UM SONHO
Ao
embarque e partida de uma Senhora.
Ela
foi-se! E com ela foi minh’alma
n’asa
veloz da brisa sussurrante,
que ufana
do tesouro que levava,
ia...
corria... e como vai distante!
Voava a
brisa e no atrevido rapto
frisava do
Oceano a face lisa:
eu que a
brisa acalmar tentava insano,
com meus
suspiros alentava a brisa!
No
horizonte esconder-se anuviado
eu a vi; e
dois pontos luminosos
apenas
onde ela ia me mostravam:
eram eles
seus olhos lacrimosos!
Pouco e
pouco empanou-se a luz confusa,
que me
sorria lá dos olhos seus;
e d’além
ondulando uma aura amiga
aos meus
ouvidos repetiu adeus!
Nada mais
via eu, nem mesmo um raio
fulgir a
furto a esperança bela;
mas meus
olhos ilusos descobriram
numa
amável visão a imagem dela.
Esvaiu-se
a visão, qual nuvem áurea
ao bafejar
da vespertina aragem;
se aos
olhos eu perdia a imagem sua,
no meu
peito eu achava a sua imagem.
Ela
foi-se!... E com ela foi minh’alma
na asa
veloz da brisa sussurrante,
que ufana
do tesouro que levava,
ia...
corria... e como vai distante!
INSPIRAÇÃO SÚBITA
A Rosina
Stoltz em uma representação da "Favorita".
Gênio!
Gênio!... inda mais! Supremo esforço
da mão de
Deus no ardor do entusiasmo!
És anjo ou
és mulher, tu que nos roubas
do culto o
amor, o êxtase do pasmo?
Na pujança
do vôo a águia soberba
tenta o
céu devassar, exausta pára:
nas asas
do lirismo, tu de Jeová
ao templo
chegas, e te prostras n’ara.
Aí,
c’roada de fulgente auréola,
no
concerto dos anjos te misturas;
e se
cantas na terra, são teus hinos
harmonias
que ouviste nas alturas;
aí aspiras
o lustral perfume,
que das
urnas sagradas se evapora:
eis porque
tua voz parece ungida
dos olores
da flor, que orvalha a aurora.
Aí do
coração na harpa animada,
as cordas
descobriste de ouro estreme,
que se
vibram de amor, ateiam n’alma
paixão que
goza e sofre e canta e geme.
Aí o
idioma típico aprendeste,
que
entendem todos e que tudo exprime:
é assim
teu olhar o verbo vivo,
é teu
gesto a linguagem mais sublime.
Mistério
augusto que do Eterno ao fiat
surgiste,
qual visão que atrai, fascina;
se da
mulher teu corpo veste a forma,
arde no
gênio tua chama divina.
Mulher ou
anjo! Cumpre a missão tua!
Seja a
crença deleite, a fé doçura;
toda a
terra ame ao céu nos seus prodígios,
adore o
Criador na criatura.
FORMOSA
Formosa,
qual pincel em tela fina
debuxar
jamais pôde ou nunca ousara;
formosa,
qual jamais desabrochara
na
primavera rosa purpurina;
formosa,
qual se a própria mão divina
lhe
alinhara o contorno e a firma rara;
formosa,
qual jamais no céu brilhara
astro
gentil, estrela peregrina;
formosa,
qual se a natureza e a arte,
dando as
mãos em seus dons, em seus lavores
jamais
soube imitar no todo ou parte;
mulher
celeste, oh! anjo de primores!
Quem pode
ver-te, sem querer amar-te?
Quem pode
amar-te, sem morrer de amores?!
ERA JÁ POSTO O SOL
Era já
posto o sol. A natureza
Em ondas
de perfume se banhava;
Aqui,
pendia a rosa, além brilhava
Alguma
flor de virginal pureza.
Nuvem
sutil, de pálida tristeza,
Pelo
cândido rosto lhe vagava.
Nas negras
tranças do cabelo estava
Murcha e
mais triste uma saudade presa.
Oh! pintor
que a pintaste! Era mais bela
Que a lua
deslumbrante de fulgores,
Surgindo
dentre as sombras da procela!
Ao vê-la,
aos meus olhos matadores,
Voou meu
coração aos lábios dela,
Minh´alma
ardente se banhou de amores.
UM VOTO
Enfin, pauvre feuille envolée,
Je viendrais, au gré dês mês voeux,
Me poser sur son froiit, mêlée
Aux boucles de sés noirs cheveux.
VICTOR HUGO: Orienlales.
Se eu fora a flor
querida, a flor mais bela
De quantas brilham
no matiz, na gala;
Se o meu perfume
fora mais suave
Que essse que a
rosa no Oriente exala;
Se em volta a mim
os zéfiros traidores
Sussurrando
viessem bafejar-me,
E com moles
blandícias, brandos mimos
Tentassem de
minh'haste arrebatar-me;
Se o vário
beija-flor tão feiticeiro,
Desprezando uma a
uma as demais flores,
Em meu virgíneo,
delicado seio
Depusesse seus
beijos, seus amores;
Num vaso de
esmeralda eu não quisera
Os aposentos
decorar brilhantes
Do soberbo Nababo
de Golconda,
Que pisa em pér'las,
topa nos diamantes.
Tão pouco eu cobiçara
ornar o seio
Dessa jovem
britânica princesa;
Em quem o brilho
do diadema augusto
Luz menos que os
encantos da beleza.
Pousar, senhora,
fora o meu desejo
Em vossa fronte
tão serena e bela,
E fazer que cm seu
voo o tempo rápido
A asa impura não
ouse roçar nela.
Como um raio da
vossa formosura
Refletiria em mim
seu fogo santo
Como a fragrância
dos cabelos vossos
Dera a minha fragrância
novo encanto!
Aí como vaidosa eu
ostentara
Todo o meu
esplendor. E qual rainha
Num trono de ouro
ousara disputar-me
Minh'alta condição
c a glória minha?
Mas já que a flor
não sou apetecida
(Que o não
consentem fados meus adversos)
Não recuseis, senhor,
a flor silvestre
Que o bardo vos
of´rece nestes versos.
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
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