ALTAR SEM DEUS
Inda não
voltas? — Como a vida salta
Destes
quadros de esplêndidas molduras!
Mulheres
nuas, raras formosuras...
Só a tua
nudez entre elas falta...
Pede-te o
espelho de armação tão alta,
Onde
revias tuas formas puras;
Pedem-te
as cegas, lúbricas alvuras
Do linho,
que a Paixão no leito exalta.
Pedem-te
os vasos cheios de perfume
Os
dunquerques, as rendas, as cortinas,
Tudo
quanto a mulher de bom resume,
Escolhido
por tuas mãos divinas...
E sai do
teu altar vazio, ó nume,
A tristeza
indizível das ruínas...
CADÁVER DE VIRGEM
Estava no
caixão como num leito,
Palidamente
fria e adormecida;
As mãos
cruzadas sobre o casto peito,
E em cada
olhar sem luz um Sol sem vida.
Pés atados
com fita em nó perfeito,
De roupas
alvas de cetim vestida;
O tronco
duro, rígido, direito,
A face
calma, lânguida, dorida...
O diadema
das virgens sobre a testa,
Níveo
lírio entre as mãos, toda enfeitada,
Mas como
noiva, que cansou na festa.
Por seis
cavalos brancos arrancada...
Onde irás
tu passar a longa sesta
Na mole
cama, em que te vi deitada?!...
TELA APAGADA
Tecum vivere amem.
Horácio
Como isto
aqui mudou!... Agosto, o ano passado,
Tinha mais
sol, mais luz, mais calor, menos frio;
Mas tudo o
mais é o mesmo: a água do mesmo rio,
A ponte de
madeira, as mangueiras, ao lado,
Velhas,
grandes, em flor, o lanço esburacado
Do muro, e
o líquen nele, e a avenca, e o luzidio
Lacrau,
que salta, e vira, e já volta ao desvio;
O cão
ganindo; e a um canto, à esquerda, ao longe, o prado;
Bambus em
renque, em meio o caminho, e no espaço,
Longe do
morro, ao fundo, a casa; e no terraço
Sobre o
jardim, talhando o ar cintilante, a imagem
De um
anjo, - um áureo nimbo à coma, o olhar humano
Como
jamais pintou Corregio ou Ticiano:
Quem,
levando-a, apagou a esplêndida paisagem...
ALMA VIÚVA
És uma
alma viúva e perturbada:
Foi-te a
paixão um vento de passagem,
Que indo,
lançou do céu na tua imagem
Luxos da
noite e jóias da alvorada.
A flor de
amor, macia e perfumada,
Não foi de
oásis, foi de uma miragem;
Anda por
ti, como um rumor de aragem
A um
rosal, que deu rosas, pendurada.
Teu negro
olhar... o teu olhar esconde
Lasciva
flauta de dois tubos, onde
Pã tocara,
cantando a selva em coro.
Dentro, o
desejo, como instável onda,
Dorme
fremendo, quando alguém o sonda,
Como um
leão ao sol nas garras d'ouro.
Tem a
grandeza antiga e peregrina
Das
mulheres da Bíblia, e da Odisséia:
Anda,
fala, aparece... e se imagina
Ou Palas
ou Judite ou Diana ou Rea.
Mas quando
ao campo os passos seus destina,
Sua
estatura avulta: - então é Dea:
Jove, para
a espiar da azul cortina,
Deixa os
deuses no Olimpo em assembléia.
Juno
descora... E ela no cercado,
Numa das
mãos erguendo os seus vestidos,
Com outra
lança às aves pão cortado,
E vê de
longe, entre os capins crescidos,
O velho
boi de Homero, um boi malhado
De passo
tardo e chifres retorcidos.
O MAL DA VIDA
Amor,
pois, é a esplêndida loucura,
E a
miséria de um sol que nos invade?
Caiu
alguém aos pés da formosura
Que lhe
não deixe aos pés razão, vontade?
Este
delírio vem da eternidade,
Vem de
mais longe, eu sei: - quem o procura
Acha-o
mais velho do que Deus: quem há de
Fugir do
mal da vida por ventura?
E o amor é
o mal que acaba em paraíso;
E para
dar-nos céus num só lampejo
Basta-lhe
um pouco, um nada é-lhe preciso:
De sonhos
d'oiro e luz calça o desejo:
E então,
de dia, em rosa abre o seu riso,
E em ampla
estrela, à noite, abre o seu beijo...
---
Fonte
"Toda a Poesia: Antologia Poética". Poeteiro Editor Digital. São Paulo, 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário