sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Maria Firmina dos Reis: "5 Poemas"

O MEU DESEJO

Na hora em que vibrou a mais sensível
Corda de tu’alma – a da saudade,
Deus mandou-te, poeta, um alaúde,
E disse: Canta amor na soledade.
Escuta a voz do céu, – eia, cantor,
Desfere um canto de infinito amor.

Canta os extremos duma mãe querida,
Que te idolatra, que te adora tanto!
Canta das meigas, das gentis irmãs,
O ledo riso de celeste encanto;
E ao velho pai, que tanto amor te deu,
Grato oferece-lhe o alaúde teu.

E a liberdade, – oh! poeta, – canta,
Que fora o mundo a continuar nas trevas?
Sem ela as letras não teriam vida,
menos seriam que no chão as relvas:
Toma por timbre liberdade, e glória,
Teu nome um dia viverá na história.

Canta, poeta, no alaúde teu,
Ternos suspiros da chorosa amante;
Canta teu berço de saudade infinda,
Funda lembrança de quem está distante:
Afina as cordas de gentis primores,
Dá-nos teus cantos trescalando odores.

Canta do exílio com melífluo acento,
Como Davi a recordar saudade;
Embora ao riso se misture o pranto;
Embora gemas em cruel soidade...
Canta, poeta, – teu cantar assim,
Há de ser belo enlevador enfim.

Nos teus harpejos juvenil poeta,
Canta as grandezas que se encerram em Deus,
Do sol o disco, – a merencória lua,
Mimosos astros a fulgir nos céus;
Canta o Cordeiro, que gemeu na Cruz,
Raio infinito de esplendente luz.

Canta, poeta, teu cantar singelo,
Meigo, sereno com um riso d’anjos;
Canta a natura, a primavera, as flores,
Canta a mulher a semelhar arcanjos.
Que Deus envia à desolada terra,
Bálsamo santo, que em seu seio encerra.

Canta, poeta, a liberdade, – canta.
Que fora o mundo sem fanal tão grato...
Anjo baixado da celeste altura,
Que espanca as trevas deste mundo ingrato.
Oh! sim, poeta, liberdade, e glória
Toma por timbre, e viverás na história.

***

Eu não te ordeno, te peço,
Não é querer, é desejo;
São estes meus votos – sim.
Nem outra cousa eu almejo.
E que mais posso eu querer?
Ver-te Camões, Dante ou Milton,
Ver-te poeta – e morrer.



AH! NÃO POSSO

Se uma frase se pudesse
Do meu peito destacar;
Uma frase misteriosa
Como o gemido do mar,
Em noite erma, e saudosa,
De meigo, e doce luar.
Ah! se pudesse!... mas muda
Sou, por lei, que me impõe Deus!
Essa frase maga encerra,
Resume os afetos meus;
Exprime o gozo dos anjos,
Extremos puros dos céus.

Entretanto, ela é meu sonho,
Meu ideal inda é ela;
Menos a vida eu amara
Embora fosse ela bela.
Como rubro diamante,
Sob finíssima tela.

Se dizê-la é meu empenho,
Reprimi-la é meu dever:
Se se escapar dos meus lábios,
Oh! Deus, - fazei-me morrer!
Que eu pronunciando-a não posso
Mais sobre a terra viver.



CONFISSÃO

Embalde, te juro, quisera fugir-te,
Negar-te os extremos de ardente paixão:
Embalde, quisera dizer-te: - não sinto
Prender-me à existência profunda afeição.
Embalde! é loucura. Se penso um momento,
Se juro ofendida meus ferros quebrar:
Rebelde meu peito, mais ama querer-te,
Meu peito mais ama de amor delirar.

E as longas vigílias, - e os negros fantasmas,
Que os sonhos povoam, se intento dormir,
Se ameigam aos encantos, que tu me despertas,
Se posso a teu lado venturas fruir.

E as dores no peito dormentes se acalmam.
E eu julgo teu riso credor de um favor:
E eu sinto minh'alma de novo exaltar-se,
Rendida aos sublimes mistérios do amor.

Não digas, é crime - que amar-te não sei,
Que fria te nego meus doces extremos...
Eu amo adorar-te melhor do que a vida,
melhor que a existência que tanto queremos.

Deixara eu de amar-te, quisera um momento,
Que a vida eu deixara também de gozar!
Delírio, ou loucura - sou cega em querer-te,
Sou louca... perdida, só sei te adorar.



SEU NOME

Seu nome! em repeti-lo a planta, a erva,
A fonte, a solidão, o mar, a brisa
Meu peito se extasia!
Seu nome é meu alento, é-me deleite;
Seu nome, se o repito, é dúlia nota
De infinda melodia.
Seu nome! vejo-o escrito em letras d'ouro
No azul sideral à noite quando
Medito à beira-mar:
E sobre as mansas águas debruçada,
Melancólica, e bela eu vejo a lua,
Na praia a se mirar.

Seu nome! é minha glória, é meu porvir,
Minha esperança, e ambição é ele,
Meu sonho, meu amor!
Seu nome afina as cordas de minh'harpa,
Exalta a minha mente, e a embriaga
De poético odor.

Seu nome! embora vague esta minha alma
Em páramos desertos, - ou medite
Em bronca solidão:
Seu nome é minha idéia - em vão tentara
Roubar-mo alguém do peito - em vão - repito,
Seu nome é meu condão.

Quando baixar benéfico a meu leito,
Esse anjo de deus, pálido, e triste
Amigo derradeiro.
No seu último arcar, no extremo alento,
Há de seu nome pronunciar meus lábios,
Seu nome todo inteiro!...



A UMA AMIGA

Eu a vi - gentil mimosa,
Os lábios da cor da rosa,
A voz um hino de amor!
Eu a vi, lânguida, e bela:
E ele a rever-se nela:
Ele colibri - ela flor.
Tinha a face reclinada
Sobre a débil mão nevada:
Era a flor à beira-rio.
A voz meiga, a voz fluente,
Era um arrulo cadente,
Era um vago murmúrio.

No langor dos olhos dela
Havia expressão tão bela,
Tão maga, tão sedutora,
Que eu mesmo julguei-a anjo,
Eloá, fada, ou arcanjo,
Ou nuvem núncia d'aurora.

Eu vi - o seio lhe arfava:
E ela... ela cismava,
Cismava no que lhe ouvia;
Não sei que frase era aquela:
Só ele falava a ela,
Só ela a frase entendia.

Eu tive tantos ciúmes!...
Teria dos próprios numes,
Se lhe falassem de amor.
Porque, querê-la - só eu.
Mas ela! - a outra ela deu
meigo riso encantador...
Ela esqueceu-se de mim

Por ele... por ele, enfim.

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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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