AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER
Amor é
fogo que arde sem se ver;
É ferida
que dói e não se sente;
É um
contentamento descontente;
É dor que
desatina sem doer;
É um não
querer mais que bem querer;
É
solitário andar por entre a gente;
É nunca
contentar-se de contente;
É cuidar
que se ganha em se perder;
É querer
estar preso por vontade;
É servir a
quem vence, o vencedor;
É ter com
quem nos mata lealdade.
Mas como
causar pode seu favor
Nos
corações humanos amizade,
Se tão
contrário a si é o mesmo Amor?
SETE ANOS DE PASTOR JACÓ SERVIA
Sete anos
de pastor Jacó servia
Labão, pai
de Raquel serrana bela,
Mas não
servia ao pai, servia a ela,
Que a ela
só por prêmio pertendia.
Os dias na
esperança de um só dia
Passava,
contentando-se com vê-la:
Porém o
pai usando de cautela,
Em lugar
de Raquel lhe deu a Lia.
Vendo o
triste pastor que com enganos
Assim lhe
era negada a sua pastora,
Como se a
não tivera merecida,
Começou a
servir outros sete anos,
Dizendo:
Mais servira, se não fora
Para tão
longo amor tão curta a vida
BABEL E SIÃO
Sôbolos
rios que vão
Por
Babilônia, me achei,
Onde
sentado chorei
As
lembranças de Sião
E quanto
nela passei.
Ali, o rio
corrente
De meus
olhos foi manado;
E, tudo
bem comprado,
Babilônia
ao mal presente,
Sião ao
tempo passado.
Ali,
lembranças contentes
Na alma se
representaram;
E minhas
cousas ausentes
Se fizeram
tão presentes
Como se
nunca passaram.
Ali,
depois de acordado,
Co rosto
banhado em água;
Deste
sonho imaginado,
Vi que
todo o bem passado
Não é
gosto mas é mágoa.
E vi que
todos os danos
Se
causavam das mudanças
E as
mudanças dos anos;
Onde vi
quantos enganos
Faz o
tempo às esperanças.
Ali vi o
maior bem
Quão pouco
espaço que dura;
O mal quão
depressa vem,
O quão
triste estado tem
Quem se
fia da ventura.
Vi aquilo
que mais vale,
Que então
se entende melhor,
Quanto
mais perdido for;
Vi ao bem
suceder mal
E, ao mal,
muito pior.
E vi com
muito trabalho
Comprar
arrependimento.
Vi nenhum
contentamento,
E vejo-me
a mim, que espalho
Tristes
palavras ao vento.
Bem são
rios estas águas
Com que
banho este papel;
Bem parece
ser cruel variedade de mágoas
E confusão
de Babel.
Como homem
que, por exemplo,
Dos
transes em que se achou,
Depois que
a guerra deixou,
Pelas
paredes do templo
Suas armas
pendurou;
Assim, depois
que assentei
Que tudo o
tempo gastava,
Da
tristeza que tomei,
Nos
salgueiros pendurei
Os órgãos
com que cantava.
Aquele
instrumento ledo
Deixei da
vida passada,
Dizendo: -
Música amada,
Deixo-vos
neste arvoredo,
A memória
consagrada.
Frauta
minha que, tangendo,
Os montes
fazíeis vir
P’ra onde
estáveis, correndo,
E as
águas, que iam descendo.
Tornavam
logo a subir,
Jamais vos
não ouvirão
Os tigres,
que se amansavam;
E as
ovelhas que pastavam,
Das ervas
se fartarão
Que por
vos ouvir deixavam.
Já não fareis
docemente
Em rosas
tornar abrolhos
Na ribeira
florescente;
Nem poreis
freio à corrente,
E mais se
for dos meus olhos.
Não
movereis a espessura,
Nem
podereis já trazer
Atrás vós
a fonte pura,
Pois não
pudestes mover
Desconcertos
da ventura.
Ficareis
oferecida
A Fama,
que sempre vela,
Frauta de
mim tão querida;
Porque,
mudando-se a vida,
Se mudam
os gostos dela.
Acha a
tenra mocidade
Prazeres
acomodados,
E logo a
maior idade
Já sente
por pouquidade
Aqueles
gostos passados.
Um gosto
que hoje se alcança,
Amanhã já
o não vejo:
Assim nos
traz a mudança
De
esperança em esperança
E de
desejo em desejo.
¿Mas em
vida tão escassa
que
esperança será forte?
!(ao
contrário) Fraqueza de humana sorte,
que quanto
da vida passa
está
recitando a morte!
(idem!)
Mas deixar nesta espessura
o canto da
mocidade!
Não cuide
a gente futura
Que será
obra da idade
O que é
força da ventura.
Que idade,
tempo, o espanto
De ver
quão ligeiro passe,
Nunca em
mim puderam tanto
Que, posto
que deixe o canto,
A causa
dele deixasse.
Mas em
tristezas e nojos,
Em gosto e
contentamento,
Por sol,
por neve, por vento,
Tendré
presente á los ojos
Por quein
muero tan contento.
Órgãos a
frauta deixava,
despojo
meu tão querido,
no
salgueiro que ali estava,
Que para
troféu ficava
De quem me
tinha vencido.
Mas
lembranças da afeição
Que ali
cativo me tinha,
Me
perguntaram então:
¿que foi
daquele cantar
das gentes
tão celebrado?
Por que o
deixava de usar?
Pois
sempre ajuda passar
Qualquer
trabalho passado.
Canta o
caminhante ledo
No caminho
trabalhoso,
Por entre
o espesso arvoredo;
E de noite
o temoroso,
Cantando,
refreia o medo.
Canta o
preso docemente,
Os duros
grilhões tocando;
Canta o
segador contente,
E o
trabalhador, cantando,
O trabalho
menos sente.
Eu, que
estas cousas senti
Na alma,
de mágoas tão cheias,
¿Como
dirá, respondi,
quem
alheio está de si
doce canto
em terra alheia?
¿Como
poderá cantar
Quem em
choro banha o peito?
Porque, se
quem trabalhar
Canta por
menos cansar,
Eu só
descansos enjeito.
Que não
parece razão
Nem parece
coisa idônea
Por
abrandar a paixão,
Que
cantasse em Babilônia
As
cantigas de Sião.
Que,
quando a muita graveza
De saudade
quebrante
Esta vital
fortaleza,
Antes
moura de tristeza
Que, por
abrandá-la, cante.
Que, se o
fino pensamento
Só na
tristeza consiste,
Não tenho
medo ao tormento:
Que morrer
de puro triste,
Que maior
contentamento?
Nem na
frauta cantarei
O que
passo e passei já,
Nem menos
o escreverei;
Porque a
pena cansará
E eu não
descansarei.
Que, se
vida tão pequena
Se
acrescenta em terra estranha,
E se Amor
assim o ordena,
Razão é
que canse a pena
De
escrever pena tamanha.
Porém se,
para assentar
O que
sente o coração,
A pena já
me cansar,
Não canse
para voar
A memória
em Sião.
Terra
bem-aventurada,
Se, por
algum movimento,
Da alma me
fores mudada,
Minha pena
seja dada
A perpétuo
esquecimento.
A pena
deste desterro,
Que eu
mais desejo esculpida
Em pedra
ou em duro ferro,
Essa nunca
seja ouvida,
Em castigo
de meu erro.
E se eu
cantar quiser,
Em
Babilônia sujeito,
Jerusalém,
sem te ver,
A voz,
quando a mover,
Se me
congele no peito.
A minha
língua se apague
Às fauces,
pois de perdi,
Se,
enquanto viver assi,
Houver
tempo em que te negue
Ou que me
esqueça de ti!
Mas, ó tu,
terra de Glória,
Se eu
nunca vi tua essência,
Como me
lembras na ausência?
Não me
lembras na memória,
Senão na
reminiscência.
Que a alma
é tábua rasa
Que com a
escrita doutrina
Celeste
tanto imagina,
Que voa da
própria casa
E sobe à
pátria divina.
Não é logo
a saudade
Das terras
onde nasceu
A carne,
mas é do Céu,
Daquela
santa Cidade
De onde
esta alma descendeu.
E aquela
humana figura,
Que cá me
pode alterar,
Não é quem
se há de buscar:
É raio da
Formosura
Que só se
deve de amar.
Que os
olhos e a luz que ateia
O fogo que
cá sujeita,
- Não do sol, mas da candeia –
É sombra
daquela idéia
Que em
Deus está mais perfeita.
E os cá me
cativaram
São
poderosos afeitos
Que os
corações têm sujeitos;
Sofistas
que me ensinaram
Meus
caminhos por direitos.
Destes o
mando tirano
Me obriga
com desatino,
A cantar,
ao som do dano,
Cantares
de amor profano
Por versos
de amor divino.
Mas eu,
lustrado co santo
Raio, na
terra de dor,
De
confusão e de espanto,
¿Como hei
de cantar o canto
Que só se
deve ao Senhor?
Tanto pode
o benefício
Da Graça,
que dá saúde,
Que ordena
que a vida mude:
E o que
tomei por vício
Me faz
grau para a virtude.
E fez que
este natural
Amor, que
tanto se preza,
Suba da
sombra ao real,
Da
particular beleza
Para a
Beleza geral.
Fique logo
pendurada
A frauta
com que tangi,
Ó
Jerusalém sagrada,
E tome a
lira dourada
Para só
cantar de ti;
Não cativo
e ferrolhado
Na
Babilônia infernal,
Mas dos
vícios desatado
E cá desta
a ti levado,
Pátria
minha natural.
E se eu
mãos der a cerviz
A mundanos
acidentes,
Duros,
tiranos e urgentes,
Risque-se
quando já fiz
Do grão
livro dos viventes.
E, tomando
já na mão
A lira
santa e capaz
Doutra
mais alta invenção,
(! Ao
contrário) Cale-se esta confusão,
cante-se a
visão da paz!
Ouça-me o
pastor e o rei,
Retumbe
este acento santo,
Mova-se no
mudo espanto;
Que do que
já mal cantei
A
palinódia já canto.
A vós se
me quero ir,
Senhor e
grão capitão
Da alta
torre de Sião,
À qual não
posso subir,
Se me vós
não dais a mão.
No grão
dia singular
Que na
lira o douto som
Jerusalém
celebrar,
Lembrai-vos
de castigar
Os ruins
filhos de Edom.
Aqueles
que tintos vão
No pobre
sangue inocente,
Soberbos
co poder vão,
Arrasai-os
igualmente,
Conheçam
que humanos são.
E aquele
poder tão duro
Dos
efeitos com que venho,
Que
incendem alma e engenho;
Que já me
entraram o muro
Do livre
alvídrio que tenho;
Estes, que
tão furiosos
Gritando
vêem a escalar-me,
Maus
espíritos danosos,
Que querem
como forçosos
Do
alicerce derrubar-me;
Derrubai-os,
fiquem a sós,
De forças
fracos, imbeles;
Porque não
podemos nós
Nem com
eles ir a Vós,
Nem sem
Vós tirar-nos deles.
Não basta
minha fraqueza
Para me
dar defensão,
Se vós,
santo Capitão,
Nesta
minha fortaleza
Não
puserdes guarnição.
E tu, ó
carne que encantas,
Filha de
Babel tão feia,
Toda de
misérias cheia,
Que mil
vezes te levantas
Contra
quem te senhoreia,
Beato só
pode ser
Quem com a
ajuda celeste
Contra ti
prevalecer,
E te vier
a fazer
O mal que
lhe tu fizeste;
Quem com
disciplina crua
Se fere
mais que uma vez,
Cuja alma,
de vícios nua,
Faz nódoas
na carne sua,
Que já a
carne na alma fez.
E beato
quem tomar
Seus
pensamentos recentes
E em
nascendo os afogar,
Por não
virem a parar
Em vícios
graves e urgentes;
Quem com
eles logo der
Na pedra
do furor santo
E, batendo
os desfizer
Na Pedra,
que veio a ser
Enfim
cabeça do Canto;
Quem logo,
quando imagina
Nos vícios
da carne má,
Os pensamentos
declina
Àquela
carne divina
Que na
cruz esteve já;
Quem do
vil contentamento
Cá deste
mundo visível,
Quanto ao
homem for possível,
Passar
logo o entendimento
Para o
mundo inteligível:
Ali achará
alegria
Em tudo
perfeita e cheia
De tão
suave harmonia,
Que nem,
por pouca, escasseia
Nem, por
sobeja, enfastia.
Ali verá
tão profundo
Mistério
na suma Alteza,
Que,
vencida a Natureza,
Os mores
faustos do mundo
Julgue por
maior baixeza.
Ó tu,
divino aposento,
Minha
pátria singular,
¿Se só com
te imaginar
tanto sobe
o entendimento,
que fará
se em ti se achar?
Ditoso
quem se partir
Para ti,
terra excelente,
Tão justo
e tão pernitente,
Que,
depois de a ti subir,
Lá
descanse eternamente.
VERDES SÃO OS CAMPOS
Verdes são
os campos,
De cor de
limão:
Assim são
os olhos
Do meu
coração.
Campo, que
te estendes
Com
verdura bela;
Ovelhas,
que nela
Vosso
pasto tendes,
De ervas
vos mantendes
Que traz o
Verão,
E eu das
lembranças
Do meu
coração.
Gados que
pasceis
Com
contentamento,
Vosso
mantimento
Não no
entendereis;
Isso que
comeis
Não são
ervas, não:
São graças
dos olhos
Do meu
coração.
TRANSFORMA-SE O AMADOR NA COUSA AMADA
Transforma-se
o amador na cousa amada,
Por
virtude do muito imaginar;
Não tenho
logo mais que desejar,
Pois em
mim tenho a parte desejada.
Se nela
está minha alma transformada,
Que mais
deseja o corpo de alcançar?
Em si
somente pode descansar,
Pois
consigo tal alma está liada.
Mas esta
linda e pura semideia,
Que, como
o acidente em seu sujeito,
Assim co'a
alma minha se conforma,
Está no
pensamento como ideia;
E o vivo e
puro amor de que sou feito,
Como
matéria simples busca a forma.
---
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário