PENAS PERDIDAS
Perguntas por que
meus versos
Choram, em vez de
sorrir...
É que eles são
universos
Que estão quase a
se extinguir.
Tristes deles,
minha filha,
Tristes deles,
minha irmã,
Raro é aquele que
brilha,
Quando desponta a
manhã.
São pequeninos
fragmentos,
Pedaços da minha
cruz,
Errando ao sabor
dos ventos,
Como planetas sem
luz.
As lágrimas que
vieram
Umedecer este
chão,
Num coração
estiveram
Que já foi meu
coração.
Pobre estrela
desgarrada
Foi essa estrela
de amor,
Hoje de todo
apagada
No seu fumeiro de
dor.
Irrompa, embora,
no Oriente,
Qualquer aurora,
qualquer,
Quem tem o Ocaso,
somente,
Não vê a aurora
nascer.
Houve uma dama
formosa
Que meu coração
colheu,
Como se colhe uma
rosa
Mal o dia
amanheceu.
Que quadra feliz
foi essa!
Que meninice
ideal!
O sonho que assim
começa,
Quase sempre acaba
mal!...
Um dia, a dama
querida
Para outro país
partiu...
Não cicatriza a
ferida
Que uma ingratidão
abriu.
Ela sumiu-se entre
os astros,
Sem que a pudesse
alcançar...
Quem é que,
andando de rastros,
Pode um pássaro
apanhar?
...................................................
O que hoje faço,
portanto,
É fazer o que não
fiz:
Enxugar, a furto,
o pranto,
E fingir que sou
feliz.
EM MEIO DO CAMINHO
Quando à varanda
de ouro e nácar da poesia
Chega o fantasma
negro e triste de meu verso,
Que nos olhos,
outrora, a dúvida trazia,
Como as ruínas de
ignoto e lúgubre universo,
Paira, branca, no
azul, a sua imagem fria.
Minha estrofe
soluça, a lágrima murmura,
Timidamente ao meu
ouvido um ai queixoso,
Deixando atrás de
si aberta a sepultura,
Onde - coveiro mau
- vou enterrar o gozo
Da primeira
saudade e da última ventura.
A demência,
enroscada aos meus cabelos, ruge,
Desatrelando os
seus mastins e as suas fúrias.
Arreminado o
vento, entre os parcéis estruge:
E eu venço a
preamar de todas as injúrias,
Apesar de seu lodo
e da sua babuje.
Porão escuro e
vil, de mortos carregado,
Vai minh’alma
sulcando oceano fora. Rudo,
Rebenta o temporal
às nuvens agarrado.
Debalde ao mar o
horror dos meus nervos sacudo,
Debalde ao céu num
ai subo aterrorizado!
Onde estais, onde
estais, quimeras fugitivas?
Onde estais, onde
estais, fugitivos amores?
Vejo-vos, sem
clamor, nas sombras redivivas
Que vêm em
procissão regar as minhas dores
- Desbotadas
cecéns, pálidas sempre-vivas!
A antífona
queixosa onde até hoje mora,
Como em cárcere de
ouro, um astro prisioneiro,
Minha pobre e
infeliz alma de poeta, agora,
Ao ouvir da
saudade o verso derradeiro,
Com o verso delira
e com o verso chora.
Olgas e torrentões
trajaram-se de luto;
Secou-se o rio, a
voz das árvores calou-se.
Um rumor tumular
erriça o monte abrupto...
E o fruto, a
sazonar no coração, mais doce
Que o mel, por que
ficou tão amargo esse fruto?...
O que se vê na
terra, e se entrevê no espaço
É uma projeção do
que se passa n’alma.
Ah! tivesse-a ao
meu seio, ah! tivesse-a ao meu braço,
Que voltaria a luz
resplandecente e calma
À estrofe, onde
ainda escuto o ruído de seu passo.
Seu nome tem a cor
de um céu triste e remoto:
Tem nas letras
azuis um arco-íris aberto;
Quando o ouço
pronunciar, em cada letra noto
Um rio que parece
entrar por um deserto,
Buscando a esfera
ideal de algum país ignoto.
Seu nome, sua voz,
tudo me encanta o ouvido,
E, em ídolos,
consagra a ânsia desse transporte,
A luz dessa visão,
o eco desse gemido...
E quando julgo
entrar os penetrais da morte.
Eis-me à roda
fatal, de novo, restituído!
E a isso chamam
viver! Que suprema ironia!
Dorme a estrela no
céu, como qualquer carcaça
No fundo de uma
vala ou de uma galeria
De mortos, onde o
mocho um epitáfio traça,
Quando num crânio
pousa ou sobre um sonho pia!...
A luz de que nos
serve? O sol que nos aquece,
De que nos serve o
sol, se andamos solitários.
Sem teu bordão, ó
fé, sem teu Calvário, ó prece?
A religião da
infância, o incenso dos santuários,
Bem depressa se
esvai, bem depressa se esquece!...
IRONIA DO CORAÇÃO
Como estavas
formosa entre o mar e a minh’alma!
Ias partir... no
céu vinha rompendo a aurora.
Eu te pedia - luz,
tu me pedias - calma;
Eu te dizia: -
“Crê”; tu me dizias: - “Chora!”
Beijei-te as mãos,
beijei-te os pequeninos pés,
Como os lábios de
um padre um assoalho sagrado.
Longe, ouvia-se
ainda, entre os caramanchéis,
A melodiosa voz do
luar apaixonado.
“É a voz do nosso
amor, nos esponsais das flores.
Não chores mais,
acalma a tua ansiedade.
Assim, como hei de
eu dar trégua às minhas dores,
E recalcar no
peito esta amarga saudade?”
Partiste... Sobre
mim cerrou-se a escuridão.
E eu não ouso
subir aos meus sonhos agora,
Porque, irônico e
mau, me grita o coração,
Quando não creio:
“crê!”, quando não choro: “chora!”
NO BOSQUE
Entro no bosque...
Fulvas, zarelhantes,
Redes de insetos
movem o ar cheiroso:
Fecham e abrem os
cálices brilhantes,
Junto de um lírio
branco e voluptuoso,
Rosas sanguíneas,
como a palma fina
De tua perfumosa
mão, querida!
O amor palpita e
fulge-me à retina,
E em glaucos copos
bebo o sol e a vida.
Comparo então esta
existência agreste
À nossa antiga e
plácida existência.
Tu cheia d´essa
emanação celeste,
Que é aurora — no
céu, n´alma — inocência,
De folha em folha
o meu olhar vagueia
Sob tendas de
errantes melodias,
Como de vaga em
vaga uma sereia
Acompanhada pela
ardentias...
Trilos de aves
sussurram no arvoredo,
Como um sorriso de
mulher que sonha,
Ou como um beijo a
estremecer de medo
Na tua boca,
túmida e risonha.
Flavas ondas de
aroma em torno ondeiam>>>
Lhamas de prata
colmam o ar silente,
E entre pâmpanos
murmúrios gorjeiam
Os gaturamos
amorosamente.
Parece que à
magnólias entreabertas
Vêm beijar um deus
loiro, de arco e flecha;
Porque há um ruído
subtil de asas incertas,
E uma abre o cálix
e outra o cálix fecha.
“Tens o sol”, digo
então ao bosque, rindo;
“Tens a relva”,
onde guardas os teus beijos,
E uma nápea em
cada folha, ouvindo
De tua orquestra
os módulos arpejos:
Tens crepúsculos
róridos e ardentes
Que vêm cantar às
margens dos riachos:
Caçadoras de
lábios sorridentes
Com estrelas na
testa em vez de cachos.
Donas e cavaleiros
sobre a alfombra
Bebem e cantam
árias abraçados;
Dás-lhes um véu de
perfumada sombra
E suntuosos leitos perfumados.
Porém se ela
viesse fulgirias
Como um soberbo e
esplêndido castelo:
Que fantástico
aspecto não terias
Iluminado pelo seu
cabelo!...
O PODER DAS LÁGRIMAS
Com que saudade
para o céu não olhas,
Vendo de nuvens
todo o céu coberto,
E engastadas de
pérolas as folhas
E o coração das
árvores deserto.
Como uma grande
rosa, a alma desfolhas
Dentro do seio,
inteiramente aberto,
E esses restos de
flor passando molhas
N´água do arroio
que coleia perto.
Molha-as, sim,
nesta linfa algente e casta!
Que uma só gota
cristalina basta
Para o calor em
chuva ir transformando.
Hás de ficar com
olhos rasos d´água,
A dor há de
acalmar que a própria mágoa
Tem dó de ver uma
mulher chorando.
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