sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Maciel Monteiro: "5 Poemas"

UM SONHO

Ao embarque e partida de uma Senhora.
Ela foi-se! E com ela foi minh’alma
n’asa veloz da brisa sussurrante,
que ufana do tesouro que levava,
ia... corria... e como vai distante!
Voava a brisa e no atrevido rapto
frisava do Oceano a face lisa:
eu que a brisa acalmar tentava insano,
com meus suspiros alentava a brisa!
No horizonte esconder-se anuviado
eu a vi; e dois pontos luminosos
apenas onde ela ia me mostravam:
eram eles seus olhos lacrimosos!
Pouco e pouco empanou-se a luz confusa,
que me sorria lá dos olhos seus;
e d’além ondulando uma aura amiga
aos meus ouvidos repetiu adeus!
Nada mais via eu, nem mesmo um raio
fulgir a furto a esperança bela;
mas meus olhos ilusos descobriram
numa amável visão a imagem dela.
Esvaiu-se a visão, qual nuvem áurea
ao bafejar da vespertina aragem;
se aos olhos eu perdia a imagem sua,
no meu peito eu achava a sua imagem.
Ela foi-se!... E com ela foi minh’alma
na asa veloz da brisa sussurrante,
que ufana do tesouro que levava,
ia... corria... e como vai distante!


INSPIRAÇÃO SÚBITA

A Rosina Stoltz em uma representação da "Favorita".
Gênio! Gênio!... inda mais! Supremo esforço
da mão de Deus no ardor do entusiasmo!
És anjo ou és mulher, tu que nos roubas
do culto o amor, o êxtase do pasmo?
Na pujança do vôo a águia soberba
tenta o céu devassar, exausta pára:
nas asas do lirismo, tu de Jeová
ao templo chegas, e te prostras n’ara.
Aí, c’roada de fulgente auréola,
no concerto dos anjos te misturas;
e se cantas na terra, são teus hinos
harmonias que ouviste nas alturas;
aí aspiras o lustral perfume,
que das urnas sagradas se evapora:
eis porque tua voz parece ungida
dos olores da flor, que orvalha a aurora.
Aí do coração na harpa animada,
as cordas descobriste de ouro estreme,
que se vibram de amor, ateiam n’alma
paixão que goza e sofre e canta e geme.
Aí o idioma típico aprendeste,
que entendem todos e que tudo exprime:
é assim teu olhar o verbo vivo,
é teu gesto a linguagem mais sublime.
Mistério augusto que do Eterno ao fiat
surgiste, qual visão que atrai, fascina;
se da mulher teu corpo veste a forma,
arde no gênio tua chama divina.
Mulher ou anjo! Cumpre a missão tua!
Seja a crença deleite, a fé doçura;
toda a terra ame ao céu nos seus prodígios,
adore o Criador na criatura.


FORMOSA

Formosa, qual pincel em tela fina
debuxar jamais pôde ou nunca ousara;
formosa, qual jamais desabrochara
na primavera rosa purpurina;
formosa, qual se a própria mão divina
lhe alinhara o contorno e a firma rara;
formosa, qual jamais no céu brilhara
astro gentil, estrela peregrina;
formosa, qual se a natureza e a arte,
dando as mãos em seus dons, em seus lavores
jamais soube imitar no todo ou parte;
mulher celeste, oh! anjo de primores!
Quem pode ver-te, sem querer amar-te?
Quem pode amar-te, sem morrer de amores?!


ERA JÁ POSTO O SOL

Era já posto o sol. A natureza
Em ondas de perfume se banhava;
Aqui, pendia a rosa, além brilhava
Alguma flor de virginal pureza.

Nuvem sutil, de pálida tristeza,
Pelo cândido rosto lhe vagava.
Nas negras tranças do cabelo estava
Murcha e mais triste uma saudade presa.

Oh! pintor que a pintaste! Era mais bela
Que a lua deslumbrante de fulgores,
Surgindo dentre as sombras da procela!

Ao vê-la, aos meus olhos matadores,
Voou meu coração aos lábios dela,
Minh´alma ardente se banhou de amores.
  


UM VOTO
 Enfin, pauvre feuille envolée,
Je viendrais, au gré dês mês voeux,
Me poser sur son froiit, mêlée
Aux boucles de sés noirs cheveux.
VICTOR HUGO: Orienlales.

Se eu fora a flor querida, a flor mais bela
De quantas brilham no matiz, na gala;
Se o meu perfume fora mais suave
Que essse que a rosa no Oriente exala;
Se em volta a mim os zéfiros traidores
Sussurrando viessem bafejar-me,
E com moles blandícias, brandos mimos
Tentassem de minh'haste arrebatar-me;

Se o vário beija-flor tão feiticeiro,
Desprezando uma a uma as demais flores,
Em meu virgíneo, delicado seio
Depusesse seus beijos, seus amores;

Num vaso de esmeralda eu não quisera
Os aposentos decorar brilhantes
Do soberbo Nababo de Golconda,
Que pisa em pér'las, topa nos diamantes.

Tão pouco eu cobiçara ornar o seio
Dessa jovem britânica princesa;
Em quem o brilho do diadema augusto
Luz menos que os encantos da beleza.

Pousar, senhora, fora o meu desejo
Em vossa fronte tão serena e bela,
E fazer que cm seu voo o tempo rápido
A asa impura não ouse roçar nela.

Como um raio da vossa formosura
Refletiria em mim seu fogo santo
Como a fragrância dos cabelos vossos
Dera a minha fragrância novo encanto!

Aí como vaidosa eu ostentara
Todo o meu esplendor. E qual rainha
Num trono de ouro ousara disputar-me
Minh'alta condição c a glória minha?

Mas já que a flor não sou apetecida
(Que o não consentem fados meus adversos)
Não recuseis, senhor, a flor silvestre
Que o bardo vos of´rece nestes versos.



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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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