quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Cesar Leal: "5 Poemas"

O PODER QUE TUDO PODE
(Canto às armas e às letras russas)

Tudo passa tão rápido: o domínio
da lança macedônica de Alexandre o Grande,
a espada e o escudo de Caio Júlio,
algoz de Vercingetorix,
Pepino o Breve, Carolíngios,
Carlos V, o poder do grande
Pedro, fundador de S. Petersburgo,
mas não a força de Katharina a Grande,
generalíssima na Geórgia,
entre as armas e as letras:
Pushkin, Blok, Dostoiévski,
Tolstoi, Pasternak, Tchekov, Gogol
e novamente a safira do Oriente
onde nasceram e viveram
em séculos passados os cossacos,
homens sem medo que fizeram os czars,
deixando para trás seus antigos príncipes
indolentes, incapazes
de enfrentar
a crueldade dos reis poloneses

que submetiam a humilhações
os cossacos como se fossem colonos,
ou medrosos animais domésticos
– mas isso foi há muito tempo –
até que em certo verão
surgiram em Kiev
vindos das altas regiões dos Urais,
do Cáucaso,
das vastas planícies da Ucrânia,
e até
da Turquia, grupos nômades,
que buscaram enterrar
nas estepes
a tirania polaca,
e eram duros e se diziam kosaks
montados em cavalos de puro-sangue
à procura de combates e assim fundaram
a fronteira europeia
e como bons guerreiros
defenderam a Europa contra
os hunos de
Átila, Tarmelão, Gêngis-Khan
e outros olhos oblíquos
cujo epicanto
os faziam diferentes do olhar-safira do Ocidente,
e se voltaram, margeando as fronteiras
das províncias asiáticas ao sul,
e foram plantar armas
nos confins da Sibéria... nas grandes planícies
onde se uniam ao uivo triste
dos lobos, triste como a servidão
de suas vidas, ainda assim menos tristes
que as canções de Rilke e de seus anjos

menos terríveis que as pontas do sabre de Ivan!

“Não é a Rússia” – diziam eles –,
“um símbolo carente
de heroísmo eslavo...”.
É a Rússia, amante dos belos uniformes,
de seus museus, de suas artes,
de suas belas mulheres, belas
como o riso de Bolskonkaia,
Rússia de Khlébnikov, Blok e Maiakovski,
orgulhosa de seu braço militar,
fundadora do Império euro-asiático,
mãe do poder e da glória de uma aristocracia

(armada e amada por seus guerreiros nômades)
que viveram há muitos séculos,
e também no século XX
quando já não se falava de nostalgia e servidão,
na realidade gente alegre,
um povo de fala mais forte
que a voz dos tsunamis,
rápidos nos sabres como os tufões da China,
voltando suas armas contra a tirania polonesa,
lutavam durante o dia, e à noite adormeciam
a ouvir o grito da marmota
que os acalentava no sono
enquanto enchia de gelo
o coração e a mente do inimigo

A estepe é um bosque sagrado, ó amadas planícies,
campo florido, oceano expresso
pela rítmica linguagem
de poetas, romancistas e dramaturgos,
narradores de tantos feitos heroicos,
de Taras Bulba,
a quem Gogol deu vida imortal,
abrigo de soldados
e camponeses duros como o diamante,
que bebiam gorielka em copos de ouro,
ásperos na arma branca, belos como as ametistas,
que cobrem a Grande Mesa central da Sibéria
como se fossem grãos de areia nas praias
de todos os mares do mundo,
despertos, como os gigantes
guardiães da muralha erguida por Deus
entre as chamas e o gelo do Inferno:
(o Malebolge e o Cocito)!
Em tempos recentes (os três últimos séculos)
venceram suecos, franceses e alemães,
também venceram... e protegeram muçulmanos,
em tempos mais remotos criaram seus Césares:
homens em vigília,
cristãos perfeitos, com músculos de aço,
perfilados frente ao futuro a vigiar
o Tempo e as seis direções do espaço!



PAISAGENS DO RIO
A Fernando Py

Monótono canto dos pássaros na tarde
rumor das ondas, que não alegra a alma,
as muradas de pedras muito antigas
e não sendo leves mas altas e montadas
uma sobre as outras, nenhum gigante poderá
tê-las unidas ali. Vejam a pedra da Gávea
quantos olhares já convergiram para ela
que ali se mantém rodeada pelas tristes
horas das favelas, quando começa a dança
das balas, com seu zumbir de abelhas,
e a morte a olhar os pacotes de heroína,
dólares que passam com efígies de Jefferson, Washington
e Franklin
até desceram ao fundo dos oceanos
onde adormecerão
sobre a sombra das pesadas águas
ao lado dos ossos das baleias,
dos insones tubarões e outros animais marinhos

Da Praia do Flamengo, modificada pelo aterro de Lota,
EP vê em seus horizontes
Interiores
as mesmas paisagens contempladas por Quincas o Belo,
cuja Cadeira ele ocupa na ABL.

A Quarta Cruz de Weydson Barros Leal
– leia o Timeu – mostra como cada asa delta
parte dos ombros do Redentor
para a altura, em busca de sua estrela!
Viva Platão que tanta luz e tanta sombra criou...
Subindo ao Infinito, à procura da Sphera
de ML,
ou descendo

no avião,
avista-se a Igreja da Penha,
onde os anjos convivem com a Morte
no espantoso Complexo do Alemão...
Tal nome irá ser esquecido!

Embaixo, mas muito mais distante,
– já fora da Baía –,
o rumor dos ventos,
o maralto a balançar as ondas e cada onda
é uma nova onda, nunca duas iguais,
a respingar ao longe gotas frias neste sol
de dezembro
do Rio de Janeiro, quando os pombos,
fracos e famintos, tropeçam em nossos pés,
onde o Poder é lenda, o Poder do Catete,
de Getúlio a JK,
pois as lendas vão surgindo e com elas
suas vidas encurtando nas grandes cidades.
Sempre, sempre o Rio de Janeiro...

(Comparem a megalópole São Paulo – riqueza
e catástrofe arquitetônica – com a encantada
Brasília, flor da democracia, onde na Praça
dos Três Poderes cresce, a cada dia, em cada mão
– como nos States, no Reino Unido. Na Rússia, em Israel ou no Japão –
a dourada flor da corrupção! )



OS DOIS TAMARINDOS
A Aécia Leal

No sonho duas imagens: dois tamarindos
no pátio
onde frutos, folhas e ninhos nos galhos
se misturavam.

Grandes cavalos castanhos às sombras
daquelas árvores
batiam os cascos no solo como se pedissem
banhos.

As cilhas das fortes celas eram então
afrouxadas
num lado, couro curtido, noutro douradas
fivelas.

Em frente ficava a casa erguida diante
do tempo
Belmonte que já cantei nas Invenções
de 50.

Hoje de Belmonte restam no tempo tristes
escombros
mas os mortos tamarindos resistem vivos
nos sonhos.



ANÁLISE DA SOMBRA

Analisa-se da sombra
seu caráter permanente:
pela manhã retraindo
a imagem, à tarde crescente.

E aquele instante em que a sombra
adelgaça o corpo fino
como se no chão entrasse
quando o sol se encontra a pino.

Quem a esse instante mira
em oposição ao lado
onde o sol era luz antes
logo vê o passo vago

da sombra que agora cresce
o corpo de onde se filtra
até fundir-se no limbo
que em torno dela gravita.

Forma esse limbo a coroa
que as sombras traz federadas:
soma de todas as sombras
num só nó à noite atadas.



SUTILÍSSIMO ETERNO

Sutilíssimo eterno que habita
minhas saletas interiores
onde trago o tempo guardado
noturno e resignado

sutilíssimo eterno interior
que como um tálamo é
em minha alma limpa e sofrida
como água dormida em pedra

que eterna seiva alimenta
este tempo em mim retido
plumagem livre de flor
forma exata imperecível

sinto-te assim como um trunfo
branda coroa do eterno
além das nuvens, das águas
ouço o teu metal desperto

se existes no ser completo
na cinza móvel das sombras
por que retiras de mim
tudo o que em mim não é pântano?


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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VIII - Abril-Maio-Junho 2013 - Ano II - Nº 75 - Academia Brasileira de Letras - ABL

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