O PODER QUE TUDO PODE
(Canto às armas e
às letras russas)
Tudo passa tão
rápido: o domínio
da lança
macedônica de Alexandre o Grande,
a espada e o
escudo de Caio Júlio,
algoz de
Vercingetorix,
Pepino o Breve,
Carolíngios,
Carlos V, o poder
do grande
Pedro, fundador de
S. Petersburgo,
mas não a força de
Katharina a Grande,
generalíssima na
Geórgia,
entre as armas e
as letras:
Pushkin, Blok,
Dostoiévski,
Tolstoi,
Pasternak, Tchekov, Gogol
e novamente a
safira do Oriente
onde nasceram e
viveram
em séculos
passados os cossacos,
homens sem medo
que fizeram os czars,
deixando para trás
seus antigos príncipes
indolentes,
incapazes
de enfrentar
a crueldade dos
reis poloneses
que submetiam a
humilhações
os cossacos como
se fossem colonos,
ou medrosos
animais domésticos
– mas isso foi há
muito tempo –
até que em certo
verão
surgiram em Kiev
vindos das altas
regiões dos Urais,
do Cáucaso,
das vastas
planícies da Ucrânia,
e até
da Turquia, grupos
nômades,
que buscaram
enterrar
nas estepes
a tirania polaca,
e eram duros e se
diziam kosaks
montados em
cavalos de puro-sangue
à procura de
combates e assim fundaram
a fronteira
europeia
e como bons
guerreiros
defenderam a
Europa contra
os hunos de
Átila, Tarmelão,
Gêngis-Khan
e outros olhos
oblíquos
cujo epicanto
os faziam
diferentes do olhar-safira do Ocidente,
e se voltaram, margeando
as fronteiras
das províncias
asiáticas ao sul,
e foram plantar
armas
nos confins da
Sibéria... nas grandes planícies
onde se uniam ao
uivo triste
dos lobos, triste
como a servidão
de suas vidas,
ainda assim menos tristes
que as canções de
Rilke e de seus anjos
menos terríveis
que as pontas do sabre de Ivan!
“Não é a Rússia” –
diziam eles –,
“um símbolo
carente
de heroísmo
eslavo...”.
É a Rússia, amante
dos belos uniformes,
de seus museus, de
suas artes,
de suas belas
mulheres, belas
como o riso de
Bolskonkaia,
Rússia de
Khlébnikov, Blok e Maiakovski,
orgulhosa de seu
braço militar,
fundadora do
Império euro-asiático,
mãe do poder e da
glória de uma aristocracia
(armada e amada
por seus guerreiros nômades)
que viveram há
muitos séculos,
e também no século
XX
quando já não se
falava de nostalgia e servidão,
na realidade gente
alegre,
um povo de fala
mais forte
que a voz dos
tsunamis,
rápidos nos sabres
como os tufões da China,
voltando suas
armas contra a tirania polonesa,
lutavam durante o
dia, e à noite adormeciam
a ouvir o grito da
marmota
que os acalentava
no sono
enquanto enchia de
gelo
o coração e a
mente do inimigo
A estepe é um
bosque sagrado, ó amadas planícies,
campo florido,
oceano expresso
pela rítmica
linguagem
de poetas,
romancistas e dramaturgos,
narradores de
tantos feitos heroicos,
de Taras Bulba,
a quem Gogol deu
vida imortal,
abrigo de soldados
e camponeses duros
como o diamante,
que bebiam gorielka em copos de ouro,
ásperos na arma
branca, belos como as ametistas,
que cobrem a
Grande Mesa central da Sibéria
como se fossem
grãos de areia nas praias
de todos os mares
do mundo,
despertos, como os
gigantes
guardiães da
muralha erguida por Deus
entre as chamas e
o gelo do Inferno:
(o Malebolge e o
Cocito)!
Em tempos recentes
(os três últimos séculos)
venceram suecos,
franceses e alemães,
também venceram...
e protegeram muçulmanos,
em tempos mais
remotos criaram seus Césares:
homens em vigília,
cristãos
perfeitos, com músculos de aço,
perfilados frente
ao futuro a vigiar
o Tempo e as seis
direções do espaço!
PAISAGENS DO RIO
A Fernando Py
Monótono canto dos
pássaros na tarde
rumor das ondas,
que não alegra a alma,
as muradas de
pedras muito antigas
e não sendo leves
mas altas e montadas
uma sobre as
outras, nenhum gigante poderá
tê-las unidas ali.
Vejam a pedra da Gávea
quantos olhares já
convergiram para ela
que ali se mantém
rodeada pelas tristes
horas das favelas,
quando começa a dança
das balas, com seu
zumbir de abelhas,
e a morte a olhar
os pacotes de heroína,
dólares que passam
com efígies de Jefferson, Washington
e Franklin
até desceram ao
fundo dos oceanos
onde adormecerão
sobre a sombra das
pesadas águas
ao lado dos ossos
das baleias,
dos insones
tubarões e outros animais marinhos
Da Praia do
Flamengo, modificada pelo aterro de Lota,
EP vê em seus
horizontes
Interiores
as mesmas
paisagens contempladas por Quincas o Belo,
cuja Cadeira ele
ocupa na ABL.
A Quarta Cruz de Weydson Barros Leal
– leia o Timeu – mostra como cada asa delta
parte dos ombros
do Redentor
para a altura, em
busca de sua estrela!
Viva Platão que
tanta luz e tanta sombra criou...
Subindo ao
Infinito, à procura da Sphera
de ML,
ou descendo
no avião,
avista-se a Igreja
da Penha,
onde os anjos
convivem com a Morte
no espantoso
Complexo do Alemão...
Tal nome irá ser
esquecido!
Embaixo, mas muito
mais distante,
– já fora da Baía
–,
o rumor dos
ventos,
o maralto a
balançar as ondas e cada onda
é uma nova onda,
nunca duas iguais,
a respingar ao
longe gotas frias neste sol
de dezembro
do Rio de Janeiro,
quando os pombos,
fracos e famintos,
tropeçam em nossos pés,
onde o Poder é
lenda, o Poder do Catete,
de Getúlio a JK,
pois as lendas vão
surgindo e com elas
suas vidas
encurtando nas grandes cidades.
Sempre, sempre o
Rio de Janeiro...
(Comparem a
megalópole São Paulo – riqueza
e catástrofe
arquitetônica – com a encantada
Brasília, flor da
democracia, onde na Praça
dos Três Poderes
cresce, a cada dia, em cada mão
– como nos States,
no Reino Unido. Na Rússia, em Israel ou no Japão –
a dourada flor da
corrupção! )
OS DOIS TAMARINDOS
A Aécia Leal
No sonho duas
imagens: dois tamarindos
no pátio
onde frutos,
folhas e ninhos nos galhos
se misturavam.
Grandes cavalos
castanhos às sombras
daquelas árvores
batiam os cascos
no solo como se pedissem
banhos.
As cilhas das
fortes celas eram então
afrouxadas
num lado, couro
curtido, noutro douradas
fivelas.
Em frente ficava a
casa erguida diante
do tempo
Belmonte que já cantei
nas Invenções
de 50.
Hoje de Belmonte
restam no tempo tristes
escombros
mas os mortos
tamarindos resistem vivos
nos sonhos.
ANÁLISE DA SOMBRA
Analisa-se da
sombra
seu caráter
permanente:
pela manhã
retraindo
a imagem, à tarde
crescente.
E aquele instante
em que a sombra
adelgaça o corpo
fino
como se no chão
entrasse
quando o sol se
encontra a pino.
Quem a esse
instante mira
em oposição ao
lado
onde o sol era luz
antes
logo vê o passo
vago
da sombra que
agora cresce
o corpo de onde se
filtra
até fundir-se no
limbo
que em torno dela
gravita.
Forma esse limbo a
coroa
que as sombras
traz federadas:
soma de todas as
sombras
num só nó à noite
atadas.
SUTILÍSSIMO ETERNO
Sutilíssimo eterno
que habita
minhas saletas
interiores
onde trago o tempo
guardado
noturno e
resignado
sutilíssimo eterno
interior
que como um tálamo
é
em minha alma
limpa e sofrida
como água dormida
em pedra
que eterna seiva
alimenta
este tempo em mim
retido
plumagem livre de
flor
forma exata
imperecível
sinto-te assim
como um trunfo
branda coroa do
eterno
além das nuvens,
das águas
ouço o teu metal
desperto
se existes no ser
completo
na cinza móvel das
sombras
por que retiras de
mim
tudo o que em mim
não é pântano?
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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VIII - Abril-Maio-Junho 2013 - Ano II - Nº 75 - Academia Brasileira de Letras - ABL
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