai-me um archote
pra que eu não me açoite.
Dai-me um Descartes
pra que eu não me descarte.
Dai-me um encarte
pra que eu dê as cartas.
Dai-me a concórdia
em nome da ordem.
Dai-me equilíbrio
pra que eu não me ludibrie.
A CRIANÇA NA PRAIA
A criança se
distrai,
procurando
conchinhas na praia.
Concentrada na sua
faina inocente,
não cobiça os bens
dos semelhantes,
não inveja o êxito
de ninguém.
No diâmetro mínimo
do seu horizonte,
caminha com a
liberdade do momento pleno.
Ao recolher
pequenos tesouros na areia,
tão absorta em sua
satisfação,
tarda a escutar o
chamado do pai.
E, quando o
acompanha,
abstrai-se no
encantamento
de nada
preocupá-la.
A criança vive o
instante,
sem imaginar um
Deus que a console.
Pudesse eu ser
essa criança
que não sabe o que
faz,
mas sabe o que não
faz.
O MAR FALA COMIGO
O mar fala comigo
em seu idioma rústico.
Que dizem os seus
rumores embevecedores?
Ele sabe que sou o
devoto da sua clara perspectiva,
que bebo em êxtase
o amplo, azul, caminho oscilante.
O mar fala comigo
desdobrando o fluido manto
na entrega
fraternal das flores de espuma.
Dissipo o tédio ao
largo das ondas
e observo
longamente o fervilhante movimento,
que refulge no seu
campo alado.
Por que tanto me
agrada esse mistério sonoro?
Essa visão
cromática, por que me deleita de lânguidos prazeres?
Vejo a água em
curvas sucessivas,
fremente borbulhar
que ultrapassa o horizonte,
inundando tudo de
encantamento.
O mar fala comigo
desde a minha infância.
Cresci escutando a
música enigmática,
e vivo sempre
extasiado de contemplações.
Sacerdote de
Poseidon,
medito envolto na
brisa ensolarada.
A ROSA
A rosa vem pela
quintessência,
prova de amor.
Dádiva de aroma,
sublime expansão,
em cada pétala um
milagre.
A rosa vem das
estrelas,
abrindo os véus
etéreos.
Sereno
materializado
em sacrifício à
nossa esperança.
Doadora de luz!
Consoladora dos
poetas!
Propiciadora de
sonhos afetuosos!
PRÓ E CONTRA
Pelo lote da glosa
e pelo logos do apelo.
Contra o epílogo
da epiglote.
Pelo lótus e a
rosa do desvelo.
Contra o pote da
hipótese.
Contra o atrito da
tribulação.
Pelo pátio da
teatralização,
Pelo retrato da
retratação.
Pelo destroço do
horto ortodoxo.
Contra o acróstico
do agnóstico,
contra o gozo do
algoz.
Contra o trigo da
intriga,
contrito com o
lógico.
Contra o trago
amargo do letargo.
Contra o luto e o
anacoluto de Cloto.
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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VII - Abril-Maio-Junho 2011 - Ano XVII - Nº 67 - (Academia Brasileira de Letras - ABL)
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