CINTRA
A Teixeira de Pascoaes
Oh Pena, altar de nuvens sobre a Serra,
Paço de sombras reais, feitoem
granito
E séculos de Azul, — olhando a Terra
Das janelas que ogivam o Infinito!
A Teixeira de Pascoaes
Oh Pena, altar de nuvens sobre a Serra,
Paço de sombras reais, feito
E
Das janelas que ogivam o Infinito!
Oh vôo das florestas que se
esfolham,
Tontas de céus, fragrância!
Oh tardas sombras roxas da Distância!
Ruínas — noite donde as águias olham!
Tontas de céus, fragrância!
Oh tardas sombras roxas da Distância!
Ruínas — noite donde as águias olham!
Oh cedros esmanchando as
ramarias,
Afofando penumbras!
Crepúsculos longínquos de arcarias!
Água que, ao pôr-do-sol, és múrmura e deslumbras,
Que deslumbras meus olhos, meus ouvidos,
E, incerta de gemidos,
Vais esculpindo a diáfanos lavores
As pedras onde o sol desmaia e verte cores!
Afofando penumbras!
Crepúsculos longínquos de arcarias!
Água que, ao pôr-do-sol, és múrmura e deslumbras,
Que deslumbras meus olhos, meus ouvidos,
E, incerta de gemidos,
Vais esculpindo a diáfanos lavores
As pedras onde o sol desmaia e verte cores!
Oh paisagem do céu! Cintra!
Visão suprema!
Arquitetura dos acordes dum poema!
Em ti as mãos do Vento em fúria batalharam!
O Gênio e a Lenda para alem te perpetuaram!
Arquitetura dos acordes dum poema!
Em ti as mãos do Vento em fúria batalharam!
O Gênio e a Lenda para alem te perpetuaram!
Oh Graça que desceste à Terra
por encanto,
Granitos que, ao luar, sois brancos alabastros,
Ramos verdes, à noite, onde estremecem astros,
Meu canto vem de vós, é para vós meu canto!
Granitos que, ao luar, sois brancos alabastros,
Ramos verdes, à noite, onde estremecem astros,
Meu canto vem de vós, é para vós meu canto!
Fraguedos, serrania,
Do alto de vós olhando,
Tolhidos de invernia,
Alados de neblinas!
Nos longes acenais, notívagos, em bando,
Franjas, espuma vaga de cortinas,
Aéreas e nevadas,
Farrapos onde a Noite esconde as madrugadas…
Do alto de vós olhando,
Tolhidos de invernia,
Alados de neblinas!
Nos longes acenais, notívagos, em bando,
Franjas, espuma vaga de cortinas,
Aéreas e nevadas,
Farrapos onde a Noite esconde as madrugadas…
Oh figuras dum drama
subterrâneo,
Gélidas do pavor das sombras que repassam!
Fragas, espectros vãos, que a um rasgo momentâneo,
O vento esculpe e os raios despedaçam!
Gélidas do pavor das sombras que repassam!
Fragas, espectros vãos, que a um rasgo momentâneo,
O vento esculpe e os raios despedaçam!
E ao longe o Mar é um canto de
epopéia
Memorando naufrágios…
Memorando naufrágios…
Profundo ferve, anseia,
Lívido estagna, e sonha, e pára no caminho!
Eis que numa revolta, amargo de presságios,
Lavra de espuma e som visões em desalinho,
Rasga o pano da Noite e, monstro de águas, uiva,
E tomba doido a rir, sobre os areais, exausto…
Lívido estagna, e sonha, e pára no caminho!
Eis que numa revolta, amargo de presságios,
Lavra de espuma e som visões em desalinho,
Rasga o pano da Noite e, monstro de águas, uiva,
E tomba doido a rir, sobre os areais, exausto…
A areia escalda ao sol… Ígnea
de sede ruiva,
Mina-se de água e Azul, absorve o mar num hausto!
Mina-se de água e Azul, absorve o mar num hausto!
Oh Cintra, rente ao céu, o Mar
te afaga,
Floresces em murmúrio, em hálitos de vaga…
Floresces em murmúrio, em hálitos de vaga…
De ti eu dominei, varei os
horizontes,
Estou cansado já, fui Júpiter na Terra!
Nas tuas fontes,
Onde um crepúsculo erra
E o ar é de abandono,
Que eu fosse o musgo em sombra verdecendo,
A voz de longe e Outono,
Baixinho fenecendo…
Estou cansado já, fui Júpiter na Terra!
Nas tuas fontes,
Onde um crepúsculo erra
E o ar é de abandono,
Que eu fosse o musgo em sombra verdecendo,
A voz de longe e Outono,
Baixinho fenecendo…
Fosse a humildade!
Os úmidos recantos
Onde a sombra se esquece, incerta de saudade,
E a chuva caiem prantos…
Os úmidos recantos
Onde a sombra se esquece, incerta de saudade,
E a chuva caiem prantos…
Fosse o tronco musgoso,
enverrugado,
Onde — lembrança eterna,
Um coração se vê de setas trespassado!
Onde — lembrança eterna,
Um coração se vê de setas trespassado!
Fosse a Elegia do Ar quando o
Ar inverna,
Rumores de água, queixas…
Rumores de água, queixas…
…Mansa, como rezando,
" — Porque me deixas!"
Como que a Sombra diz no seu silêncio frio
Á fonte de esquecida memorando,
Lucilante de lágrimas a fio…
" — Porque me deixas!"
Como que a Sombra diz no seu silêncio frio
Á fonte de esquecida memorando,
Lucilante de lágrimas a fio…
Ah, pudesse eu viver pela
espessura
Dos bosques rumorosos,
Ás horas em que a Sombra as coisas transfigura!
Ser o Outono, o crepúsculo, a harmonia
Das aves cuja voz é um hálito de luz
De poentes que morrem de saudosos!
Vestir os troncos nus,
Chorar melancolia…
Dos bosques rumorosos,
Ás horas em que a Sombra as coisas transfigura!
Ser o Outono, o crepúsculo, a harmonia
Das aves cuja voz é um hálito de luz
De poentes que morrem de saudosos!
Vestir os troncos nus,
Chorar melancolia…
Á tarde quando a luz penumbras
vem rezando
A Forma é Aparição,
Há lágrimas de Azul as almas orvalhando,
A Cor é emanação…
A Forma é Aparição,
Há lágrimas de Azul as almas orvalhando,
A Cor é emanação…
Tudo se transfigura:
Há paisagens, cenários pela Altura!
Há paisagens, cenários pela Altura!
Eu deixo de existir
Para mais dentro em mim viver, sentir…
Para mais dentro em mim viver, sentir…
É a hora transcendente
Em que o Passado surge evocador do escuro,
E, sôfrego, o Presente
Dissolve a nevoa do Futuro.
Em que o Passado surge evocador do escuro,
E, sôfrego, o Presente
Dissolve a nevoa do Futuro.
Oh Pena ao alto erguida,
Recortada na sombra — aza de águia perdida,
Nas rochas esfarpando-se!
Nuvem numa outra nuvem evolando-se…
Recortada na sombra — aza de águia perdida,
Nas rochas esfarpando-se!
Nuvem numa outra nuvem evolando-se…
Oh Cintra, ao poente, a fumos
de viuvez,
Subindo num adeus,
Quimérica de longe a Terra já não vês:
É uma ânsia de Infinito a que te abrasa,
Oh verde forma de aza
Com frêmitos de céus!
Subindo num adeus,
Quimérica de longe a Terra já não vês:
É uma ânsia de Infinito a que te abrasa,
Oh verde forma de aza
Com frêmitos de céus!
Oh Cintra és já Distância
Na comunhão dos astros!
Teus granitos transformam-se: alabastros,
De brancos a rezar… Ideal sonância!
Na comunhão dos astros!
Teus granitos transformam-se: alabastros,
De brancos a rezar… Ideal sonância!
E, eu que vivi em ti, rezo
contigo,
Eu, o incerto, misérrimo mendigo,
Trago nos olhos tristes pedrarias,
Astros radiando pálidos fulgores,
Desmaios de harmonias,
No concerto mais intimo das cores.
Eu, o incerto, misérrimo mendigo,
Trago nos olhos tristes pedrarias,
Astros radiando pálidos fulgores,
Desmaios de harmonias,
No concerto mais intimo das cores.
E a Noite escuta, empalidece,
Um murmúrio de voz esvoaça numa prece:
Um murmúrio de voz esvoaça numa prece:
Flébil, o ar magoando,
Idílios suspirando,
Duma estrela que nasce ao pôr-do-sol
O canto chora… lágrimas sem fim!
Idílios suspirando,
Duma estrela que nasce ao pôr-do-sol
O canto chora… lágrimas sem fim!
A alma dum rouxinol
Sonha com Bernardim.
Sonha com Bernardim.
E desfez-se, apagou-se
Em ondas de saudade — o olor mais doce…
Em ondas de saudade — o olor mais doce…
Súbito, heróico de saudades,
Um canto acorda, funde o bronze das Idades!
Um canto acorda, funde o bronze das Idades!
Oh canto pela noite, em prantos
marulhado,
Memória em cujo olor há mortas primaveras,
Pelos astros, o Espaço cadenciado,
Ungido pela benção das Esferas,
Falas da minha raça, dos profetas
Invectivando o Mar,
De mouros pela areia, cujas setas
Eram menos mortíferas que o olhar!
Memória em cujo olor há mortas primaveras,
Pelos astros, o Espaço cadenciado,
Ungido pela benção das Esferas,
Falas da minha raça, dos profetas
Invectivando o Mar,
De mouros pela areia, cujas setas
Eram menos mortíferas que o olhar!
Oh ritmo das oitavas
Nas veias do meu sangue a tumultuar!
Oh lira de Camões, acordes de ondas bravas!
Nas veias do meu sangue a tumultuar!
Oh lira de Camões, acordes de ondas bravas!
E, brônzea a voz sucumbe: os
céus ficam arfando,
Reboando, ecoando…
Reboando, ecoando…
Mas a candura, a graça do
sorriso,
De quem vive a morrer,
E tem no olhar de magoa o Paraíso,
E Deus no coração sem o saber,
Desfolham-se num hálito de outono
Pelos céus, pelas almas de abandono…
De quem vive a morrer,
E tem no olhar de magoa o Paraíso,
E Deus no coração sem o saber,
Desfolham-se num hálito de outono
Pelos céus, pelas almas de abandono…
Oh moreno cantor a ouvir de
bruços,
Das góticas ogivas merencórias,
Musgosas de saudade,
Ecos duma outra Idade,
Vozes de viola zoando moribundas,
Morrendo gemebundas;
Crepúsculo de som, penumbra de memórias…
Das góticas ogivas merencórias,
Musgosas de saudade,
Ecos duma outra Idade,
Vozes de viola zoando moribundas,
Morrendo gemebundas;
Crepúsculo de som, penumbra de memórias…
Oh Lusíada absorto
Na quimera do Alem! Infante é tudo morto,
De que serve esperar!
Na quimera do Alem! Infante é tudo morto,
De que serve esperar!
Falas de longe: a Morte diz à
Vida
A sua grande, eterna despedida…
A sua grande, eterna despedida…
Em ti, meu pálido Anto,
Há mortos a falar!
Há mortos a falar!
Oh moribunda voz em lágrimas de
canto…
E eis-me perdido e só, como um
ceguinho,
Tateio céus de extática harmonia,
E vejo Deus em mim a ungir-me de carinho,
E sou onda de luz em melodia…
Tateio céus de extática harmonia,
E vejo Deus em mim a ungir-me de carinho,
E sou onda de luz em melodia…
Morri para viver alem da Morte:
Meu negro olhar agora é azul-celeste,
Ouço na minha lira o meu transporte,
Senhor! Bendita a morte que me deste!
Meu negro olhar agora é azul-celeste,
Ouço na minha lira o meu transporte,
Senhor! Bendita a morte que me deste!
Oh floresta! Oh granitos
revestidos
De auroras e crepúsculos e Lenda:
Que o som da minha lira a vós ascenda!
Vossa escultura de intima harmonia
Seja acordes em echos desferidos,
Eternidade, Azul, melancolia…
De auroras e crepúsculos e Lenda:
Que o som da minha lira a vós ascenda!
Vossa escultura de intima harmonia
Seja acordes em echos desferidos,
Eternidade, Azul, melancolia…
Quero inclinar a fronte,
Quero dormir ouvindo de Além-Mundo
Meu carme gemebundo
Rasgando nuvens, céus, aladamente,
E, baixinho, humaníssimo, contente,
Umedecendo ressequida fonte…
Quero dormir ouvindo de Além-Mundo
Meu carme gemebundo
Rasgando nuvens, céus, aladamente,
E, baixinho, humaníssimo, contente,
Umedecendo ressequida fonte…
E eis-me esculpindo formas de
florestas,
Eis-me gravando a som um tronco esquálido,
Abrindo nas prisões esguias frestas,
Por onde o luar se escoa muito pálido…
Eis-me gravado a som, eis-me esculpindo
Oh Cintra o teu perfume pelo Outono…
Eis-me sagrado e lindo,
Rasgando a luz a noite do meu sono…
E vivo a Eternidade no meu canto!
Atônito de mim, revolvo mundos,
Sou mágico de encanto,
Erro pelos abismos mais profundos,
E trago auroras rútilas nos olhos
E harmonizo de paz os horizontes!
Eis-me gravando a som um tronco esquálido,
Abrindo nas prisões esguias frestas,
Por onde o luar se escoa muito pálido…
Eis-me gravado a som, eis-me esculpindo
Oh Cintra o teu perfume pelo Outono…
Eis-me sagrado e lindo,
Rasgando a luz a noite do meu sono…
E vivo a Eternidade no meu canto!
Atônito de mim, revolvo mundos,
Sou mágico de encanto,
Erro pelos abismos mais profundos,
E trago auroras rútilas nos olhos
E harmonizo de paz os horizontes!
Sou melodia úmida do mar
Rezada nos escolhos…
Rezada nos escolhos…
E, ao vir do Outono, incerto de
Distância,
Saudoso olor memora a minha infância,
Vou ausente de mim por mim a andar…
Saudoso olor memora a minha infância,
Vou ausente de mim por mim a andar…
Tudo o que eu fui acorda! É
água viva…
Cintra, vagueio em ti! Nas tuas
fontes
Minha saudade em lágrimas deriva,
E o Outono é o meu fantasma a recordar!
Minha saudade em lágrimas deriva,
E o Outono é o meu fantasma a recordar!
TEUS OLHOS
Teus olhos de tão
mística elegia,
resplandecentes de
penumbra viva,
Perdem-se em mim:
do meu olhar deriva
A luz da mais
cristã melancolia!
Possa eu viver em
ti, nessa harmonia
De memorante paz
meditativa;
Minha alma da tua
alma se cativa,
Aspira o teu
silêncio que inebria!
Teu vulto no Ar
imprime-se em debuxos
De recortada flor;
visões perpassam
Nocturnamente nos
teus olhos bruxos!
Uma fonte discorre
outonos tristes;
Caem flores do
Céu; almas esvoaçam;
Estendo as mãos...
adeus! Já não existes!
ENLEVO
Porque esse olhar
de sombra de temor
Se perde em mim,
às horas do sol posto,
Quando é de âmbar
translúcido o teu rosto,
E a tua alma
desmaia como flor;
Porque essas mãos,
ardidas de fervor,
Ampararam minha
vida de desgosto,
Pobre que sou,
Mulher, eu hei composto
Harmonias de prece
em teu louvor!
Dei-te a minha
alma para ti nascida,
Meus versos que
são mais que a minha vida;
Por Deus, perdoa
ao mísero mendigo!
Perdoa a quem,
ansioso de outro mundo,
Implora à Morte o
sono mais profundo,
Só pela graça de
sonhar contigo!
ALELUIA
Se cantas, nasce o
dia;
A luz segreda à
flor: Ave, Maria!
Tudo é silêncio,
espanto,
Quando vaga no
Azul o teu encanto...
Passas e deixas no
ar
O perfume das
rosas de toucar!
Creio em ti, como
em Deus;
Viver à tua luz é
estar nos Céus!
Verdes enleios de
hera
Cingem de amor teu
vulto, ó Primavera!
Nos perdidos
caminhos,
Voam gorjeios,
músicas dos ninhos...
A Terra em névoas
de ouro
Ascende a Deus em
teu olhar de choro!
Senhora da
Harmonia,
Em ti a minha vida
principia!
Se voas pela
Altura,
Gravas no Azul a
tua formosura!
Teu voo é um longo
adeus:
O caminho das
almas para os Céus...
Longe, saudosa,
adejas,
E pairas sobre
mim... bendita sejas!
CASTELO DE BEJA
Castelo de Beja,
No plaino sem fim;
Já morto que eu
seja,
Lembra-te de mim!
Castelo de Beja,
De nuvens toucado;
A luz que te beija
É sol do Passado!
Castelo de Beja,
Espiando o
inimigo;
Te veja ou não
veja,
Sempre estou
contigo!
Castelo de Beja,
Feito de epopeias;
Um sonho flameja,
Nas tuas ameias!
Castelo de Beja,
Subindo, lá
vais...
Tu fazes inveja
Às águias reais!
Castelo de Beja,
Lembra-te de mim:
Saudade que adeja,
No plaino sem
fim...
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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