O LIVRO SOBRE NADA
É mais fácil fazer
da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não
invento é falso.
Há muitas maneiras
sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença
em mim o que me falta.
Melhor jeito que
achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito
preparado de conflitos.
Não pode haver
ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer
vai ser de noite.
Melhor que nomear
é aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a
encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais
visível do que um poste.
Sábio é o que
adivinha.
Para ter mais
certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu
ato principal.
Não saio de dentro
de mim nem pra pescar.
Sabedoria pode ser
que seja estar uma árvore.
Estilo é um modelo
anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem
honras nem horizontes.
Sempre que desejo
contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço
poesia.
Eu queria ser lido
pelas pedras.
As palavras me
escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou
as palavras me acham.
Há histórias tão
verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu
o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A terapia
literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos
mais fundos desejos.
Quero a palavra
que sirva na boca dos passarinhos.
Esta tarefa de
cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu é uma pessoa
capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os
santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor para chegar
a nada é descobrir a verdade.
O artista é erro
da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por pudor sou
impuro.
O branco me
corrompe.
Não gosto de
palavra acostumada.
A minha diferença
é sempre menos.
Palavra poética
tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim
para chegar.
Do lugar onde
estou já fui embora.
RETRATO DO ARTISTA QUANDO COISA
A maior riqueza
do homem
é sua
incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me
aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser
apenas
um sujeito que
abre
portas, que puxa
válvulas, que olha
o
relógio, que
compra pão
às 6 da tarde, que
vai
lá fora, que
aponta lápis,
que vê a uva etc.
etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser
Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.
O FAZEDOR DE AMANHECER
Sou leso em
tratagens com máquina.
Tenho desapetite
para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha
vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena
manivela para pegar no sono.
Um fazedor de
amanhecer
para usamentos de
poetas
E um platinado de
mandioca para o
fordeco de meu
irmão.
Cheguei de ganhar
um prêmio das indústrias
automobilísticas
pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de
idiota pela maioria
das autoridades na
entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um
tanto soberbo.
E a glória
entronizou-se para sempre
em minha
existência.
O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA
Tenho um livro
sobre águas e meninos.
Gostei mais de um
menino
que carregava água
na peneira.
A mãe disse que
carregar água na peneira
era o mesmo que
roubar um vento e
sair correndo com
ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que
era o mesmo
que catar espinhos
na água.
O mesmo que criar
peixes no bolso.
O menino era
ligado em despropósitos.
Quis montar os
alicerces
de uma casa sobre
orvalhos.
A mãe reparou que
o menino
gostava mais do
vazio, do que do cheio.
Falava que vazios
são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele
menino
que era cismado e
esquisito,
porque gostava de
carregar água na peneira.
Com o tempo
descobriu que
escrever seria o
mesmo
que carregar água
na peneira.
No escrever o
menino viu
que era capaz de
ser noviça,
monge ou mendigo
ao mesmo tempo.
O menino aprendeu
a usar as palavras.
Viu que podia
fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer
peraltagens.
Foi capaz de
modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia
prodígios.
Até fez uma pedra
dar flor.
A mãe reparava o
menino com ternura.
A mãe falou: Meu
filho você vai ser poeta!
Você vai carregar
água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios
com as suas
peraltagens,
e algumas pessoas
vão te amar por seus despropósitos!
OS DESLIMITES DA PALAVRA
Ando muito
completo de vazios.
Meu órgão de
morrer me predomina.
Estou sem
eternidades.
Não posso mais
saber quando amanheço ontem.
Está rengo de mim
o amanhecer.
Ouço o tamanho
oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso
fervem os insetos.
Enfiei o que pude
dentro de um grilo o meu
destino.
Essas coisas me
mudam para cisco.
A minha
independência tem algemas.
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