PAPO-CABEÇA OU UMA VEZ A CADA QUATRO ANOS
O barulho da
britadeira esfolando o asfalto,
estardalhaça minha
cabeça.
Já tão pesada com
a consciência do mundo.
Escrupulosamente
vasculhada à caça de lucidez.
E eu que vivo a
pensar,
andando na rua,
tomando um ônibus,
explorando meu
corpo
e dinamitando
minha cabeça.
Eu que vivo
sonhando com noites de autógrafos,
e um bom
papo-cabeça num bar.
Mas vêm as trevas
e carregam-me
para longe, longe
dos sonhos
e perto da vidinha
comum.
Da mesma comida.
Das mesmas roupas.
Dos mesmos
preconceitos.
Não! Não quero.
Chega da palavra
não
pronunciada no
ouvido,
feito um tapa no
pé-da-orelha.
O que quero é a
liberdade plena,
a liberdade
conquistada,
roubada à força,
arrancada de
dentro das cabeças
e repassada para a
minha.
Minha
cabeça-chata.
Que só reclama,
porque necessita
urgentemente
encontrar um bom
papo-cabeça
para florir.
VIVER É APRENDER A IR EMBORA
Sempre achei que
devesse dar
o adeus aos meus
amantes
com o requinte do
final de
“Casablanca”
Mas só consigo
terminar em
botequins,
nas mesas, ao
alvorecer
bêbada
cabelo desgrenhado
até nunca mais
Foi maravilhoso
viver com você
Adeus
E no dia seguinte
eu ligava aflita,
desesperançada
quero vê-lo
preciso
Hoje à noite
no mesmo boteco
e novamente a aurora
o teor alcoólico
os cabelos fazendo
festa
e mais um adeus
um exercício por
fazer
um novo copo
e minha cabeça
falando ao
meu coração
adeus, adeus,
adeus...
Mas ele é burro
feito uma pedra
Até nunca mais
nunca mais
Mais!
O DESINTERESSE DE FRANCIS PONGE
Toda vez que minha
poesia
não arrebanha um
prêmio
num concurso
literário
tenho a
confirmação de continuar
no caminho certo
Minha poesia é
elaborada justamente
para não ganhar
concursos
Feita de encomenda
para ser o dissídio
do sentimentalismo
humano
Ela é a palavra
pelo avesso
A carta na manga
do jogador de pôquer
E ela, não busca
senão, ela mesma
É ela jogando
paciência na beira do mar
Enquanto o
furacão, aproxima-se, mais e mais
Até atingir o
jogador e arremessá-lo às rochas
Deixando as cartas
na areia da praia, impecavelmente imóveis
A FORMA DE TIRAR O CD E PÔR O VINIL
Tinha palavras
lindas para o réveillon
pretendia juntar
um a
um eme um ó e um
erre
destilar poesia
e tomar um porre
dela
Embriagar-me de
alegria
da sua falsa
alegria
Delicadeza demais
é hipocrisia
Mas você me
recebeu tão bem
que não atinei o
que podia ou não podia
e não sabia onde
colocar as mãos, as pernas...
Agora você me fala
numa língua que desconheço
Desconheço mas
boto fé
e lhe ofereço um
café
uma água
e tudo que posso
nessa paisagem
surreal
onde saboreio um
fumo
e tomo um café
forte e doce
pois a lua
transita em libra
e preciso
permanecer acordado
para não sucumbir
à sua ira
CHOQUE DE CHUVEIRO ELÉTRICO
Não consigo ter
certeza se quando digo:
algo pron. indef.
1. Alguma coisa.
Estou sendo claro
ou esse algo está sendo entendido.
por adv. 2. Um
tanto, um pouco.
E vice-versa.
As palavras não me
dão paz.
Digo-as na frente
de todos,
dos falsos, dos
verdadeiros.
Desnudo-me delas e
entro d’baixo do chuveiro elétrico,
sem nenhuma
certeza de que o que falo
é realmente o que
deveria falar na hora certa.
Ou se a hora é
certa e o falar não.
A impressão que
tenho – já que nunca se tem certeza de algo –
é que há algo a
dizer.
---
Fonte:
Revista Brasileira: Fase VII - Janeiro-Fevereiro-Março 2010 - Ano XVI - Nº 62 - (Academia Brasileira de Letras - ABL)
Nenhum comentário:
Postar um comentário