CANTO DA COMPANHEIRA
Sairei pela manhã
clara em busca do pensamento do mundo.
Irei até as searas
e as trepidantes fábricas
e surpreenderei o
operário em seu labor.
Vê-lo-ei mover
êmbolos e turbinas, hélices e tratores
e, comovida e
atenta, lhe farei perguntas.
Entrarei nos
barcos, descerei às minas,
estarei nas
mansões e rios cortiços
nas igrejas e nas
tascas
pois nenhum lugar
me há de ser vedado.
Escutarei as
ânsias do povo, as pedras da rua
e verei as lutas
entre o velho e o novo.
Escreverei então
com suor e sangue
e o húmus da terra
o que houver
captado
assim unida,
colada ao fundo da vida
e filtradas pela
minha emoção
mensagens novas
chegarão aos homens.
Voltarei pelo fim
da tarde
com ligeiros
passos
para pôr, antes da
noite,
flores vivas no
grande jarro.
Cortarei rosas no
jardim em tua honra
rosas e dálias
para te saudarem.
Voltarei com
ligeiros passos
e quando chegares
trazendo teu dia
áspero,
participante, lúcido
e cachos de
begônias rubras para mim
já estarão soltos
meus cabelos
e acesa a lâmpada.
AMOR
Em verdade te digo
que não foi naquela hora
que te pertenci:
quando me tomaste
nos teus braços poderosos
e me tiveste sob
teus beijos e tua respiração.
Em verdade te digo
que não foi naquela hora
mas quando, diante
do teu, surgiu meu espírito livre e novo
de rebento
inquieto deste século
e descobrimos
todas as comunhões das nossas almas.
Quando conheceste
as minhas derrotas
e disseste que
eram triunfos.
Quando viste
pulsar meu coração nu
e o festejaste.
Quando soubeste
que nem sempre
os teus
pensamentos são os meus pensamentos
nem os teus
caminhos são os meus caminhos.
Mas o amor brilhou
como nunca em tua face
e me surpreendeste
com a cascata de palavras
de que eu tinha
sede
desde a minha
primeira hora consciente.
Foi quando te
pertenci.
LIBERTAÇÃO
A Teresinka Pereira
Que eu saia de mim
e corte com ânsia
todos os mares
e chegue a todas
as praias sem fadiga.
Que eu esteja nas
grandes planícies, nas montanhas,
no lodo
e no tumulto, na
orla dos lagos e dos abismos.
Que eu saia de mim
e fique nos
caminhos o meu hálito.
Que todos os
clamores e todos os risos
e também todos os
silêncios repercutam em minha
orelha
e a minha língua
se torne clara e ardente como o sol
e todos me
entendam, os meninos, os pobres.
Que eu saia de mim
e com a soma de
minhas libertações
e a massa de
minhas vitórias sobre mim
me volte leve e
humana
para as angústias
e os problemas dos homens.
Que eu saia de mim
e jamais
interrogue sobre o princípio, sobre o fim,
mas sempre diante
do universo
meu espírito
agnóstico seja um olho comovido.
Que eu saia para
sempre de mim
e seja uma nova
criatura
em que as coisas e
os seres fiquem grudados.
Que eu não volte
para mim
que para sempre me
perca
da criatura salva
todos sejam
impregnados.
TUDO FALTARIA
A Nina Costa Dantas
Ainda que no meu
minuto de poesia eu praticasse
o nudismo completo
da alma
e as gentes se
curvassem diante da minha pureza;
embora eu
possuísse a graça dos lírios do campo
e a minha palavra
fosse como água clara
rolando da
montanha
e eu me sentasse
ao lado dos sábios da terra;
e ainda que eu
tivesse a beleza de Paulina Bonaparte
e os homens me
chamassem divina
e a doçura das
úmidas bergamotas
meu amado sempre
achasse em minha boca;
ainda assim, tudo
faltaria
se eu não tivesse
o humano em todos os meus gestos.
Se o rosto de
todas as crianças
eu não quisesse
banhado de ventura
como se elas
tivessem brotado de minha carne
e devorado meu
sangue antes de nascer.
Tudo faltaria
se eu não fosse
capaz de querer
para todo ser
humano
o pão, a rosa e a
paz.
CANTO DAS MÃES
As mulheres
levavam os filhos pequenos pela mão
e, a seu lado, os
que já tinham sonhos e namoradas.
Levavam até mesmo
os recém-nascidos
que haviam
arrancado dos berços
e erguiam nos
braços como bandeiras.
Filhas de todos os
povos, milhões de mães unidas,
pararam diante da
face lívida
dos que estavam
preparando a destruição
da carne de sua
carne.
Pararam para
cantar.
Apertando os
filhos ao peito
elas diziam com
suas vozes límpidas
que não os dariam
para a matança.
(Esperavam pedras
e pragas, dardos e maldições
os donos das
fábricas da morte?)
No entanto, o que
tiveram pela frente foi mais forte,
pois o verbo
simples do amor, o salmo indefeso da paz
os derrotou.
Naquele encontro
face a face,
enquanto as mães
cantavam, os monstros compreendiam
que era a própria
fonte da vida que cantava,
que eles nada mais
podiam.
Forças cósmicas se
haviam desencadeado
contra os seus
desígnios
e os brotos da
terra, que eles pretendiam cortar,
queriam crescer e
amar.
Olharam, por fim,
com vergonha e desolação
as suas grandes
fábricas inúteis.
Os meninos estavam
salvos.
E começou então
uma nova terra e
um novo céu
com flores e
frutos e trigais e risos
e pombos brancos
voando sobre a cabeça dos povos.
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