GAVETA DE OSSOS
(Onde está, ó morte, a tua vitória?
Paulo, I-Co. 15:15)
É antigo esse
morrer
dos meus mortos.
Andando sobre os
escombros
do meu lembrar.
Com os seus
pífaros de cinza
na minha voz.
Os poetas mortos
bebendo
o sol nas chávenas
do meu lodo.
Folheiam livros.
Batem portas.
E galopam,
esfuziantes,
com a fuligem das
trevas
em seus bigodes.
Brancos como o
vento
esses fantasmas se
ancoram
nos andaimes da
minha alma.
O CHAPÉU DAS ESTAÇÕES
O outono regorgita
rugas no ar.
As palavras me
acordam
como pérolas
queimando minha
mão.
As vassouras dão
piruetas
no ar, gritando:
letícias!,
letícias!
Olalá! Olalá!
Nós espalhávamos
vasos
para o verão
chegar
com sua penca
de gerânios.
Os telhados se
cobriam
com as madeixas do
luar.
Na primavera
as meninas
iluminavam
seus cabelos com o
lirismo
dos lilases.
O sol aterrissava
sobre
a pátria dos
junquilhos.
E o hálito das
damas-da-noite
sobrepujava-se,
glorioso,
à senda dos
perfumes.
Gritamos tanto,
amada,
que as almas se
esconderam.
BUCÓLICAS
Quebrar relógios
não adia fadigas.
Ninguém atalha o
tempo.
Meu coração
dependurado
numa lâmpada (dá
sinal
que a noite
vai doer nas
gengivas do céu).
A luz é bizarra.
Eu sei.
Tritrinam grilos
na relva.
E o dia se despede,
cúmplice.
O gado é litúrgico
na procissão
de teus cascos.
O boi no prado.
O boi no prato.
Dor que
rumina.
O sol
no papel
imprime
mentes.
O sol e
a metafísica
de teu cristal
queimando as
cabeleiras
do verde.
Quebrar relógios
não adia a morte.
Pescador de frases
A alma
vem das espumas.
Quem fez o paraíso
claudicou.
A vigília tem
olhos
de estátua.
A lua é um ovo de
metal
(e uiva) no umbigo
do universo.
Corredor de nuvens
é casa de
passarinhos.
Os olhos de mulher
são
pombas pedindo
amor.
Escama
é faísca de faca.
Rã adora
muxoxos de
orvalho.
E a odisseia dos
homens
é uma bolha de
sabão.
O CISCO DE PATAS
Se pisei não te
pisei.
Psiu, minhas
desculpas.
Cisquinho de nada,
passa.
Eu varrerei tua
fome
com uma estátua de
açúcar.
É o lado pão da
minha amizade,
ó roedora
de polpas de caju!
Se quiseres pode
banhar
na bacia do meu
pranto.
Sem cerimônias.
Se pisei não te
pisei.
Desculpas.
AS PROFECIAS DO SAL
De repente,
o vento é inimigo
do vento,
fazer o quê?
De repente,
um sopro de
inverno
apaga a louçania
de teus sorrisos,
fazer o quê?
De repente, uma
luz se tranca
pela última vez, e
não há demiurgo
que a faça
retroagi-la,
fazer o quê?
De repente,
os lábios de
púrpura do crepúsculo
espalham o vinho
de sua boca
pelo caminho de
fogo das estrelas,
fazer o quê?
De repente,
um demônio fuzila
a primavera de um
sonho escolar,
fazer o quê?
De repente,
atiçam gasolina
na pureza dos
mendigos,
fazer o quê?
De repente,
a justiça tem a
cara de pau
de mandar pra
cadeia
os inventores da
esperança,
fazer o quê?
De repente, a
eternidade não tem
futuro,
fazer o quê?
De repente,
uma lufada de
flores
envenena
os travesseiros
do amor,
fazer o quê?
De repente,
vandalizam o ninho
dos peixes,
fazer o quê?
De repente,
bombardeiam a lua
à procura de
divícias,
fazer o quê?
De repente,
é Deus que dá
banana
pra humanidade.
Fazer o quê?
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Fonte:
Revista Brasileira: Fase VIII - Janeiro-Fevereiro-Março 2012 - Ano I - Nº 70 (Academia Brasileira de Letras - ABL)
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