TOMBEAU
o túmulo está em
toda parte na terra
onde abrimos
trincheiras à unha na água
em que nos
afogamos de cerveja no fogo
do tacho queimando
calhamaços no ar
onde sepultamos
balões coloridos
buracos que
fazemos em cada curva
do cioso apego à
história já escrita
sempre esteve ali
e em outra parte
sempre nos serviu
e nos deixou a ver navios
o túmulo nos
seduziu com o esquecimento
com o rock style
da última estação
mas nos deu
memória e nos civilizou
como a pedra e o
nome só não está
no esquecimento da
página não escrita
ou nela sobretudo
como um buraco
invertido uma
vasta superfície gelada
uma indiferença
branca onde repousa
a mordida aplacada
de sua boca
SIMPLICIDADE
a cidade é o que
está diante
não tenho mais uma
cidade
não me peça cores
de simplicidade
sei apenas disso e
é muito simples
preciso daquilo
que é simples
a cidade é o que
está diante e já
não tenho uma
simples cidade
não não tenho essa
cidade
(nem aquela
assombreada
luzes amarelas
sobre os seios
como na boca o
leite do dia
nem as outras
reluzentes
ao calor da
madrugada)
não não as tenho
em meu espelho
a cidade está mais
à frente
A DISTÂNCIA CONSENTIDA
qual é a distância
certa da cidade? a altura
certa para ver a
cidade? de onde a cidade
não seja apenas
vista de onde não seja apenas
memória de outra
ou miragem pressentida
meu desejo desta
tarde é o da distância certa
um indício de
reciprocidade uma ideia de alegria
não a ilusão
panorâmica do visível
mas a distância consentida
ali onde se aceita
a invenção da vida
as insinuações da morte
a camada de mortos
e de vivos sob a vasta
construção em
curso metamorfose de cidade
me pergunto onde
estou e qual a distância certa
nada além ou aquém
desta
nenhuma silhueta
nada que passe caro kavafis
sombra ligeira
sobre o topo das colinas
CONTRALUZ
quando saímos de
casa dizemos que são outros tempos
as madeiras são
envernizadas as memórias de demolição
o sol queima no
rosto e tudo é demasiadamente real
raios ultravioleta
fios elétricos sobre os muros
as manchas brancas
de protetor solar
quando voltamos o
sol já não nos ilumina apenas as colinas no alto
estão acesas de
uma luz fosca mas nítida
nenhum calor nos
faz carícias sobre o corpo nenhuma
sombra nenhum
ideal apenas o protetor
solar escorre
os olhos ardem
e enfim platão
desce
NENHUMA ÉPOCA É MAIS DIFÍCIL QUE SEU POEMA
ao lado das
meninas de abrigo e tênis nike
sobre o tapete de
grama o vendaval da tarde
pôs um véu de
sementes de leucaena
como sobre um
tapete de grama tão sintética
germinar a cabeça
leucocephala de um poema?
procuro soluções
mudando perspectivas
com um movimento
para cima da cabeça
vejo apenas
entranhas de árvores e nada muda
curvado com a
cabeça entre as pernas o mundo
se inverte mas
tudo continua igualmente inerte
adeus melenas
adeus meninas de tênis nike
esmago mudas
leucenas mas a vida é invasora
gemina 100 por
cento onde quer que caia
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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VIII - Abril-Maio-Junho 2013 - Ano II - Nº 75 - Academia Brasileira de Letras - ABL
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