MOÇA LINDA BEM TRATADA
Moça linda
bem tratada,
Três séculos
de família,
Burra como
uma porta:
Um amor.
Grã-fino
do despudor,
Esporte,
ignorância e sexo,
Burro como
uma porta:
Um coió.
Mulher
gordaça, filó,
De ouro
por todos os poros
Burra como
uma porta:
Paciência...
Plutocrata
sem consciência,
Nada
porta, terremoto
Que a
porta de pobre arromba:
Uma bomba.
ACEITARÁS O AMOR COMO EU O ENCARO
Aceitarás
o amor como eu o encaro?...
...Azul
bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te
a imagem, como um anteparo
Contra
estes móveis de banal presente.
Tudo o que
há de melhor e de mais raro
Vive em
teu corpo nu de adolescente,
A perna
assim jogada e o braço, o claro
Olhar
preso no meu, perdidamente.
Não exijas
mais nada. Não desejo
Também
mais nada, só te olhar, enquanto
A
realidade é simples, e isto apenas.
Que grandeza...
a evasão total do pejo
Que nasce
das imperfeições. O encanto
Que nasce
das adorações serenas.
RETRATO DE NOVEMBRO
I
Os
trabalhadores protestam na rua, Excelência.
Não me
incomodam!
Como?!
Não vou
sair para essas bandas!
Querem
avistar-se com Vossa Excelência.
Não os
conheço!
Já estão a
fazer barulho.
Manda-os
embora!
Não
abalam.
Manda-os
calar!
Não nos
escutam, Excelência.
Bom, somos
um país livre!
Mas a
gritaria vai-nos incomodar.
Fecha as
portas e as janelas!
Mesmo
assim os ouviremos.
Tapa os
ouvidos!
Também não
resulta, Excelência.
Então,
ignora-os!
Como?!
Finge que
não existem!
Vai ser
difícil, Excelência.
Mas não
impossível!
II
E os
massacres no Alentejo, Excelência?
Oh nada de
extraordinário a assinalar
Senão os
coveiros já teriam reclamado
Horas
suplementares!
POEMAS DA AMIGA
A tarde se
deitava nos meus olhos
E a fuga
da hora me entregava abril,
Um sabor
familiar de até-logo criava
Um ar, e,
não sei porque, te percebi.
Voltei-me
em flor. Mas era apenas tua lembrança.
Estavas
longe doce amiga e só vi no perfil da cidade
O arcanjo
forte do arranha-céu cor de rosa,
Mexendo
asas azuis dentro da tarde.
Quando eu
morrer quero ficar,
Não contem
aos meus amigos,
Sepultado
em minha cidade,
Saudade.
Meus pés
enterrem na rua Aurora,
No
Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes
Chaves a cabeça
Esqueçam.
No Pátio
do Colégio afundem
O meu
coração paulistano:
Um coração
vivo e um defunto
Bem
juntos.
Escondam
no Correio o ouvido
Direito, o
esquerdo nos Telégrafos,
Quero
saber da vida alheia
Sereia.
O nariz
guardem nos rosais,
A língua
no alto do Ipiranga
Para
cantar a liberdade.
Saudade...
Os olhos
lá no Jaraguá
Assistirão
ao que há de vir,
O joelho
na Universidade,
Saudade...
As mãos
atirem por aí,
Que
desvivam como viveram,
As tripas
atirem pro Diabo,
Que o
espírito será de Deus.
Adeus.
CANTAM PÁSSAROS EXÓTICOS NO TEU PÚBIS
Cantam
pássaros exóticos no teu púbis.
Como
espelhar graficamente
uma
melodia de sonho?
Cantam
pássaros exóticos no teu púbis.
Como
definir a breve vertigem
nos
momentos de lucidez?
Cantam
pássaros exóticos no teu púbis.
Como
descrever o frêmito singular
com as
palavras banais de todos os dias?
Cantam
pássaros exóticos no teu púbis.
Cantam. Ou
imagino-os.
Oiço-os.
Ou adivinho-os.
Quantas
decepções cabem no abismo
que separa
A Sensação de A Palavra?
Cantam
pássaros exóticos no teu púbis.
Para nós
ambos, no vórtice do delírio.
Como
ouvi-los sem ser a deliberar?
E como
delirar sem os ouvir?
Cantam
pássaros exóticos no teu púbis.
O êxtase
está além do abraço desesperado
além dos copos
do peito além da sanguessuga
labiar
além das ancas convulsivas além
dos rostos
de mármore esbraseados
Cantam
pássaros exóticos no teu púbis.
E só
ouvindo-os nos amamos como sonhamos.
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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