sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Machado de Assis: "5 Poemas"

CÍRCULO VICIOSO

Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
- Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
que arde no eterno azul, como uma eterna vela!
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

- Pudesse eu copiar o transparente lume,
que, da grega coluna á gótica janela,
contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:

- Misera! tivesse eu aquela enorme, aquela
claridade imortal, que toda a luz resume!
Mas o sol, inclinando a rutila capela:

- Pesa-me esta brilhante aureola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Porque não nasci eu um simples vaga-lume?



NO ALTO

O poeta chegara ao alto da montanha,
E quando ia a descer a vertente do oeste,
Viu uma cousa estranha,
Uma figura má.

Então, volvendo o olhar ao subtil, ao celeste,
Ao gracioso Ariel, que de baixo o acompanha,
Num tom medroso e agreste
Pergunta o que será.

Como se perde no ar um som festivo e doce,
Ou bem como se fosse
Um pensamento vão,

Ariel se desfez sem lhe dar mais resposta.
Para descer a encosta
O outro lhe deu a mão.



O GRITO DO IPIRANGA

Liberdade!... Farol divinizado! -
Sob o teu brilho a humanidade e os séculos
Caminham ao porvir. Roma as algemas
Quebrou dos filhos que a opressão lançara
Dentre a sombra de púrpura dos Césares,
Que envolvia Tarquínio em fogo e sangue,
Cheia de tua luz e estimulada
Por teu nome divino - essa palavra
Imensa como as vozes do Oceano.
Sublime como a ideia do infinito!
Tal como Roma a terra americana,
Um dia alevantando ao sol dos trópicos
A fronte que domina os estandartes,
Saudou teu nome majestoso e belo -
E o brado imenso - Independência ou morte! -
Soltado lá das margens do Ipiranga.
Foi nos campos soar da eternidade.

Desenrola nas turbas populares
Dos livres a bandeira o herói tão nobre,
Digno dos louros festivais que outrora
Roma dava aos heróis entre os aplausos
Do povo que os levava ao Capitólio!
Ele foi como o César de Marengo;
Sua voz como a lava do Vesúvio
Levada pela voz da imensidade
Foi do Tejo soar nas margens, onde
Estremeceu de susto o lusitano!

Ipiranga!... Ipiranga!... A voz das brisas
Este nome repete nas florestas!
Caminhante! Eis ali onde primeiro
Soou o brado - Independência ou morte! -
O homem secular levando as águias
Por entre os turbilhões de pó, de fumo,
Ostentando nos livres estandartes
O lúcido farol de um século ovante,
Mais sublime não foi nem mais valente
Que Pedro o herói, da América travando
Do farol da sagrada liberdade,
E acordando o Brasil, escravizado,
Sob férreos grilhões adormecido.

Somos livres! - Nas paginas da história
Nosso nome fulgura - ali traçado
Foi por Deus, que do herói guiando o braço,
Nas folhas o escreveu do eterno livro.
Somos livres! - No peito brasileiro
A ideia da opressão não se acalenta!
Somos já livres como a voz do oceano,
Somos grandes também como o infinito,
Como o nome de Pedro e dos Andradas!

Seja bendito o dia em que Colombo
César dos mares, afrontando as ondas,
À Europa revelou um Novo Mundo;
Ele nos trouxe o cetro das conquistas
Nas mãos de Pedro - o fundador do Império!

O herói calcando os pedestais da história,
Ergue soberbo aos séculos vindouros
A fronte majestosa! Imenso vulto!
É ele o sol da terra brasileira!
Neste dia de esplêndidas lembranças
No peito brasileiro se reflete
O nome dele - como um sol ardente
Brilha dourado no cristal dos prismas!

Tomando o sabre, dominou dois mundos
O herói libertador, valente e ousado!
Ele, o tronco da nossa liberdade,
Foi como o cedro secular do Líbano,
Que resiste ao tufão e às tempestades!

Ipiranga! Inda o vento das florestas
Que as noites tropicais respiram frescas
Parecem murmurar nos seus soluços
O brado imenso - Independência ou morte!
Qual o trovão nos ecos do infinito!

Disse ao guerreiro o Deus da Liberdade:
Liberta o teu Brasil num brado augusto,
E o herói valente libertou num grito!



A CAROLINA

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.

Trago-te flores - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.



ERRO

Erro é teu. Amei-te um dia
Com esse amor passageiro
Que nasce na fantasia
E não chega ao coração;
Não foi amor, foi apenas
Uma ligeira impressão;
Um querer indiferente,
Em tua presença, vivo
Morto, se estavas ausente,
E se ora me vês esquivo
Se, como outrora, não vês

Meus incensos de poeta
Ir eu queimar a teus pés
É que - como obra de um dia,
Passou-me esta fantasia.
Para eu amar-te devias
Outra ser e não como eras.
Tuas frívolas quimeras,

Teu vão amor de ti mesma.
Essa pêndula gelada
Que chamavas coração,
Eram bem fracos liames
Para que a alma enamorada
Me conseguissem prender;
Foram baldados tentames,
Saiu contra ti o azar,
E embora pouca, perdeste
A glória de me arrastar
Ao teu carro... Vãs quimeras!
Para eu amar-te devias

Outra ser e não como eras...
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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