sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Luís Delfino: "5 Poemas"

ALTAR SEM DEUS

Inda não voltas? — Como a vida salta
Destes quadros de esplêndidas molduras!
Mulheres nuas, raras formosuras...
Só a tua nudez entre elas falta...

Pede-te o espelho de armação tão alta,
Onde revias tuas formas puras;
Pedem-te as cegas, lúbricas alvuras
Do linho, que a Paixão no leito exalta.

Pedem-te os vasos cheios de perfume
Os dunquerques, as rendas, as cortinas,
Tudo quanto a mulher de bom resume,

Escolhido por tuas mãos divinas...
E sai do teu altar vazio, ó nume,
A tristeza indizível das ruínas...



CADÁVER DE VIRGEM

Estava no caixão como num leito,
Palidamente fria e adormecida;
As mãos cruzadas sobre o casto peito,
E em cada olhar sem luz um Sol sem vida.

Pés atados com fita em nó perfeito,
De roupas alvas de cetim vestida;
O tronco duro, rígido, direito,
A face calma, lânguida, dorida...

O diadema das virgens sobre a testa,
Níveo lírio entre as mãos, toda enfeitada,
Mas como noiva, que cansou na festa.

Por seis cavalos brancos arrancada...
Onde irás tu passar a longa sesta
Na mole cama, em que te vi deitada?!...



TELA APAGADA

Tecum vivere amem.
Horácio

Como isto aqui mudou!... Agosto, o ano passado,
Tinha mais sol, mais luz, mais calor, menos frio;
Mas tudo o mais é o mesmo: a água do mesmo rio,
A ponte de madeira, as mangueiras, ao lado,

Velhas, grandes, em flor, o lanço esburacado
Do muro, e o líquen nele, e a avenca, e o luzidio
Lacrau, que salta, e vira, e já volta ao desvio;
O cão ganindo; e a um canto, à esquerda, ao longe, o prado;

Bambus em renque, em meio o caminho, e no espaço,
Longe do morro, ao fundo, a casa; e no terraço
Sobre o jardim, talhando o ar cintilante, a imagem

De um anjo, - um áureo nimbo à coma, o olhar humano
Como jamais pintou Corregio ou Ticiano:
Quem, levando-a, apagou a esplêndida paisagem...



ALMA VIÚVA

És uma alma viúva e perturbada:
Foi-te a paixão um vento de passagem,
Que indo, lançou do céu na tua imagem
Luxos da noite e jóias da alvorada.

A flor de amor, macia e perfumada,
Não foi de oásis, foi de uma miragem;
Anda por ti, como um rumor de aragem
A um rosal, que deu rosas, pendurada.

Teu negro olhar... o teu olhar esconde
Lasciva flauta de dois tubos, onde
Pã tocara, cantando a selva em coro.

Dentro, o desejo, como instável onda,
Dorme fremendo, quando alguém o sonda,
Como um leão ao sol nas garras d'ouro.

Tem a grandeza antiga e peregrina
Das mulheres da Bíblia, e da Odisséia:
Anda, fala, aparece... e se imagina
Ou Palas ou Judite ou Diana ou Rea.

Mas quando ao campo os passos seus destina,
Sua estatura avulta: - então é Dea:
Jove, para a espiar da azul cortina,
Deixa os deuses no Olimpo em assembléia.

Juno descora... E ela no cercado,
Numa das mãos erguendo os seus vestidos,
Com outra lança às aves pão cortado,

E vê de longe, entre os capins crescidos,
O velho boi de Homero, um boi malhado
De passo tardo e chifres retorcidos.



O MAL DA VIDA

Amor, pois, é a esplêndida loucura,
E a miséria de um sol que nos invade?
Caiu alguém aos pés da formosura
Que lhe não deixe aos pés razão, vontade?

Este delírio vem da eternidade,
Vem de mais longe, eu sei: - quem o procura
Acha-o mais velho do que Deus: quem há de
Fugir do mal da vida por ventura?

E o amor é o mal que acaba em paraíso;
E para dar-nos céus num só lampejo
Basta-lhe um pouco, um nada é-lhe preciso:

De sonhos d'oiro e luz calça o desejo:
E então, de dia, em rosa abre o seu riso,

E em ampla estrela, à noite, abre o seu beijo...
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Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.

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